Para senador, relatório da CPI da Covid precisa se somar à ação política

Para impeachment do presidente, acusado de nove crimes, inclusive contra a humanidade e prevaricação, é necessário mais gente nas manifestações de rua, um racha no Centrão e piora na popularidade do governo, avalia o senador Humberto Costa, titular da CPI 


A CPI da Covid-19 identificou nove crimes cometidos por Jair Bolsonaro, entre os quais vários deles – como crime contra a humanidade, prevaricação, corrupção, desrespeito ao direito à vida, crime de responsabilidade – que ainda não haviam sido relatados nos mais de cem pedidos de impeachment protocolados na Mesa da Câmara. Mas o relatório final da comissão não conseguirá, sozinho, provocar o impedimento, na opinião do senador Humberto Costa (PT-PE), integrante do chamado G7, grupo que formou maioria e liderou a comissão. Segundo ele, um processo de impeachment precisaria de uma queda maior na popularidade do governo, mais gente na rua nos atos de protesto e fraturas no Centrão, a sustentação parlamentar do Executivo.

“Não é a CPI que garante o impeachment”, afirma o senador, que participou do Soberania em Debate, realizado nesta sexta-feira (29) pelo Movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). “É preciso ter outros componentes, que são políticos, além do crime de responsabilidade. Esse trabalho [da CPI] com certeza abalou a popularidade do Bolsonaro, mas ele ainda tem apoio de parcela expressiva da população, e isso conta para que o impeachment se torne mais ou menos possível.”

Por outro lado, “até pelo receio da transmissão da Covid-19”, Humberto Costa acredita que “o povo na rua ainda não é realidade suficiente para que o governo caia”. Além disso, “embora haja uma perda progressiva de sustentação política, na Câmara o Centrão tem sido um esteio para que o impeachment não avance”.

No relatório da CPI, as nove acusações de crimes contra Bolsonaro incluem delitos comuns e crime contra a humanidade, tipificado de acordo com o Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. Estão descritas tentativas de extermínio de parte da população e perseguições a populações específicas – indígenas, quilombolas, a população de Manaus -, além de “ato desumano”, cometido contra a população em geral.

Os crimes do presidente serão comunicados ao Tribunal Penal de Haia, para que a denúncia se junte a outras representações contra Bolsonaro, inclusive uma denúncia de genocídio. Os julgamentos de Haia demoram a acontecer, mas podem resultar até em penas de prisão perpétua. “Haverá uma repercussão devastadora para o governo quando a comunicação chegar a Haia”, prevê o senador. As acusações serão encaminhadas, ainda, ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU e à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Desídia e reputação
O senador conclui que a comissão cumpriu dois principais papéis, um deles ter reforçado os argumentos para retirar Bolsonaro do poder. O outro, “ter desnudado esse governo e promover o seu desgaste político, porque se pôde ver a sua omissão, irresponsabilidade, sua incompetência”.

Para Humberto Costa, o procurador-geral da República, Augusto Aras, não arriscará sua reputação negando-se a dar consequência às denúncias feitas pela CPI da Covid, cujo relatório de 1.299 páginas pede o indiciamento de 78 pessoas, entre elas os três filhos parlamentares do presidente – Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro. O senador ressalta que o Plenário do Senado aprovou na quinta-feira (28) um projeto de resolução criando a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia de Covid-19 (PRS 53/2021), para acompanhar os desdobramentos das investigações e do relatório.

“Esperamos que o procurador promova o andamento desse inquérito, e acredito que ele o fará. É uma pessoa que tem uma carreira de muitos anos no Ministério Público, uma reputação que precisa preservar”, diz. “E qualquer tipo de prevaricação ou desídia teria uma repercussão grande sobre a própria reputação dele. Então acho que a PGR vai sim levar à frente essas denúncias que recebeu.”

O procurador-geral determinou, na quinta-feira (28), a instauração de um procedimento preliminar para recebimento do material produzido pela CPI, a chamada notícia de fato, mas que ainda não configura um inquérito. Humberto Costa observa que o procurador-geral pode tentar acolher algumas denúncias e arquivar outras, “mas isso tem um preço político também”. Segundo o parlamentar, o Observatório da Pandemia de Covid-19 “vai cobrar de cada um que receber o relatório o seguimento dos processos”. Isso inclui a PGR, quando os envolvidos são o presidente, ministros e parlamentares, que têm foro privilegiado, e outras instâncias da Justiça.

Balanço dos trabalhos da CPI
“Acho que a CPI cumpriu bem seu papel, principalmente ao mostrar à população que houve uma estratégia assumida pelo governo de tentar superar o vírus pela sua difusão rápida e intensa, na expectativa de que o adoecimento do maior número de pessoas levaria a uma imunidade coletiva que impediria a progressão da pandemia”, afirma o senador. “Só que a Covid-19 não é uma doença simples, uma virose. Gerou muito mortes, quadros importantes do ponto de vista clínico, que levaram a sequelas e a esse drama todo que estamos vivendo.”

A partir daí, foram apontados os sucessivos erros e crimes da condução da crise sanitária, mostrando o que havia por trás do negacionismo do governo, a demora para instalar leitos de UTI, a omissão na aquisição das vacinas, além dos interesses comerciais na defesa de medicações sem eficácia comprovada,

“Uma das coisas mais graves foi mostrar que o governo, quando resolveu se interessar por vacina, depois de muita pressão, não foi atrás de vacinas que tinham registro, mas de outras, sem registro e em meio a processos que tinham ocorrência de atos ilícitos para auferir vantagens a agentes públicos e privados”, diz o senador. Para ele, “a imagem do governo Bolsonaro trincou de maneira definitiva”. Inclusive no exterior.

Outros efeitos da CPI impactaram a própria condução das ações de combate à pandemia. Segundo Humberto Costa, os debates na comissão, junto com a pressão da mídia e da população, forçaram o governo “incompetente e preguiçoso” a fazer o que não queria, ou seja, ir comprar as vacinas. Segundo o parlamentar, no início dos trabalhos, em abril, eram vacinadas no Brasil 200 mil pessoas por dia, em média; recentemente, chegou-se a bater 2 milhões de vacinados em um dia.

Mas os trabalhos da comissão não foram fáceis. Os parlamentares enfrentaram “arapongagem”, perseguições diversas, ameaças diretas. Para resistir a tanta pressão, Humberto Costa enfatiza a importância da coesão entre os senadores, apesar de seus perfis ideológicos e políticos tão diversos.

“Conseguimos fazer na CPI o que os partidos políticos, os movimentos sociais, as personalidades e entidades não conseguiram fazer fora do Parlamento: uma grande frente política de denúncia do governo Bolsonaro.” Ele também aponta a contribuição do clima favorável à CPI instalado na sociedade e das cobranças feitas pela mídia para que a comissão chegasse com sucesso ao fim de sua missão.

> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Assista na íntegra ao Soberania em Debate com o senador Humberto Costa (PT-PE) sobre a CPI da Pandemia de Covid-19, entrevistado pelo cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, coordenadores do SOS Brasil Soberano

 

 

 

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