IAB aprova parecer a favor de processo de impeachment


Fonte: IAB*

Parecer jurídico do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) favorável à instauração de processo de impeachment contra o presidente da República, Jair Bolsonaro, por crime de responsabilidade, foi aprovado nesta quarta-feira (10/6), na primeira sessão plenária virtual do IAB, conduzida pela presidente nacional, Rita Cortez. De acordo com o relator Manoel Messias Peixinho, membro da Comissão de Direito Constitucional, que analisou vários episódios envolvendo o presidente, em dois deles houve crime de responsabilidade configurado pelo cometimento de atos contra a probidade administrativa: ao violar as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e ao comparecer a manifestação em defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional.

Aprovado por 77,8% dos consórcios (56 membros efetivos) que votaram na sessão, o parecer será encaminhado por Rita Cortez ao Congresso Nacional, onde já foram protocolados 40 pedidos de impeachment, e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Também será enviado o parecer do criminalista Mauricio Stegemann Dieter, da Comissão de Direito Penal, incumbido de verificar se os dois fatos considerados crimes de responsabilidade por Manoel Messias Peixinho teriam atingido o âmbito penal. Segundo o criminalista, “não há fundamento, exclusiva e estritamente do ponto de vista do Direito Penal, para iniciar um processo de impeachment”. Ele, contudo, ressalvou, que “a responsabilidade do presidente da República por essas ações não é, rigorosamente, criminal, o que não significa que não deva ser responsabilizado”, afirmou.

De acordo com Rita Cortez, “o IAB não enviará um pedido de abertura de processo de impeachment, mas pareceres técnicos com os fundamentos jurídicos que sustentam a admissibilidade de sua instauração”. Segundo a presidente, “foi uma sessão histórica, por ter sido a primeira realizada virtualmente e, principalmente, por ter tratado de um tema de relevante interesse nacional”. Ainda de acordo com a advogada, “o IAB cumpriu, mais uma vez, o seu dever histórico de se pronunciar, por meio de pareceres técnicos, sobre uma questão de enorme interesse da sociedade brasileira, que é a possibilidade jurídica e política de impedimento do presidente da República, incluída em nossa pauta de debates”.

Para Manoel Messias Peixinho, que também é presidente da Comissão de Direito Administrativo do IAB, “é inegável que as falas e os atos agressivos e impensados do presidente da República são contrários ao interesse público e com consequências nocivas a todos os brasileiros”. De acordo com ele, o crime de responsabilidade está tipificado no art. 85 da Constituição Federal (CF) e no art. 4º da Lei 1.079/1950, que regula o processo de impeachment.

Peixinho falou sobre a diferença entre crimes comuns e o crime de responsabilidade. “Os primeiros são aqueles estatuídos no Código Penal e nas leis especiais que tipificam as condutas reprováveis, enquanto os crimes de responsabilidade, por sua vez, são ilícitos administrativos e constitucionais praticados por agentes políticos”, disse.

Em seguida, esclareceu o que é probidade administrativa. “É um termo relacionado ao Direito que caracteriza agir com honestidade na administração pública, ou seja, de acordo com os princípios básicos da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, disse. De acordo com o relator, “as condutas do presidente da República são, além de incompatíveis com o decoro e a dignidade do cargo, caracterizadoras de crime de responsabilidade”.

Ato atentatório – Na fundamentação do seu parecer, o advogado citou a presença de Jair Bolsonaro, no dia 19 de abril último, em Brasília, em ato realizado em frente ao quartel-general do Exército. Os participantes atacaram o STF e o Congresso Nacional, defendendo o fechamento das instituições. “Foi um ato atentatório à saúde, por causar aglomeração de pessoas, e à democracia, pois o presidente da República, ao discursar para centenas de apoiantes, pediu a intervenção militar e o fim do isolamento social, face à pandemia da Covid-19”, destacou.

De acordo com Manoel Messias Peixinho, “a participação do presidente no ato, em que também foi defendido o retorno do Ato Institucional nº 5 (AI-5), configura fato gravíssimo, pois se trata não somente de um retrocesso democrático, mas também de crime de responsabilidade”. Segundo ele, a CF e a Lei 1.059/1950 preveem como crime de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição da República e, especialmente, contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais das unidades da federação.

O relator fundamentou também a caracterização do crime de responsabilidade decorrente da desobediência às orientações das autoridades sanitárias. “O descumprimento das recomendações da OMS, em grave ofensa ao direito à saúde, resguardado pela Constituição de 1988, resultou em ato contra a probidade na administração, considerado crime de responsabilidade”, explicou.

O advogado argumentou que a OMS, no dia 11 de março de 2020, anunciou que a Covid-19 ganhara a dimensão de uma pandemia e, por isso, recomendou à população mundial que evitasse aglomerações e buscasse o isolamento social. “Mesmo diante da gravíssima situação sanitária no Brasil, o presidente vem, reiteradamente, ignorando as recomendações e diretrizes da OMS e do próprio Ministério da Saúde, promovendo passeios e gerando aglomerações, além de incentivar a ida da população às ruas”, ressaltou.

O integrante da Comissão de Direito Constitucional avaliou, ainda, a acusação feita pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro sobre a suposta interferência política do presidente na Polícia Federal. Na opinião do advogado, se a denúncia for confirmada no inquérito aberto para investigá-la, haverá uma terceira situação concreta para abertura do processo de impeachment.

Controle jurisdicional – Em seu parecer, Manoel Messias Peixinho disse que, embora o processo de impedimento reúna um conjunto de normas com feições políticas, todas estão sujeitas ao controle jurisdicional. “A admissibilidade e o julgamento do impeachment são feitos por juízes políticos, ou seja, deputados e senadores, mas o procedimento e o direito material são submetidos ao estreito controle do Poder Judiciário”, explicou o advogado. Ele ressaltou que o controle de legalidade e constitucionalidade do julgamento realizado no Senado é feito pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).

O relator ressaltou que o afastamento do presidente da República não pode ocorrer por meio de processo de impedimento impróprio. “A retirada do exercício da Presidência advinda de um processo fundado em meros juízos de valor ou de importunidade é um ato ilegítimo e arbitrário, que viola o princípio democrático”, afirmou. De acordo com ele, o processo de impeachment está regulado pela Lei 1.079/1950, que prevê a aplicação das normas do Código de Processo Penal (CPP), para que as autoridades eleitas não sejam afastadas mediante intepretações subjetivas e alargadas.

Em seu parecer, Peixinho analisou outros atos do presidente, todos praticados em 2019 e classificados pelo advogado como “reprováveis e censuráveis”, mas que, em sua opinião, não seriam suficientes para o seu afastamento da Presidência. Um deles foi o fato de Bolsonaro ter compartilhado vídeo com cenas de um bloco de carnaval em São Paulo, num episódio que ficou conhecido como golden shower. Outro foi a insinuação feita pelo presidente de que saberia do paradeiro do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, reconhecido como desaparecido político durante a ditadura militar.

Ações repreensíveis – Na sessão plenária virtual, também foi analisado o parecer do criminalista Maurício Dieter, para quem os crimes de responsabilidade apontados por Peixinho não atingiram o âmbito penal. Segundo ele, “as ações repreensíveis” do presidente não configuram, por exemplo, “por falta de determinação do poder público em relação à pandemia”, o cometimento do crime previsto no art. 268 do Código Penal (CP). Conforme o dispositivo, é crime infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.

Participaram da sessão plenária virtual, realizada na plataforma Zoom, 82 membros efetivos, dos quais 72 votaram, com 77,8% (56 votos) favoráveis ao parecer de Peixinho, 20,8% (15) contrários e uma abstenção. No canal TVIAB no YouTube, cerca de 30 pessoas acompanharam os debates. Integraram a mesa de trabalho virtual, além de Rita Cortez e os dois relatores, a secretária-geral, Adriana Brasil Guimarães; o diretor secretário coordenador do setor administrativo Antonio Laért Vieira Junior, e os presidentes das comissões de Direito Constitucional, Sergio Sant’Anna, e Direito Penal, Marcio Barandier.

Entre os que se manifestaram na sessão estavam o 1º vice-presidente, Sergio Tostes; o 3º vice-presidente, Carlos Eduardo Machado; o assessor legislativo Miro Teixeira; o vice-presidente da OAB Nacional, Luiz Viana Queiroz; os diretores do IAB Hariberto de Miranda Jordão Filho e Jorge Rubens Folena, e os consócios Pedro Greco, Marcos Luiz Oliveira de Souza, José Calixto Uchôa Ribeiro, Mário Antonio Dantas de Oliveira Couto e Luiz Fernando Prioli.

Fonte: IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros

Assista na íntegra a intervenção do advogado e cientista político Jorge Folena, integrante da coordenação do SOS Brasil Soberano

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