Especialista defende a revogação do decreto que militarizou polícias

O tenente-coronel da reserva Adilson Paes de Souza defende a mudança do modelo de segurança pública do país, com a revogação do decreto de 1969, que militarizou as polícias. A reorganização da PM em plena ditadura contribuiu decisivamente para a atuação brutal da corporação nos dias de hoje, segundo o mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP.

“Nós estamos com um sistema de segurança pública gestado na ditadura e turbinada pelo decreto nº667, de 1969, que reorganizou as PMs de todo o Brasil seguindo o modelo do Exército”, explicou, durante o Soberania em Debate realizado no dia 3 de setembro, com o tema “É possível uma segurança pública cidadã?”. Para evitar que a violência permaneça como uma marca registrada da  PM, e, principalmente, para instituir uma força de segurança cidadã, diz Souza, o próximo presidente da República, “que queira realmente governar um país democrático”, deveria revogar o decreto 667.

“Vamos pensar em outro modelo de polícia”, propõe. “Do mesmo modo que foi revogada a Lei de Segurança Nacional, vamos tirar esse decreto-lei, que é o pilar da militarização das polícias. Se nós vivemos em um Estado Democrático de Direito, precisam ser tomadas todas as medidas possíveis e imagináveis para que a transparência prevaleça. Grupos podem ser formados, por meio de programas estabelecidos com o Ministério da Justiça, para avaliar os currículos das escolas militares e propor parâmetros mínimos de atuação. Também é fundamental a participação da sociedade.”

Souza observa que a militarização das polícias está muito bem segmentada e resistiu a toda e qualquer tentativa de controle da sociedade. “Passou pelo processo da Constituinte e permanece viva até hoje. Faz com que a interação dos policiais com a sociedade seja no confronto, no combate, na presença em território inimigo.”

Foi esse discurso, que precisa de um adversário para se justificar, que, no entendimento de Souza, favoreceu enormemente o bolsonarismo. “Como Bolsonaro é o conflito em pessoa, vive do conflito e da exacerbação, deu match nesses valores negativos. Ele passa a imagem do militar robusto, viril, pronto para o combate, uma postura que cria afinidade muito grande com os policiais.”

A principal fonte de inspiração do decreto-lei 667, observa, foi o AI-5. “Ele promoveu a reorganização das forças policiais militares e dos bombeiros militares como uma tropa de ocupação, uma espécie de novo Exército, seguindo a organização, os fundamentos, o modo de ser do Exército, porque eles precisavam, naquela época, combater os inimigos da nação, de acordo com a doutrina de segurança nacional, que eram os ditos comunistas, os ditos subversivos.”

Os mesmos alvos foram atualizados no discurso bolsonarista, a despeito do anacronismo histórico dos seus elementos. “Parece que eu estou falando de 2019/2020; a similaridade dos discursos de passados nem tão distantes assim, apenas 50 anos, é muito grande”, reconhece o especialista. Ele acredita que Bolsonaro, hoje, é um “grande líder dos policiais”.

Para o Exército dos anos 1960, a capilaridade das polícias militares, presentes na sociedade 24 horas por dia, 365 dias por ano, era fundamental para a repressão política. “O Exército não tinha tanta capilaridade, mas precisava saber o que estava acontecendo na sociedade e estar pronto para combater focos de resistência”, conta. “Para isso, tornou-se a polícia militar uma instituição militarizada, com o viés do Exército e pronta para o combate. Efetivos das polícias militares foram treinados no Brasil e fora do Brasil por agentes americanos da CIA e franceses, tanto no que se referia à doutrina de segurança quanto às ações de combate à guerrilha.”

Esses policiais, lembrou o tenente-coronel da reserva, foram treinados para ações de captura, caçada, desaparecimento e morte.E a necessidade de legitimar essas práticas levou, em 1969, à criação, no antigo Estado da Guanabara, da lei que instituiu o chamado auto de resistência, uma declaração que dá roupagem legal a uma execução sumária.

O instrumento é utilizado até hoje para encobrir mortes nas periferias. E, mais recentemente, no projeto anticrime enviado ao Congresso, o governo federal propôs o “excludente de ilicitude”, que dificulta a punição de policiais envolvidos em mortes.

Vínculo libidinal
Souza integra a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo e vem dedicando sua carreira acadêmica ao estudo da violência policial. “A psicologia das massas ajuda a explicar muito bem a ligação entre Bolsonaro e os policiais, que é um vínculo libidinal muito forte entre o superior e os comandados”, diz.

“Ele é o substituto do amor paterno. É um paizão severo, rude, mas que permite ao filho atuar igual a ele. Então, nós temos aí um grande número de membros dessa massa que se identifica com o líder Bolsonaro. Qual é a imagem que ele passa? Da pessoa que pode fazer de tudo, inclusive massacrar as instituições, para salvar o Brasil, que é a imagem do policial que executa, mata e que pode fazer de tudo para salvar a sociedade. Há uma similaridade de identidade muito grande. Isso, porém, é o mais grave para o lado da instituição.”

> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).

> Assista na íntegra ao Soberania em Debate com o especialista em Direitos Humanos, tenente-coronel da reserva Adilson Paes de Souza, entrevistado pelo advogado e cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, coordenadora do SOS Brasil Soberano.

https://www.youtube.com/watch?v=2onebX_mpEI

 

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