Doações para universidades: perigo à vista

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Jorge Folena *

Foi sancionada por Michel Temer a Lei 13.490, de 10 de outubro de 2017, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para autorizar a efetivação de doações para as universidades brasileiras, sendo que as verbas ou patrimônio revertido serão destinados às unidades a serem beneficiadas, por meio de projetos específicos de interesse dos doadores.

No encerramento da Conferência Nacional dos Advogados, realizada em 2015 na cidade do Rio de Janeiro, o juiz do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, como se fosse um propagandista de laboratório farmacêutico, utilizou a maior parte de sua conferência para propagar a ideia de que as universidades públicas brasileiras necessitavam da ajuda de grandes doadores privados para se tornarem centros de excelência científica, a exemplo das maiores universidades norte-americanas.

Quando ouvi este discurso, pensei: o professor de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) está propondo, de forma nada sutil, o fim das universidades públicas (com acesso universal e gratuito, como previsto na Constituição) e sua substituição por centros de ensino de excelência, destinados apenas aos “melhores” cérebros do país, que passariam a ser financiados por doadores privados, como grandes empresas de informática, laboratórios e fundações estrangeiras. Dentre estas, algumas sob suspeição de interferirem diretamente na autodeterminação de países em desenvolvimento, sendo outras patrocinadas pelos ricaços que se reúnem anualmente, no mês de janeiro, em Davos, como Bill Gates, George Soros, os irmãos Koch, Bill Clinton, Bono Vox e companhia.

Com efeito, não dá para ser ingênuo e ignorar que, por detrás de um aparente programa de doações para universidades públicas, estarão escondidas algumas armadilhas, como a privatização e a limitação do ensino público para uma casta a ser escolhida pelos doadores, apta a receber o que for de melhor, em detrimento dos demais estudantes e professores dos cursos que não lhes interessam, como enfermagem, psicologia, filosofia, ciências sociais, história etc.

Não dá para acreditar – nem o professor Barroso poderá pensar diferente – que os doadores (definidos por Zizek nessas hipóteses como “liberais comunistas”) estarão fazendo bondade para o Estado (do qual se dizem inimigos) ou para os pobres do mundo. Estarão, sim, investindo dinheiro em troca de benefícios fiscais para a projeção de seus negócios e fins privados.

Além disso, suas doações serão destinadas ao desenvolvimento de projetos de pesquisa de seus respectivos interesses, a fomentar, inclusive, a formação de mão de obra e mentes receptivas aos seus negócios e propósitos.

A permissão de doações de entidades privadas para as universidades públicas ampliará a desigualdade entre os cursos e criará um clima de confronto dentro da instituição, na medida em que uns terão mais dinheiro e vantagens do que outros; o que se constitui numa flagrante violação ao princípio republicano, que tem como fundamento a igualdade e a transparência.

Doravante, nas universidades públicas os cursos de menor apelo para as indústrias e o mercado ficarão relegados à própria sorte; enquanto outros serão adotados pelos ricos, a exemplo do que já está ocorrendo na própria Universidade do Estado do Rio de Janeiro – da qual o professor Barroso é titular de Direito Constitucional – , cuja Faculdade de Direito passaria a ocupar as instalações luxuosas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e com a possibilidade de os cursos de química têxtil e desenho industrial serem acolhidos por empresas desses segmentos. Isto, sem dúvida, quebra a unidade universitária e implanta o egoísmo no meio acadêmico, em que cada unidade deve resolver sozinha os seus problemas, e não mais a universidade como um todo, dentro da sua autonomia universitária.

Destruir a UERJ – como está sendo feito pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro – faz parte deste projeto, e constitui uma ponta de lança para se acabar com a universidade pública no Brasil; e, infelizmente, parte de proposta defendida em 2015 pelo professor Luís Roberto Barroso, ora materializada na Lei 13.490, uma das cabeças de ponte.

Esta lei não é compatível com o princípio republicano (como já foi dito) e representa exclusivamente o interesse dos que almejam o propalado Estado mínimo, cujo real significado é a eliminação da face da terra de qualquer forma de solidariedade. Mas é o que propõem os ultraliberais que tomaram de assalto o governo do Brasil, que agem sem esconder de ninguém que seu projeto é eliminar a educação, a saúde, a previdência, a assistência social e toda e qualquer forma de proteção pública dos cidadãos, aos quais serão impostos sacrifícios cada vez maiores, além de horas e mais horas de trabalho, com baixa remuneração e sem qualquer garantia de direitos sociais, como já foi aprovado na reforma trabalhista.

*Advogado e cientista político

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