Sob o sol de Copacabana, a caridade plena


A cena do pai que perdeu o filho para a Covid-19, levantando as cruzes da homenagem aos mortos da pandemia derrubadas por bolsonarista fascista, comoveu Cristina Couto, musicista e coordenadora da Pastoral da Fé & Cidadania do Santuário das Almas, em Niterói. Neste texto, ela explica o sentido profundo da palavra caridade.

Cristina Couto*

Vi e revi o vídeo da triste cena da manifestação de ódio fascista na praia de Copacabana.

Tem dias que estou em frangalhos emocionalmente… outros, tô nem aí e chutando pra longe tudo que me faz lembrar o que estamos vivendo no país.

Penso assim: não tenho culpa, não votei no projeto de morte. Quem pariu o diabo que o embale.

Mas não dá. Ontem fiquei sabendo, por um amigo, que seu filho perdera 3 pessoas da família da esposa. Fiquei mais ainda assustada com tudo.

Por que comecei escrevendo sobre a cena de Copacabana?

Porque a cena me chocou muito mais do que imaginava que fosse me chocar. Tocou fundo nas minhas perdas e nas de mais 50 mil famílias que choram seus pais/mães, irmãos/irmãs, amigos… enfim, todos que perderam a guerra para o coronavírus.

O ódio manifesto nos eleitores do presidente eleito, por muitos anos, ficará em nossos corações e mentes.

Quero acreditar que alguém que votou nele tem algum resquício de caridade.

Caridade é um termo que nós, católicos, “pegamos” do Judaísmo (aqui agradeço a Beto Mayer e Maristela Tezza) e que em hebraico é Tzedaka, e tem origem na palavra tzedek (justiça), sendo uma tradução mais precisa — justiça social.

No hebraico caridade é muito mais amplo do que entendemos nós.

Está ligada à justiça social, estender a mão a quem precisa de ajuda, com compaixão e fraternura… Consolar quem precisa de consolo…

Compreender e se colocar no lugar do outro e sentir sua dor.

No momento que um pai vem a público e coloca dezenas de cruzes nas areias da praia de Copacabana, ele não está chorando só a morte de seu filho de 25 anos, saudável, mas a morte de todos que perderam a vida para o coronavírus.

Esse pai pratica a tzedaka, a caridade plena.

E o que faz o ódio do nazifascista? Derruba as cruzes, sob aplausos e incentivos de outros que comungam do mesmo ódio e falta de compaixão.

Se esse odioso homem achou que humilhou um homem simples, se enganou muito. Este pai foi exaltado, ao olhos de quem pratica a caridade e a justiça. Foi capaz de fazer memória a mais de 50 mil vidas perdidas.

Gostaria de encontrá-lo um dia, e dar-lhe um abraço bem apertado e carinhoso, e chorar com ele.

Humilhado é quem pratica atos desumanos.

* Cristina Couto é musicista e coordenadora da Pastoral da Fé & Cidadania do Santuário das Almas, em Niterói (RJ)

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