Pochmann: o Brasil termina 2021 pior do que começou

                         Manifestação de protesto em São Paulo – Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas

A retomada econômica não aconteceu e o país ainda enfrenta inflação, que agora avança impulsionada por preços de combustíveis e de energia


O Brasil termina 2021 pior do que começou, frustrando uma certa expectativa oficial de que este seria o ano da arrancada de recuperação, afirma o economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto Lula. Segundo ele, 2022 não deve ser muito melhor, com uma inflação que avança, impulsionada por preços de insumos chaves como combustível e energia, que obedecem a interesses que têm priorizado o mercado e não a sociedade. A precarização do trabalho, contudo, na opinião do especialista, aprofunda-se tanto que poderá provocar uma onda de revalorização dos sindicatos e da organização popular, cujo desafio, por sua vez, será conseguir dar conta de representar trabalhadores de setores difusos de serviço, na sua maioria sem vínculos formais.

Pochmann observa, por exemplo, que, no final de 2020 a inflação era inferior a 4% no acumulado de 12 meses, e, agora, já se aproxima de 11% no mesmo período. “Houve um acréscimo significativo na pressão inflacionária que já estava se manifestando em 2020, especialmente na cesta básica dos trabalhadores, que vinha subindo em torno de 20% no acumulado em 2020. A partir deste ano, essa inflação foi se generalizando, de tal forma que cerca de 90% dos preços coletados pelo IBGE vêm girando a uma taxa muito parecida à da inflação mensal, o que aponta, inclusive, para o risco de retomada da indexação.”

Esse movimento é particularmente grave, adverte Pochmann, devido ao passado brasileiro de inflação elevada e, sobretudo, pelo fato de os preços não estarem subindo por conta do aumento do consumo e de uma demanda superior à capacidade de ofertar produtos e serviços. “Pelo contrário”, diz ele. “A economia está com capacidade ociosa. A inflação, na verdade, foi estimulada justamente pelas decisões do próprio governo em relação aos chamados macropreços, como é o caso do preço dos combustíveis.”

A política conduzida pela Petrobras, de alinhamento aos preços internacionais dos combustíveis, começou no governo Temer e se acentuou com Bolsonaro. Repassar para os consumidores a variação do preço do barril de petróleo, junto com a desvalorização da moeda em relação ao dólar, segundo Pochmann (foto), faz com que o aumento se irradie para os demais preços, como reflexo da matriz rodoviária de transporte, muito dependente do combustível.

Outro insumo crítico é a energia elétrica, cuja tarifa, da forma como tem sido conduzida, também impacta os preços gerais, destaca o economista, citando, ainda, o próprio aumento da taxa de juros pelo Banco Central. “Tudo isso vai construindo um cenário de elevação do custo de vida, que a população sente que vai corroendo o seu poder aquisitivo, especialmente dos mais pobres que não têm como proteger a sua renda.”

Apagão de dados e importações
Além da inflação, Pochmann avalia que o parco fôlego inicial registrado pela economia no primeiro semestre, recuperando terreno perdido no ano anterior, foi estancado, e o IBGE já identificou uma recessão técnica – quando o PIB trimestral cai por dois trimestres seguidos. Ou seja, ainda que a economia apresente uma variação positiva em 2021, na faixa de 3% a 4%, esse desempenho se deve basicamente ao patamar rebaixado da comparação com o ano anterior, e significará que o país apenas voltou ao cenário de 2020.

O próprio desemprego praticamente se encontra no mesmo nível, diz o economista, criticando, ainda, as tentativas do governo de influenciar os dados, mudando a metodologia de acompanhamento do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Outro risco iminente de apagão de dados, segundo Pochmann, seria a possibilidade de o governo unificar o IBGE e o IPEA. “O que coloca em risco a credibilidade das pesquisas e das análises feitas no Brasil e que são importantes, inclusive, para alimentar a discussão sobre a realidade nacional.”

No balanço do ano, o economista destaca, ainda, a relação do Brasil com o mercado internacional. “Ficou muito claro que o Brasil depende muito de importações, especialmente de produtos de saúde: máscaras, equipamentos de respiração mecânica e insumos de maneira geral. Cerca de 95% dos insumos na saúde brasileira são importados. E não foi tomada nenhuma medida, um programa, que criasse uma alternativa para substituir essa dependência de importações. Outros países, como os Estados Unidos ou nações da União Europeia têm tomado medidas muito importantes para defender o seu mercado interno, para estimular a produção nacional e depender menos das chamadas cadeias globais de valor.”

As dificuldades com importações não aconteceram apenas na área de saúde. “A indústria automobilística brasileira se ressente da escassez de microprocessadores”, diz o presidente do Instituto Lula. Para piorar o quadro, ele destaca a decisão do governo federal de fechar o Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal localizada no Rio Grande do Sul e única fábrica de semicondutores do Hemisfério Sul.

“Então, infelizmente, as notícias não são boas para falarmos de 2021. E, em 2022, possivelmente, do ponto de vista econômico, nós não teremos muito o que comemorar, na medida em que a economia está desacelerando no Brasil e com inflação alta”, diz. “Isso aponta justamente para um ano 2022 bastante complicado, especialmente para a população mais pobre, que não tem muito para onde fugir, uma vez que a única oferta do governo tem sido na verdade destruir programas sociais e criar outro, com a ideia de que transferindo renda tão somente seja suficiente para superar os problemas brasileiros. É claro que a transferência de renda é muito importante, mas, de forma isolada e desarticulada, é praticamente um pingo, uma gota d’água, nas dificuldades muito maiores que nós temos no Brasil.”

Precarização e guerra civil
Por outro lado, a precarização do trabalho, na avaliação de Pochmann, deverá exigir um novo tipo de ação sindical. “Entender que não se trata mais de relações de emprego verticalizadas, mas horizontalizadas”, afirma. Ele cita, nesse sentido, estudo escrito por Robert Reich, ex-ministro do Trabalho de Bill Clinton, ex-presidente dos EUA, sobre a possibilidade de um salto no processo de sindicalização no território estadunidense, depois de muito tempo de esvaziamento da ação sindical.

“Estamos falando agora de um sindicalismo na era de serviço”, diz o economista. “As condições de exploração do trabalho hoje têm sido muito intensas e me parece que há uma certa demanda por um um novo modelo de organização de sindicato.” Para Pochmann, é importante resgatar pessoas que estão isoladas, desprovidas de pertencimento devido à fragilidade dos vínculos profissionais.

Em 2019, ele lembra que havia cerca de quatro quintos dos ocupados em atividades diárias de serviços, ou seja, aquelas que não são industriais, da construção civil nem da agropecuária. São relacionadas principalmente ao trabalho doméstico, à segurança privada e a entregadores. Funções vinculadas à renda das famílias, que também incluem passeador de cachorro, limpador de piscina, manicure, pedicure, entre outros.

Dado preocupante, o Brasil conta com muitos milionários, na lista dos mais ricos, vinculados a empresas de segurança. “Ou seja, o Brasil vive uma espécie de guerra civil”, diz Pochmann, lembrando que são cerca de 50 mil pessoas anualmente assassinadas, sem contar as subnotificações. “Mesmo esses dados indicam que o Brasil hoje responde por cento de 13% a 14% do total de assassinatos do mundo, com uma população que é 2,8% da população mundial.”

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com o presidente do Instituto Lula, Márcio Pochmann, entrevistado pela jornalista Beth Costa e o cientista política Jorge Folena, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano

 

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