Artigo: Afinal de contas, o que é fascismo?

Os pilares da sociedade (1926), George Grosz

Vários historiadores liberais e marxistas que se debruçaram sobre o fenômeno do fascismo concluíram que ele foi um movimento político preso ao seu tempo e que, por isso, nunca mais aconteceria na história. Ou seja, que o fascismo aconteceu em função de uma série de circunstâncias históricas muito particulares – o Tratado de Versalhes, a crise econômica de 1923, a crise econômica de 1929 e as condições sociais do entreguerras –, e que, portanto, a humanidade estaria livre dele. Porém, com a crise econômica de 2008, essa visão historicista do fascismo se revelou um equívoco monumental. Foi aí que o mundo então percebeu, com toda a clareza possível, que o fascismo não havia morrido com o Terceiro Reich; ele apenas retrocedeu ao seu estágio larval. E como um fenômeno inerente às sociedades liberais, estruturalmente estratificadas, basta que os anteparos sociais mostrem esgarçamento para ele florescer.

Entende-se por fascismo o conjunto de movimentos políticos que pavimentaram a chegada da extrema-direita ao poder na Europa durante a década de 1920. Dessa forma, o fascismo alemão é chamado de Nazismo, o fascismo português é chamado de Salazarismo, o fascismo espanhol é chamado de Franquismo e o fascismo italiano é chamado de Fascismo, afinal, foi na Itália que ele teve a sua origem etimológica e foi lá que ele se materializou pela primeira vez como regime político.

Estudiosos do assunto sempre colocaram que o fascismo não teria uma ideologia, por ser um fenômeno irracional, contraditório e antitético. Essa visão é produzida, quando a análise se dá sob a perspectiva do liberalismo ou do marxismo, uma vez que essas duas correntes de pensamento buscam explicar a sociedade através da racionalidade. Não há qualquer racionalidade em acreditar que os judeus de Wall Street, o epicentro do capitalismo, aliaram-se aos judeus comunistas da União Soviética para dominar a Alemanha por meio de uma grande conspiração judaica, como escreveu Hitler em Mein Kampf. O fascismo é mais do que uma ideologia, o fascismo é mais do que uma política. Ele é uma metapolítica. Uma forma de transcendência.

O fascismo propõe ao indivíduo uma alteração do seu estado de espírito, uma transcendência que não é material, porque o fascismo claramente não é um movimento revolucionário na sua natureza. Não é revolucionário, porque ele não se propõe transformar a vida material do indivíduo. Não é revolucionário, porque ele não altera as condições de classe, porque ele não supera as divisões ou as lutas de classes. Ele propõe uma transcendência metafísica, ele propõe mudar mentalmente o indivíduo a partir de um traço de superioridade. Não é o antissemitismo em si que define o fascismo. Acreditar nisso é um erro fundamental.
Historicamente, foi o antissemitismo, e pode continuar sendo o antissemitismo, mas acima de tudo é a ausência de alteridade, produto de uma educação profundamente conservadora e autoritária.

O indivíduo fascistizado passa a se sentir superior ou porque ele é ariano, ou porque ele é branco, ou porque ele é heterossexual, ou porque ele é sulista, ou porque ele tem um credo que redimirá a humanidade, ou porque ele se vê com alguma característica que o torna superior ao outro – aquilo que se chama de supremacismo. O pensamento fascista é um pensamento que não permite o diálogo, que não permite questionamentos, que é definitivo. O fascista manifesta a sua contrariedade por meio das mais variadas formas de violência e do moralismo unilateral. Ele age com violência, quando se vê diante de uma perda imaginária, diante da ocupação pelo outro de um território que ele acreditava ser uma exclusividade sua.

É esse sentimento de perda imaginária que explica a violência verborrágica da jornalista que disse que o mundo está de ponta-cabeça porque o porteiro do seu prédio viajou de avião. Para ela, aeroportos e aviões são territórios exclusivamente seus e de seus pares. É esse sentimento de perda imaginária que fez com que um estudante da PUC-SP postasse nas redes sociais a foto de um estudante negro nas dependências daquela universidade perguntando se algum de seus amigos havia perdido um escravo no campus. O sintoma do fascismo está explícito no gesto da aluna do curso de Direito da PUC-RJ contra um aluno negro da Universidade Católica de Petrópolis. Está explícito no gesto de um grupo de alunos da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ contra os alunos cotistas da UERJ.

Com exatos 100 anos de existência, o fascismo preserva muitos traços originais. Principalmente quando se olha com atenção para os gestos de seus expoentes políticos. Para chegar ao poder, num primeiro momento, o líder fascista dá um polimento de liberalismo econômico à sua imagem. Ele seduz os liberais nomeando-os para postos chaves da economia. Com o processo de concentração de poder, ele se afasta dos liberais e passa a persegui-los. Foi assim que agiu Benito Mussolini com Alberto De Stefani. Foi assim que agiu Adolf Hitler com Franz von Papen, que por pouco não foi morto no expurgo conhecido como “Noite das Facas Longas”.

Referências
. SILVA, FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA. 70 ANOS DEPOIS: O HOLOCAUSTO E A SUA ATUALIDADE NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS. ESBOÇOS (UFSC), v. 21, p. 41-64, 2015.
. TEIXEIRA DA SILVA, F. C.; Schurster, Karl . A historiografia dos traumas coletivos e o Holocausto: desafios para o ensino da história do tempo presente. Estudos Ibero-Americanos (PUCRS. Impresso), v. 42, p. 05-32, 2016.S
. SILVA, FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA. Observatório do Fascismo (2017).

Você pode gostar...