Breno Altman: pela retomada de um projeto de ruptura


A saída para a crise do Brasil passa pelo afastamento de Jair Bolsonaro e do seu bloco de poder da Presidência, o mais rapidamente possível, pela realização de novas eleições e pela suspensão das “sentenças fraudulentas” contra o ex-presidente Lula, bandeiras a serem conquistadas com um frente popular que tenha um programa claro de esquerda e retome a ideia de ruptura revolucionária, defende o jornalista Breno Altman, editor do site Opera Mundi. “Esperar até 2022 seria colocar o país sob um estresse político, econômico e sanitário insuportável”, afirmou ao advogado e cientista político Jorge Folena, durante o Soberania em Debate, no último dia 19, no canal do SOS Brasil Soberano no YouTube.

Para Breno, “o país está naufragando como projeto nacional e é necessário colocar um fim a este governo”. Mas, na sua avaliação, não adiantaria trocar Bolsonaro por Mourão: “seria quase uma troca de seis por meia dúzia, porque, no fundamental, preservaria o mesmo bloco de poder, o mesmo projeto neoliberal, as mesmas medidas que vêm destroçando a nação nos últimos anos.”

O campo progressista deve, então, buscar como principais alternativas ou a cassação da chapa ou o seu impedimento, com novas eleições e restabelecimento dos direitos políticos de Lula. “A única saída democrática é quando o povo decide. As soluções mais adequadas para encontrar essa saída estão ou bem na cassação imediata a chapa Bolsonaro-Mourão pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), antes de 31 de dezembro deste ano, o que acarretaria novas eleições em 90 dias; ou é o caminho do impeachment, com a aprovação da PEC 277/2016, de Miro Teixeira, que determina eleições em 90 dias, caso restem pelo menos seis meses de mandato. Precisamos que o povo volte às ruas, para que possa emergir, de um novo processo eleitoral, um governo comprometido, que desmonte o arcabouço neoliberal e leve o país pelo caminho da distribuição de renda e riqueza, da soberania nacional, da radicalização da democracia. Se não rompermos do ponto de vista político quanto do ponto de vista econômico e social com o que representam os neoliberais e o Bolsonaro, o país vai continuar sambando na beira do precipício.”

STF e os campos em disputa
Nesse samba perigoso, Breno distingue dois campos em disputa — o conservador, de um lado, e o popular progressista, de outro –, e, em cada um deles, dois blocos. “O campo conservador tem duas correntes, uma é o neofascismo, a outra, a direita neoliberal. No campo popular, a corrente de oposição de esquerda, PT, PSOL, PCdoB, movimentos populares; e a centro-esquerda, com Ciro Gomes, PDT, PSB, que busca se articular com a direita neoliberal para tentar desbravar o acordo pelo centro.”

Nessa divisão de forças, o jornalista situa o Supremo Tribunal Federal (STF) e os meios de comunicação dentro do bloco conservador como parte da disputa, contrapondo-se, no campo da direita, ao neofascismo mas não seu projeto econômico. “Tanto que o STF aprovou a constitucionalidade das reformas que retiraram direitos e conquistas históricas, cúmplice na implementação da agenda neoliberal.”

A divergência entre os conservadores é real, mas restrita ao arranjo político. “O bolsonarismo, com o núcleo central das Forças Armadas, advoga um Estado policial, que retire do palco principal os partidos de esquerda, os sindicatos, os movimentos populares, se preciso, a ferro e fogo, que possa implementar o projeto neoliberal radicalizado.” Enquanto isso, explica Breno, “a direita neoliberal, que tem muita influência sobre o STF, crê no recauchutamento da democracia liberal da Constituição de 88, limitado, plutocrata, monopolista nas comunicações”. Por isso, o confronto acontece mas “mitigado, frouxo”, porque as duas correntes têm o mesmo projeto.

É nessa equação que ele insere o STF, alinhado à direita neoliberal. “O STF exerce em relação ao Bolsonaro um papel de vigilância e controle, e se choca com o bolsonarismo nos momentos de crise mais aguda, em que a democracia possa ser atropelada num Estado policial.” Com relação a essa disputa, contudo, o jornalista lembra o episódio do Habeas Corpus nº 300 impetrado por Rui Barbosa, em 1892, pedindo a anulação das medidas punitivas severas decretadas pelo então presidente, Floriano Peixoto, contra os oficiais que participaram da Revolta da Armada. “As especulações diziam que a Corte Suprema aceitaria o HC por ampla maioria. Floriano mandou um recado: _ se os ministros aprovarem esse HC, quem vai aprovar o HC para os ministros… E o resultado foi 10 a 1 contra o HC. Os oficiais continuaram presos.” Ou seja, resume Breno, a questão sobre os limites da atuação do Supremo é se as Forças Armadas vão até o fim com o Bolsonaro. “Se estiverem decididas a irem até o fim, o STF não vai rugir, vai miar. A única força para deter esse trânsito para o Estado policial é a mobilização do povo brasileiro.”

Reação popular e frentes
Essa mobilização popular, na avaliação de Breno, já começa a ser construída por grupos de vanguarda que lideram manifestações de rua, apesar das restrições impostas pela pandemia de Covid-19. “É o único caminho para a esquerda acumular forças”, diz. “Não há outra possibilidade que não seja a força das massas para alterar a correlação de forças; não vai ter ruptura sem capacidade de mobilização.”

O jornalista compara o cenário atual a uma pré-temporada de um campeonato de futebol “”Está se fazendo exercício de musculação, preparando parte técnica, treinando a tática, vendo se os coletivos se movem bem… Está se preparando o ambiente para uma ofensiva popular.”

Para superar a tradição histórica de transições políticas pactuadas “por cima”, entre as elites, ele argumenta que o campo progressista deva “retomar a perspectiva histórica da ruptura, do que Florestan Fernandes, que completaria agora cem anos, chamava de revolução inacabada”. “É necessário um novo caminho, que vai se construir nas ruas, nos sindicatos, na edificação de um movimento social, com uma clara identificação, e que busque romper com esse projeto neoliberal.”

Nessa direção, Breno Altman rejeita a proposta de uma frente que una esquerda e direita neoliberal para derrubar o presidente e a extrema direita. “A ideia de quem defende a frente ampla, na linha do ‘primeiro afastamos o Bolsonaro, depois lutamos contra o neoliberalismo’, é equivocada e empurraria a esquerda para abdicar de seu programa, voltando a ser uma força auxiliar de uma fração das forças dominantes contra outra. Separar a política da luta econômica é tudo que almeja a direita neoliberal.”

O jornalista acredita que cabe à esquerda constituir uma frente popular, dos movimentos de esquerda, dos sindicatos, com um claro programa antiliberal, antifascismo, antirracista, antilatifundiário; um movimento pelo impeachment, pela antecipação de eleições e pela restituição dos direitos de Lula.

Militares e a natureza do bolsonarismo
O governo Bolsonaro representa a transição da democracia liberal plasmada pela Constituição de 88 para o Estado policial, resume o editor do Opera Mundi. “Estabeleceu-se um certo consenso na burguesia brasileira de que a imposição de uma agenda neoliberal mais radicalizada pressupunha a derrubada do governo da DIlma, a criminalização do PT, através da Lava Jato, com o impedimento de Lula”, afirma. Para isso, seria preciso ir além das Medidas Provisórias das reformas estruturais de retirada dos direitos,“e construir um novo regime político, capaz de destroçar os partidos de esquerda, o movimento sindical, para implantar a agenda sem maiores problemas.”

Um modelo que o jornalista compara ao do Estado da Colômbia, onde, apesar da fachada institucional, com eleições, parlamento funcionando, legalidade do Partido Comunista, atua um núcleo real miliciano paramilitar, vinculado às Forças Armadas como um braço clandestino, com um nível de repressão pior ainda do que a praticada na Argentina, nos anos 1970. “Na Colômbia, entre 1986 e 1992, mais de 5 mil militantes do Partido Comunista foram assassinados por grupos paramilitares. O mesmo vem acontecendo agora, depois do acordo com a Farc. Mais de mil ex-guerrilheiros e líderes sociais foram assassinados.”

Esse é o neofascismo bolsonarista, que tem nos militares sua espinha dorsal, na definição de Breno: “Os militares voltaram a exercer a tutela do poder. O partido do Bolsonaro é o partido fardado.” Um papel desempenhado historicamente, desde a fundação da República, apesar de figuras divergentes como o marechal Henrique Teixeira Lott, assegurando a posse de Juscelino Kubistchek, ou o tenentismo de esquerda. Depois de 1964, “um núcleo de generais entreguistas e fascistas se impôs como hegemônico nas Forças Armadas”, explica. Com a redemocratização, nenhum governo, nem os petistas, observa o jornalista, teria agido para que as FFAA deixassem de reproduzir esse pensamento reacionário — não se mexeu nos currículos de formação, na doutrina, não houve perdão pelas violências, afastamento dos fascistas. “E estamos vendo agora o retorno do partido fardado, pegando carona numa via institucional, que foi a eleição de Bolsonaro, para construir um Estado policial que imponha a agenda neoliberal.”

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