Vídeo explicita projeto bolsonarista de destruição da República

Para o advogado Jorge Folena, a reunião ministerial revela uma conspiração para impor ao país um programa ultraliberal e armar grupos paramilitares contra os poderes constituídos, com o objetivo de implantar um Estado antidemocrático e fascista

O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, tornado público pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não prova apenas que o presidente da República interfere na Polícia Federal, mas que todo o governo bolsonarista conspira contra o Estado Democrático de Direito, afirma o cientista político e advogado Jorge Folena, especialista em questões constitucionais e membro do Instituto de Advogados Brasileiros (IAB). Segundo ele, há uma série de crimes praticados durante o encontro, que justificam o impeachment do presidente, do vice-presidente e de todo ministério.

“A Constituição veda a formação de grupos paramilitares, e este vídeo é a confissão do Presidente da República de que está formando grupos armados para atuarem no Brasil”, alerta Folena, durante a edição do Soberania em Debate gravado excepcionalmente no último domingo (24). “A Frente Antifascista se impõe mais do que nunca.”

O jurista fez uma síntese daquilo que foi mostrado ao país, recomendando aos que pretendam compreender corretamente o que aconteceu que assistam o vídeo na íntegra. Em síntese, trata-se de uma reunião oficial, dentro do Palácio, na qual o presidente propôs — e seus ministros militares aceitaram — a quebra do monopólio legal da violência, pela formação de milícias armadas, e confessou dispor de um sistema particular de informações. O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu a intenção de privilegiar com recursos do orçamento público “grandes empresas”, em detrimento das pequenas e médias; qualificando ainda de inimigos os servidores públicos.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, detalhou uma estratégia de fraude legislativa para desmontar normas ambientais e humanitárias consolidadas na Constituição, aproveitando-se da preocupação nacional com a pandemia de covid-19, diante da omissão cúmplice do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que é o responsável pelo controle do desmatamento na Amazônia. A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, ainda ameaçou processar e prender governadores e prefeitos; coisa que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, também sugeriu que se fizesse com os ministros do STF, aos quais xingou de vagabundos. E esses foram apenas alguns dos fatos gravíssimos, na opinião de Folena, observados na reunião, que vão além da flagrante interferência do presidente na Polícia Federal e em demais órgãos, para defesa de seus interesses particulares.

“O vídeo não é mais uma ‘bolsonarice’”, concorda o historiador Francisco Teixeira, mediador do debate. “A reunião marca um momento de agravamento do autoritarismo, da pulsão de morte e do abandono da população brasileira, característicos deste governo.” Ele lembra que o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Duarte Guimarães, chegou a ameaçar pegar em armas, caso um policial prendesse sua filha por ir à praia, desrespeitando decreto estadual ou municipal de isolamento social. Estaria disposto a “matar ou morrer”, ou seja, a desobedecer a lei com base na força. Um crime, que não foi contestado por nenhum dos militares presentes nem pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro, que se demitiria dois dias depois da reunião.

O enfrentamento armado das medidas sanitárias estaduais e municipais para controle da covid-19 foi considerado normal ou até louvável pelo conjunto dos presentes. O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, em atitude francamente debochada, afirmou que, em 22 de abril de 2020, a pandemia já teria chegado ao pico no Brasil com 200 mortes por dia, quando, na verdade, um mês depois, em 22 de maio, o Brasil registrava quase 1.200 mortos por dia.

O que era e ao que servia a reunião
A reunião ministerial nasceu de um conflito político interno do governo, que opõe militares e equipe econômica. Foi organizada pelo general Walter Souza Braga Netto, chefe da Casa Civil, para apresentar o plano Pró-Brasil, ação que previa investimento público de R$ 30 bilhões e intervenção estatal. O plano já tinha sido lançado com grande campanha publicitária, e marcou a tomada da economia pelos setores militares do governo, com muitas críticas por parte da equipe do ministro Paulo Guedes.

“Depois de dez minutos da fala do general, Bolsonaro pega o microfone e diz: _quem vai falar agora é o ministro forte, Paulo Guedes. E Guedes implode a reunião”, descreve Folena. O encontro, então, torna-se outra coisa, que começa com o ministro da Economia humilhando a iniciativa dos militares — “não digam plano Marshall, não, que revela um despreparo enorme” –, e se desenvolve para um desabafo agressivo do presidente, em defesa do fortalecimento da sua autoridade individual.

Totalitarismo alinhado à diretriz liberal e GLO
Para embasar sua argumentação contra as ações do plano Pró-Brasil, observa Folena, o ministro da Economia anuncia, explicitamente, a opção governamental pelos mais ricos. “Ele diz: ‘Vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes empresas’. Ganhar dinheiro como? Está em 1h38m29s da gravação. É muito grave.”

Já a fala de Bolsonaro, na análise do advogado, quer deixar claro que ninguém o controla, que os generais são coadjuvantes no processo, e que ele tem o total poder de mando do governo. “Não há dúvida sobre a sua interferência na gestão da Polícia Federal e de demais órgãos. Ele é categórico. Só não vê quem não quer.”

Ao chamar para si o governo, explica Folena, Bolsonaro faz uma interpretação do artigo 142 da Constituição, sobre a GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que lhe permitiria, supostamente, uma intervenção militar — na verdade, subvertendo a ordem. “O 142 não é para isso, militar não é para ir às ruas. O Bolsonaro usa o mecanismo da GLO para desconstituir a ordem constitucional”, diz o advogado. “Nesse movimento, encaixa-se o sistema de informação privada que ele tem e lhe permitiria intervir quando quisesse. Não é general, mas ele próprio que vai comandar a intervenção.”

Para a realização deste projeto é que Bolsonaro precisa armar a “população” — no caso, o seu próprio grupo de influência, lembra o professor Francisco Teixeira, como as milícias. Um propósito radical e anti-Republicano, exposto dentro de uma repartição pública. “Bolsonaro diz que está mesmo armando a população para uma luta política, para uma guerra. Vem então o grupo dele, ideológico, em que se insere o Weintraub, e distorce o conceito de liberdade, operação típica do fascismo, que mudou, por exemplo, o conceito de trabalho. Isso, para dizer que os poderes constitucionais do Brasil (Parlamento, Judiciário, Federação) o estão ameaçando e ele precisa armar a população. É muito grave.”

Pelo que se viu na reunião, a Lei 1.079, que trata dos impedimentos (impeachment), poderia ser aplicada sobre todos os integrantes do governo. “Todos violaram a Constituição, inclusive os que se omitiram”, avalia Folena. “É o fascismo agora documentado, com prova produzida pelo próprio Estado brasileiro: o general Braga Netto proporcionou essa situação probatória contra o presidente, o vice-presidente e todos os ministros ali presentes.”

Clique para ver o Soberania em Debate com o advogado Jorge Folena e o historiador Francisco Teixeira

Clique para assistir na íntegra o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril de 2020

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