Antiterrorismo pode substituir Lava Jato na captura da soberania

Da esq p/dir: Leandro Demori e Carol Proner (em cima); José Maria Rangel e Jorge Folena.


O prazo da força-tarefa vence em 10 de setembro, sob muitas acusações de ilegalidades. Mas negociações de Moro com o FBI apontam uma nova estratégia para sujeitar o Brasil à jurisdição norte-americana.

O prazo para a Procuradoria-Geral da República renovar a Lava Jato se encerra no dia 10 de setembro, e tudo indica que a operação construída como principal dispositivo para impulsionar a rejeição ao PT e impedir a eleição de Lula, condenando-o sem provas, está a ponto de ser desmantelada. Mas as manobras do ex-juiz Sérgio Moro para estender a influência dos EUA sobre os destinos do Brasil continuam, alertou a jurista Carol Proner, representante do Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD), durante o programa Soberania em Debate do último dia 31 de julho, realizado pelo SOS Brasil Soberano, um movimento patrocinado pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). ”É mais do que urgente” a elaboração de uma lei que preserve a soberania nacional no combate à corrupção, impedindo a sujeição nacional à jurisdição norte-americana, afirma a advogada, que participou no debate ao lado de Leandro Demori, editor executivo de The Intercept Brasil, do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) e do ex-coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), José Maria Rangel. A mediação foi do advogado e cientista político Jorge Folena.

“O que tem por trás da Lava Jato é uma arquitetura de legislação que está ameaçando o nosso país”, diz Carol. Ela defende, por isso, a criação, no Congresso, de um sistema de leis que resguarde o Brasil da chamada “extraterritorialidade”, de caráter sancionatório e impositivo, dos EUA sobre a nossa legislação. A extraterritorialidade é a possibilidade de a aplicação da lei de um país extrapolar o seu território para valer em outro, e a principal via norte-americana de captura das decisões de outros países.
“Estamos olhando para o lugar errado: nunca estivemos tão vulneráveis em termos de legislação internacional, e mais ainda depois dos 18 meses desde que Moro esteve como ministro da Justiça”, advertiu a advogada. Desde 17 de janeiro, de acordo com levantamento da Agência Pública com base no site do Ministério da Justiça, os primeiros compromissos na agenda do novo ministro foram receber autoridades dos EUA para, segundo Carol, “aprofundar a cooperação jurídica com o Brasil nas áreas de combate a crimes transnacionais, em especial o combate à corrupção”.

De fato, durante seu período no governo, de janeiro a março de 2019, Moro preparou o pacote anticrime, que tentou institucionalizar os modos da Lava Jato. Em particular o capítulo dedicado à orcrim (organização criminosa) promovia uma alteração “bastante significativa”, segundo Carol, para atribuir poderes ao MP e à Polícia Federal, com equipes internacionais conjuntas de investigação, sem necessidade de grande formalidade. Basicamente, legalizava o que fizeram os membros do MP na Lava Jato, violando tratado internacional que estabelecia a competência da intermediação entre essas instâncias ao Ministério da Justiça, ocupado então por José Eduardo Cardozo, no governo Dilma Rousseff. “O que aconteceu foi uma colaboração absolutamente ilegal entre os membros MPF de Curitiba e os agentes de agências públicas e privadas, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) daquele país (EUA)”, explica a jurista.

O terrorismo como pretexto
A apuração da Agência Pública mostra, por exemplo, que David Bressanini, chefe do FBI no Brasil, vinha se reunindo com servidores e agentes internos do Ministério da Justiça, desde a posse de Moro na pasta, trabalhando com estatísticas, questões relacionadas à segurança pública, operações de fronteira. Logo em março, Moro também viajou a Washington, nos EUA, onde visitou o diretor do FBI. “O sonho deles aconteceu em dezembro do ano passado, com a criação do Centro Integrado de Operações Financeiras, na região da Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina), tentando fazer com que o Brasil se enquadre naquele grupo de países que combatem terrorismo internacional”, critica Carol.

Segundo ela, tentam abrir um flanco, uma vulnerabilidade: se o Brasil reconhecer algum caso interno de terrorismo, poderá ser submetido de muitas formas, em termos da legislação internacional, às regras da extraterritorialidade, a partir desses crimes. “Basta olharmos o que está acontecendo na Venezuela e vamos entender exatamente aonde isso pode chegar”, avisa Carol. “Abre a possibilidade de investigação à revelia, sem nenhum controle legal, sem nenhum contraditório, violando todo tipo de regra, sem presunção de inocência, sem qualquer garantia mínima de direito penal.”

Outros países já reagem a essa manobra. A integrante da ABJD aponta iniciativa do deputado francês Pierre Lelouch, do partido União por um Movimento Popular (UMP), de centro-direita, que preparou um extenso relatório sobre a teia jurídica dos EUA. O documento foi encaminhado à Assembleia Nacional francesa, onde estudam uma lei que permita combater a corrupção de forma eficaz mas sem submeter a jurisdição francesa à norte-americana. “O painel da legislação norte-americana, construída pela extraterritorialidade nestes temas de combate à corrupção, é extremamente complexo, com intenções imprecisas, que utilizam o direito como forma de imperium econômico e político para obter vantagens econômicas estratégicas daquele país sobre outros”, escreveu o deputado, citado pela advogada.

“É mais do que urgente que o Brasil comece a elaborar algo assim”, afirma Carol. “Inclusive para evitar que os processos sejam julgados lá, para que se guarde um julgamento rigoroso, na nossa jurisdição; para que os acordos de leniência, e outros que possam ser gerados em algum tipo de colaboração, não sejam enviados para fora, negociados à revelia das autoridades brasileiras ou por meio de autoridades que estão cometendo ilegalidades e crimes contra o Brasil.”

No caso brasileiro, que não cedeu, ainda, ao pretexto do terrorismo, a vulnerabilidade que pavimentou o caminho da Lava Jato, diz Carol, foi o desrespeito às leis na própria conduta do Ministério Público Federal. “Aqui nós tivemos agentes do MP que atuaram achando que nada lhes ia acontecer. E que resolveram corromper funcionalmente. Queriam estar nos outdoors, ser heróis nacionais.”

Dossiês 
A decisão do STF de excluir a delação do ex-ministro Antonio Palocci do processo contra Lula, na terça (4), explicitou o papel interessado de Moro nas eleições presidenciais. O reconhecimento da parcialidade do então juiz acontece em um momento em que a força-tarefa sofre as pressões do Procurador-Geral da República, Rodrigo Aras, para explicar a espantosa lista de 39 mil pessoas sob investigação, de acordo com as contas da PGR, ou entre 18 mil e 19 mil, segundo fontes ligadas aos próprios integrantes do MP em Curitiba.

“Parece-me que a Lava-Jato vai ser modificada, esvaziada talvez seja a palavra-chave, ou fatiada; fato é que do jeito que está não pode ficar”, avalia Leandro Demori, editor executivo de The Intercept Brasil. O jornalista observa que, embora tenha ganho poder de investigação, o Ministério Público precisaria seguir as regras dos inquéritos policiais. Ou seja, quando, a partir de um indício, um delegado conclui que há elementos suficientes para iniciar um inquérito, ele oferece a denúncia ao Ministério Público. “A questão é que não temos acesso à razão por que as pessoas foram investigadas.”

O deputado Paulo Teixeira destaca outra irregularidade: a presença dos nomes dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, que têm prerrogativa de foro, entre os milhares investigados. “Nenhum juiz de primeiro grau pode investigar um parlamentar”, explica. Segundo ele, é longa a lista de ilegalidades na Lava Jato: vazamentos ilegais em consórcio com a imprensa, escuta clandestina e não autorizada, interceptação telefônica ilegal, interceptação de fundos – R$ 3 milhões destinados pelo procurador Deltan Dallagnol para pagar palestras –, e relações ilegais com países estrangeiros – em especial com o FBI e o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) –, sem a mediação do Ministério da Justiça.

O Congresso Nacional está debatendo a instalação de uma CPI, já com 179 assinaturas, para apurar os danos da Lava Jato ao patrimônio público brasileiro, em particular à Petrobras. A PGR instalou um procedimento investigativo e denunciou os procuradores ao TCU. Em tese, as corregedorias já deveriam ter agido contra os abusos, mas Demori lembra que, após os vazamentos pelo The Intercept Brasil das conversas entre os procuradores e o ex-juiz combinando estratégias, inclusive de mídia, não houve nenhuma punição. Ele destaca o episódio do promotor Diogo Castor de Mattos, que comprou um outdoor para fazer propaganda da Lava Jato e utilizou um atestado médico para driblar o Conselho Nacional do Ministério Público. Até que, em abril, prescreveu o prazo para que pudesse ser punido pelo CNMP ou pela corregedoria e, em maio, ele confessou a contratação do cartaz.

A Lava Jato fugiu do controle, afirma o jornalista. Superestimada, transformou-se de estrutura provisória em poder paralelo: “Não é um órgão de Estado, não é permanente. O que vai acontecer com o Brasil se acabar a Lava Jato? Não vai acontecer nada, porque quem combate o crime é a Polícia Civil, a Polícia Federal. A Lava Jato é uma grife, uma marca, criada para fazer investigação. E agora estamos vendo o tamanho que ela tem, e queremos saber o que tem lá dentro: os motivos desses 19 mil PICs que foram abertos ou mil, ou 2 mil, quantos estão abertos que a gente não sabe, que informações foram coletadas das pessoas, como foram utilizadas…”

Para o editor, pela sua dimensão, não se descarta que a operação possa ter virado uma fábrica de dossiês. ”Não estou dizendo que é isso, mas a depender de quem está manuseando esses arquivos, tem gente ali que sabe muita coisa sobre todo mundo.. e isso pode ser usado politicamente”. Nesse sentido, ressaltou que Sergio Moro é potencial candidato a presidente em 2022, e que Dallagnol já demonstrou aspirações políticas nos diários gravados no Instagram, em mensagens que ele trocava consigo mesmo.

Nesse sentido, o jornalista é contra a criação de uma entidade para centralizar os dados das investigações, como proposto pela PGR, mas, se for inevitável,  considera crucial haver bases criteriosas e sistemas muito qualificados para acesso a essas informações, de modo a reduzir a vulnerabilidade do modelo ao aparelhamento político-eleitoral. Por exemplo, como no padrão da Receita Federal, que tem preservado com razoável eficácia os dados financeiros e bancários das pessoas. “Para não acontecer como na Lava Jato, que passou anos vazando informações para a imprensa, sobre algumas pessoas. Nunca houve uma punição sobre vazamento, o que é ilegal, proibido a funcionários públicos.”

Danos ao país
A Operação Lava Jato gerou uma legião de mais de 3 milhões de desempregados em toda a cadeia de óleo e gás do país, afirmou o dirigente petroleiro, ex-coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), José Maria Rangel. Segundo ele, a Lava Jato desmontou totalmente um setor econômico que havia sido bem estruturado com a Lei da Partilha, idealizada para transformar as riquezas do país em benefícios para a população, destinando recursos para saúde, educação. “Tinha política de conteúdo local, incentivava a engenharia, geração de renda, e garantia a soberania do país mantendo a Petrobras com 30% de todos os blocos do pré-sal e como operadora. O Brasil ia produzir petróleo na velocidade dos interesses da nação, e não do países estrangeiros. Agora, vemos escorrer tudo pelos dedos, porque a Lei da Partilha foi desmontada, e os leilões estão entregando petróleo a preço de banana.”

Rangel chama a atenção, ainda, para a inconsistência dos argumentos usados pelos procuradores. “A Lava Jato apurou denúncias de corrupção na Petrobras relativas ao período de 2004 a 2014, quando, de acordo com a força-tarefa, teriam sido desviados R$ 6 bilhões, o que, segundo a Lava Jato, explicaria todas as dificuldades da empresa, resultados negativos que acho que foram fabricados. Sabe quanto a empresa faturou no mesmo período? R$ 3 trilhões. Ou seja, quem cometeu um desvio tem que apurar e pagar por seu crime, mas 0,05% não quebra uma empresa do porte da Petrobras. Nos chamaram de idiotas dizendo que a corrupção era o grande mal da Petrobras.”

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> O Soberania em Debate faz parte da agenda do Movimento SOS Brasil Soberano, que é uma realização do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). Por meio de eventos, debates e produção de conteúdos temáticos, a iniciativa tem o objetivo de recolher subsídios para colaborar na construção de um projeto de desenvolvimento nacional com empregos, soberania e justiça social.

 

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