Artigo: O palhaço no circo dos horrores

Praça dos Três Poderes (Brasília/DF. 03-03-2020) – Foto: Lula Marques


Jorge Folena*

A partir de junho de 2013, forças políticas internas e externas começaram a ser movimentadas no Brasil com o objetivo de desestruturar o governo popular da presidente Dilma Rousseff, filiada ao Partido dos Trabalhadores. Políticos de origem conservadora (ligados ao campo e a estruturas religiosas) e liberais de origem urbana uniram-se num movimento muito bem orquestrado e que contou com amplo apoio dos meios de comunicação social. Desta forma, lograram conduzir o indevido impedimento de uma presidente da República, que foi afastada de suas funções sem ter cometido qualquer ilícito, seja de natureza política ou jurídica.

Nesse grande conluio, as instituições políticas e militares nada fizeram para garantir a ordem constitucional. Ao contrário, com todo o cinismo, permitiram que a Constituição fosse rasgada, enquanto, de forma dissimulada, diziam que a vontade popular deveria ser cumprida; vontade essa expressa por marchas de pessoas de pele branca (na maioria), vestidas de verde e amarelo nas ruas brasileiras, contaminadas por um sentimento antipetista insuflado e mantido artificialmente pela mídia.

Deste modo equivocado para a democracia, foi brutalmente interrompido o segundo mandato da presidenta reeleita no final de 2014, que deveria ter sido cumprido entre primeiro de janeiro de 2015 e primeiro de janeiro de 2019. Dilma Rousseff foi afastada provisoriamente de suas funções em 12 de maio de 2016, para nunca mais voltar ao poder. Seu questionamento jurídico acerca de todo esse processo sequer foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal, que analisou vários outros temas posteriores, mas omitiu-se completamente quanto ao indevido e inconstitucional impeachment.

Com essa quebra da normalidade democrática, assumiu o poder o então vice-presidente Michel Temer, que impôs uma forte política ultraliberal, que paralisou a economia e fez a pobreza retornar sem piedade sobre a população mais vulnerável do país; um país muito rico, mas que, hoje, mais uma vez, tem uma imensa parcela da população empobrecida e sem esperança de futuro.

Este jogo perigoso com a democracia, que foi patrocinado por uma aliança que contou com a participação de conservadores, liberais e apoiadores da ditadura militar de 1964-1985 (com forte viés fascista e sem qualquer respeito à Constituição), desestruturou o Brasil e enfraqueceu completamente suas instituições.

Neste ponto, os homens e as mulheres que estavam e estão à frente das instituições escolheram virar suas costas para a realidade que se anunciava e permitiram, algumas vezes por omissão e outras até mesmo por opção de classe, que a Constituição fosse reiteradamente descumprida. Estavam abrindo caminho, a partir do ano de 2018 (principalmente com o indevido encarceramento e o impedimento do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva de participar da eleição presidencial daquele ano), para que o poder fosse ocupado efetivamente por pessoas que sempre manifestaram ódio e preconceito, desrespeito à democracia e às instituições liberais e aos movimentos sociais organizados. Indivíduos que sempre foram declaradamente favoráveis à tortura, à repressão e à violência policial; que se colocaram sem nenhum pudor contra o que chamam de “politicamente correto” (respeito à pluralidade, às minorias e à laicidade), que deixou de existir no Brasil, depois de 1º de janeiro de 2019.

O Brasil de hoje está sendo tomado por ataques violentos, que circulam na rede mundial de computadores, contra as instituições políticas (Câmara dos Deputados, Senado Federal e Supremo Tribunal Federal), mas também contra muitos políticos conservadores e liberais que orquestraram a queda da presidente Dilma Rousseff, agora colocados ao lado de expressivos líderes de esquerda e representantes de movimentos sociais; todos sendo rotulados de “comunistas” e acusados de agir de forma contrária aos interesses do líder messiânico e seu grupo, sobre quem pesam fortes acusações de envolvimento com grupos paramilitares que aterrorizam e extorquem a população pobre em muitas cidades brasileiras.

A elite do país, representada pelo palhaço vestido com a faixa presidencial que distribuiu bananas no Palácio do Alvorada, possibilitou a quebra de mais um símbolo da república: a própria instituição da Presidência da República! Esta mesma elite permitiu que o fascismo tomasse de assalto o país, violentando a todo momento a Constituição, a ordem democrática, a soberania nacional e expondo o pior de uma sociedade: o desprezo por seu próprio povo e país!

Sendo assim, diante da gravidade da situação e para reverter o quadro de instabilidade política, social, econômica e jurídica que nos abateu desde 2013, estão abertas as condições objetivas para iniciarmos, urgentemente, a luta contra o fascismo e as forças do mercado financeiro, que têm sangrado o Brasil, nossos recursos naturais e a população. E isso somente será possível com a fundação de novas instituições, efetivamente alicerçadas na soberania popular.

A elite fracassou e colaborou para que os princípios liberais fossem destruídos. Diante disso, o país precisa se libertar dos conceitos equivocados de subserviência que nos foram impostos e permitiram a ascensão do palhaço com faixa presidencial, que distribui bananas e comete diariamente crimes contra a segurança nacional.

*Jorge Folena é advogado e cientista político. Integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano.

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