Francisco Teixeira: O sábado mais triste!


Francisco Teixeira*

Hoje é o sábado!

O sábado mais triste.

Será o sábado sobre o qual vamos todos um dia precisar falar. Teremos ganas de contar: onde estávamos no nosso confinamento; como foi o dia, como soubemos, qual foi a TV que transmitiu, o jornal que deu a notícia de que este foi o dia em que ultrapassamos os 10.000 mortos!

Esse foi o sábado, 9 de maio, mais triste de todos os sábados, de todos os domingos, de todos os fins de semanas, de todos os dias tristes dos tristes dias que vivemos.

10.000 mortos. Pessoas perdidas. Antes, só números, estatísticas. Mas já são tantos que agora os números viram nomes e os nomes virão presenças e presenças são conhecidos e alguns já colegas, amigos, referências pessoais. O perigo já está aqui, se aproxima, sombreia. A tristeza se mescla com a irritação, a pressão, o isolamento.

Sábado triste, o mais triste. Desprotegido – sem uma palavra: conforto ou força, vindo de fora! Lá fora, no mundo que se faz todo inexorável, com seu dia e sua noite, alheio à tristeza de humanos, há o deboche e o “daí” – interjeição e apóstrofe -, sem indagação. De longe, sopra o bafo pútreo da Morte morta e da Morte andante, viva, falante, que dispersa ao vento os esporos da Noite.

Nós todos guardaremos na memória o sábado mais triste de todos os dias mais triste de todos os dias tristes de nossa existência. Todos sobreviventes, a alegria e o dever de lembrar: o sábado dos 10.000 . O sábado dos 10.000 mortos!

Sabemos , sem ilusões: teremos mais mortos, mais sábados, mais dias, mais confinamento, mais tristeza!

Mais 10.000?

Isso não sabemos… Só rogamos: por Deus, não!

Que a Morte que caminha, falante, asquerosa, que sopra o bafo pútreo, seja detida!

Detenham o Abutre, a Hiena, a Serpente na sua fome antropófoga, devoradora da nossa gente! Guardem, como armas na memória, o dia de hoje, mesmo que haja amanhãs piores, o sábado mais triste dos dias tristes: o sábado dos 10.000 mortos!

O sábado do churrasco, o sábado do Abutre, da Hiena e da Serpente, o sábado dos 10.000 mortos!

* Francisco Teixeira é historiador, professor na UFRJ e UFJF, coordenador do SOS Brasil Soberano. Prêmio Jabuti (2014)

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