Petrobras: Gabrielli defende construção de refinaria

A Petrobras precisa redefinir sua política de preços e, paralelamente, construir uma nova refinaria, para não depender dos importadores de derivados, se quiser evitar, no futuro, uma grave crise de abastecimento de combustível, alerta o economista José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal. Segundo ele, esse é um dos muitos desafios da nova direção, que vai elaborar o Plano Estratégico para o período de 2023 – 2028, instrumento chave para resgatar a potência estratégica da empresa para o desenvolvimento e a soberania.

“O primeiro ponto para pensar o futuro de médio e longo prazo do país é a discussão sobre o refino, a dimensão que o refino vai ter no plano estratégico”, afirma Gabrielli. Na sua avaliação, a Petrobras deve considerar a construção de uma nova refinaria no Brasil, com capacidade na faixa dos 500 mil barris por dia.

“Além do aumento do parque atual, de no máximo 300 mil a 400 mil barris por dia, o Brasil vai crescer e a demanda também. Se não começarmos a construir já uma refinaria – o que leva até seis anos –, daqui a seis, sete anos, teremos problemas gravíssimos de fornecimento de combustível”, alerta. “Se não fizer essa mudança, o país vai ficar dependendo das importações e das flutuações de preços internacionais dos suprimentos para o mercado brasileiro. Essa redefinição é fundamental para a estratégia da Petrobras e do abastecimento no Brasil.”

Segundo o economista, o planejamento estratégico atual, com horizonte de ações até 2027, “é o plano de uma empresa tímida, basicamente exportadora de petróleo cru, que não tem expansão significativa no refino nem atuação em outras áreas, nem na produção do petróleo.” A diretriz exportadora reflete o desmonte do modelo integrado de energia, anterior aos governos Temer e Bolsonaro, e a apropriação da estratégia corporativa pelo interesse de curto prazo dos acionistas.

Com o golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, “o Brasil virou um exportador de petróleo cru”, lamenta Gabrielli. Ele estima que foram quase 1 milhão de barris/dia de petróleo cru exportados em 2021 e 2022, ao mesmo tempo em que o país importava 300 mil a 400 mil barris/dia de produtos derivados (gasolina, diesel, querosene de aviação-QAV, etc.).

Ou seja, o Brasil atualmente produz mais petróleo do que precisa, mas perdeu sua capacidade de refinar e obter os derivados necessários ao mercado brasileiro, com as refinarias operando no limite, entre 87% e 90%. “As refinarias estão no limite da capacidade para diesel, quase no limite para gasolina, quase no limite para querosene de aviação, praticamente no limite para gás liquefeito de petróleo (GLP). Temos um limite de capacidade de produção de derivados, que obriga o Brasil a importar gasolina, diesel, QAV, GLP. Em proporções diferentes – 30% do diesel, 20% da gasolina, 30% do GLP – são importados.”

Para superar esse gargalo, o Brasil teria duas opções: ampliar a capacidade de refino, como fizeram os governos de Lula e Dilma, processar e transformar o petróleo em derivados de qualidade para atender o mercado interno; ou, como na gestão Temer e Bolsonaro, aumentar a operação das importadoras de derivados.

Atualmente, há cerca de 400 importadoras de derivados no país, calcula Gabrielli. “Para elas, evidentemente, o preço brasileiro tem que ser compatível com o internacional, porque, se não, elas não vão importar os produtos. Isso faz com que a Petrobras, ao adotar o PPI (Preço de Paridade de Importação), esteja aplicando a política de preços que favorece a importação, em vez da [política] que pode expandir sua presença no mercado brasileiro.” Para vencer essa equação, o ex-presidente da estatal defende o investimento em uma nova planta de refino próprio.

Retomada da exploração
A Assembleia Geral dos Acionistas, marcada para 27 de abril, vai definir o novo Conselho de Administração, que espera-se seja mais alinhado ao novo governo. Além do dilema relacionado à política de paridade com os preços internacionais, modelo que tem provocado aumento nos preços de forma generalizada na economia, a direção da Petrobras tem muitos outros temas urgentes e relevantes na pauta, inclusive a retomada da atividade de exploração e todos os muitos aspectos relacionados à transição energética.

“Se olharmos para o petróleo brasileiro depois de 2027 e 2028, mais a longo prazo, vamos ver que a tendência a acelerar o declínio da produção dos campos atuais é real”, explica Gabrielli.”Portanto, é necessário que a empresa comece a ampliar a atividade de exploração, para encontrar novas áreas produtoras no Brasil. A exploração da Petrobras está concentrada na margem equatorial, a fronteira Norte, do Amapá ao Ceará. A expansão nessa área, que inclui a foz do Amazonas, é extremamente sensível do ponto de vista ambiental, e a empresa vai encontrar dificuldades regulatórias do ponto de vista ambiental. Mas existem outras áreas exploratórias que estão sendo desconsideradas, como a margem Leste, a Bacia de Sergipe e Alagoas.”

Embora Gabrielli acredite que o petróleo vá dominar ainda pelos próximos 40, 50 anos, ressalta a importância da transição energética. “Qual é o papel e a proporção atribuída às fontes renováveis pelo portfólio de investimentos da Petrobras? Olhando para o futuro, a empresa vai precisar definir o tamanho das áreas de energia eólica offshore, solar, da produção de biocombustível, do biorrefino.”

Essas decisões envolvem ainda uma questão essencial: “se a Petrobras vai continuar pagando dividendos no volume extraordinário e pornográfico, em comparação a todas as empresas de petróleo e todas as empresa do mundo, ou se você vai usar essa alta lucratividade do petróleo brasileiro para investir nessas áreas e em mais algumas em que deve se posicionar.”

O golpe dos minoritários
Gabrielli critica a priorização dos ganhos dos acionistas, em detrimento da capacidade de investimento da empresa. “Na Petrobras, e acho que em grandes estatais brasileiras, passamos por um processo que eu chamaria de golpe dos minoritários. Os direitos dos minoritários foram exacerbados, inibindo os direitos do controlador. No setor privado, essa regra jamais passaria. Você imagina uma empresa privada em que o acionista majoritário não consegue trocar o dirigente?”

O golpe dos minoritários teria sido uma forma de limitar o papel do governo nas estatais. “Fortaleceu a lógica de soluções a curto prazo das questões financeiras”, explica Gabrielli. “E, ao fazer isso, ameaça o futuro da empresa. Ao distribuir mais dividendos do que o lucro do ano, vai matá-la no curto prazo. A empresa que não investe, particularmente na área de petróleo, vai morrer. Precisamos resgatar a visão de longo prazo dos acionistas da Petrobras.”

A disputa entre os dois modelos está em curso, reconhece o ex-presidente da estatal. “No âmbito do Congresso Nacional, com a discussão sobre a Lei das Estatais; no âmbito do governo, na formulação das políticas para a Petrobras; e dentro da empresa, na disputa entre a Diretoria Executiva e o Conselho de Administração. A disputa está colocada neste momento. Qual vai ser o resultado, não posso antecipar.”

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com José Sérgio Gabrielli, economista, ex-presidente da Petrobras, entrevistado pelo advogado e cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano

 

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