Fascismo: integralismo, autoritarismo e tradição brasileira

Praça da Sé, SP, 1934. Anarquistas, sindicalistas, trotskistas e comunistas, unidos na Frente Única Antifascista, botam integralistas para correr, no que ficou conhecido como a “revoada dos galinhas verdes”, depois que o Barão de Itararé deu a manchete sobre a fuga: “Um integralista não corre, voa”.

Vinícius Ramos*

Quando pensamos no fascismo, geralmente nos vem à cabeça algumas imagens já solidificadas pelo passar do tempo: estandartes com suásticas, Mussolini na sua sacada discursando, campos de concentração. Enfim, toda uma gama de figuras construídas ao longo do tempo pela mídia e por nossas leituras. Entretanto, o fascismo é um movimento muito mais profundo do que apenas essas exterioridades. Se o fascismo se resumisse a seus gestos histriônicos e seus discursos rocambolescos, pouco ou nenhum problema teria causado durante o século XX. Seu problema reside justamente no fato dele ter raízes profundas, ainda mais em uma sociedade com uma tradição autoritária tão arraigada quanto a brasileira.

O movimento fascista de maior envergadura no Brasil foi o integralismo. Agrupados sob a Ação Integralista Brasileira (AIB), milhares de homens e mulheres se submeteram à liderança política e intelectual de um escritor e político de São Paulo: Plínio Salgado. A AIB contou com uma razoável participação em alguns estados do Brasil, principalmente no Sul e no Sudeste. O integralismo se notabilizou como o maior movimento fascista na América, chegando a eleger deputados, prefeitos e vereadores Brasil afora, durante seu período de atuação legal, entre 1932 e 1937.

Mas quais seriam as principais características que definiriam o fascismo brasileiro? Quais elementos seriam tão atraentes ao ponto de pessoas arriscarem a própria vida em nome de um ideal? Esses elementos não são diferentes dos que já eram desenvolvidos em locais em que o fascismo havia criado raízes primeiro. Vejamos.

Anticomunismo: o integralismo era extremamente anticomunista, e, nesse sentido, contrário a qualquer manifestação política que pudesse ser enquadrada como fazendo parte da esquerda política. Logo, não possuíam antipatia apenas com o universo da extrema-esquerda. Socialistas, ou todos aqueles que se colocassem ao lado de demandas que tradicionalmente beneficiassem os mais pobres através de uma política de construção de autonomia, eram tachados de “comunistas”. As únicas formas aceitas pelos integralistas para se colocar ao lado dos mais necessitados seriam a ação social de caridade ou o controle do Estado sobre as demandas destes grupos explorados. Assim, todos aqueles considerados opositores pelos integralistas eram genericamente tachados de comunistas.

Nacionalismo exacerbado: o integralismo pregava a valorização extrema da nação. Desta forma, sua perspectiva de nacionalismo era repleta de imagens conspiratórias e violentas, onde todos aqueles que não comungavam das ideias das lideranças integralistas eram acusados de estarem trabalhando contra o nacionalismo, de não amarem de verdade o Brasil. Sua posição era de defesa dos interesses da nação, mesmo que isso viesse a prejudicar outras coletividades dentro e fora do país. Ou seja, sua visão totalizante não permitia vozes dissonantes no que dizia respeito à sua noção de soberania.

Antiliberalismo: existia uma crítica feroz do integralismo ao regime liberal democrático. Para os fascistas brasileiros, o regime liberal contribuía para a desorganização da sociedade, trazendo corrupção e abrindo espaço para a exploração dos cidadãos por políticos desonestos. Sua ideia se baseava na suposta divisão que os partidos causavam à nação, fazendo com que essas divergências atrasassem o desenvolvimento do Brasil. A principal proposta para superar o liberalismo seria a instalação de um regime autoritário baseado no corporativismo, onde as representações profissionais teriam a função de legislar.

Culto ao líder: para os integralistas, a figura do líder deveria se sobrepor a todo o movimento e o mesmo nunca deveria ser questionado. Sua proposta extremamente hierarquizada e autoritária garantia ao líder supremo – Plínio Salgado – a palavra final sobre praticamente qualquer assunto dentro dos quadros da AIB. Era proibido pelo regimento interno do movimento qualquer questionamento sobre ordens superiores. Essa postura messiânica garantia à liderança uma atuação contestada apenas em raras oportunidades.

Obviamente existem outras características, e mesmo lideranças importantes, dentro do movimento integralista. Aqui nossa ideia foi de trazer à tona aquelas que mais se destacavam no cenário político brasileiro e que mais marcaram o movimento. A AIB deixou de ter atividades legais em 1937, mas sua ideologia autoritária não se extinguiu com o tempo, tendo ramificações políticas até a atualidade.

Bibliografia
BERTONHA, João Fábio. Integralismo: Problemas, perspectivas e questões historiográficas. Maringá: editora da UEM, 2014.
CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. Integralismo: ideologia e organização de um partido de massa no Brasil (1932-1937). Bauru: EDUSC, 1999.
CHASIN, José. O integralismo de Plínio Salgado: formas de regressividade no capitalismo hiper-tardio. São Paulo: Ciências Humanas, 1978.
RAMOS, Vinícius. As folhas dos jornais eram verdes? A Ação Integralista Brasileira nas páginas de O Jornal e Correio da Manhã (1933-1938). 2016. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1979.

*Vinícius Ramos é doutorando em História pela UERJ

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