A candidatura Lula precisa de sustentação social, diz Dulci


Segundo o ex-ministro, as alianças devem priorizar movimentos populares e segmentos da sociedade alinhados a um programa progressista claro.


Para o ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República durante o governo Lula, Luiz Dulci, atualmente na equipe do PT para as eleições de 2022, um dos maiores desafios da próxima campanha é deixar explícito o programa proposto e “ter um apoio mais ativo da maioria da população, não apenas o voto, para dar sustentabilidade não só política mas também social ao próximo governo”. Em outras palavras, ele quer, além da maioria parlamentar, povo na rua e engajamento popular para defender uma agenda claramente progressista e soberana de um futuro governo Lula.

“É preciso explicar para a população o que está em jogo e trazer para dentro do nosso discurso a relação intrínseca entre Executivo e Legislativo”, afirma Dulci, que também alerta para o risco de de excesso de confiança dentro da esquerda. “Não quero fingir que não haja desafios, e o primeiro deles é não se iludir demais com essa história de primeiro turno.” Principalmente, explica o ex-ministro, porque  o Brasil é um país complexo, com diferenças grandes, entre regiões mais abertas ou conservadoras, entre faixas etárias, socioeconômicas e culturais. Além disso, destaca, a ofensiva da extrema direita e sua propaganda antidemocrática teriam efetivamente capturado parte da população.

“A candidatura Lula precisa conquistar o apoio da maioria população – e não estou falando a coisa óbvia que, para ganhar a eleição, tem que ter a maioria dos votos”, diz. “É mais do que voto; é gente que, ao votar, mesmo não sendo intelectual, acadêmico – ninguém tem a obrigação de ser –, apoie o projeto do Lula e o rumo do país que ele representa. O que implicará que pelo menos as ideias-força do programa sejam bem trabalhadas durante a campanha. Porque, no Brasil, é muito comum as forças conservadoras que perderam a eleição terem vários instrumentos para tentar impedir o governo de executar o seu programa, para tentar condicionar a agenda governamental de fora para dentro. E por isso vamos precisar não só do voto do eleitor no Lula, que é fundamental, mas também da sustentação social.”

Paz e amor mas nem tanto
Ao lado da governabilidade no Congresso, deve-se buscar, afirma Dulci, o apoio “mesmo de quem não é de esquerda”, embora com limites programáticos bem definidos. “A aliança para eleger o Lula pode e deve incorporar partidos de centro-esquerda e até de centro que tiverem uma certa afinidade programática conosco. Mas a população deve ter clareza sobre o rumo do país em que está votando, para evitar que um golpe como aquele contra a Dilma volte a acontecer.”

Na prática, a campanha teria que enfatizar a diferença de fundo entre a base solidária do projeto de Lula, presente nas suas políticas públicas, em contraposição ao projeto de “morte”, individualista e perverso, das elites que apoiaram Bolsonaro. Dito de outra forma, Dulci acredita que “não se pode ser paz e amor demais”, para garantir que seja possível “desbloquear o país”. Por exemplo, com a implantação do imposto sobre os super ricos, ou com a recuperação da Petrobras, da Eletrobras e outras estruturas públicas a favor de um projeto nacional de melhoria da vida das populações. “Temos que elevar o nível de consciência da população, para ela saber o que está em disputa”, insiste.

Para isso, ressalta a necessidade de recuperar eleitores que votaram no PT nas quatro eleições presidenciais que o partido venceu, e depois se afastaram, ou porque acreditaram nas mentiras e na manipulação midiática, ou porque tinham críticas, e com os quais o partido deverá dialogar. Nesse sentido, um elemento relevante das pesquisas, segundo Dulci, é que Lula já teria alguma vantagem entre os evangélicos, mais significativa entre os de classes populares e ainda mais entre as mulheres. “Porque os evangélicos também vivem na sociedade brasileira, em geral são de classe populares, das que ganham até dois salários mínimos, estão sofrendo com essa carestia brutal, já não podem encontrar aquelas coisas básicas, como carne; já não podem mandar os filhos para a escola como gostariam; já não conseguem pagar o transporte coletivo…”

A teoria na prática
Para o ex-ministro, o que se espera na disputa eleitoral é que a população brasileira compare as condições de vida no tempo do Lula e Dilma, com a realidade atual. “Em 2018, Bolsonaro teorizava, e depois a teoria se revelou falsa. Agora não, [o voto] é baseado na experiência, para quem viveu o período do Lula e do Bolsonaro. Tinha emprego ou não tinha? A gente podia se alimentar e fazer as três eleições do dia, conseguia sobreviver com mais dignidade, tinha acesso à educação ou não? Então eu acho que a chance de nós ganharmos no ano que vem, liderados pelo Lula, é muito grande. Não por causa da teoria, mas pela experiência.”

Essas ideias chaves do programa de governo devem estar explícitas, ressalta Dulci, de modo que a população tenha condição de avaliar e escolher. Por exemplo, no campo internacional, se considera importante o Brasil ser um país soberano, independente, com uma política externa como foi a de Lula, respeitosa com todos os países, incluindo China, Europa, países da África, sem ser antiamericano.

Os “parlamentares do Lula”
“O fundamental mesmo é reatar a relação com o povo, não só o voto”, afirma. “O voto é importantíssimo mas ainda mais o sentido. As pessoas têm que saber no que vão votar. Por isso, junto com a questão do voto para presidente da República, será muito importante o voto para Câmara dos Deputados e Senado Federal.” Ele cita a vitória de Xiomara Castro, primeira presidenta eleita de Honduras, que fez a campanha pedindo votos para uma base parlamentar ,“que não só não a atrapalhe, não a impeça de governar e a sabote, mas que dê força, respalde e faça o país avançar.”

Para atingir essa maioria, ele defende a vinculação de forma clara, na campanha, entre o discurso de Lula, candidato a presidente, e os “parlamentares do Lula”, aqueles poderão ajudá-lo a governar. “A experiência mostra: se tivéssemos pelo menos um terço de parlamentares de esquerda ou progressistas, não teria havido o golpe contra a Dilma.” Para o ex-ministro, a ampliação das alianças deve ser feita “com base programática, de compromisso com o rumo que a gente precisa dar ao país.”

Aliança com Alckmin: ‘devagar com o andor’
Sobre a formação de uma chapa de Lula com Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo pelo PSDB por quatro mandatos e recentemente desligado do partido tucano, Dulci é cuidadoso: “Na minha região, costuma-se dizer ‘devagar com o andor que Nossa Senhora tem vertigem’.” Para ele, que viu com bons olhos a possibilidade de ter a empresária Luiza Trajano na chapa, envolver setores sociais ou empresariais relevantes, capazes de somar na ampliação participativa dos apoios, seria melhor do que o chama de “políticos tradicionais”.

“Precisamos tirar uma lição da derrota histórica que sofremos; a esquerda não tem direito de não avaliar o que aconteceu. Que vamos negociar com todos os partidos do Parlamento, é da natureza da vida política. Mas precisamos ter uma uma bancada que tenha compromisso com o que o Lula quiser fazer.”

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com o professor Luiz Dulci, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República durante o governo Lula, atualmente na equipe do PT para as eleições de 2022, entrevistado pela jornalista Beth Costa e o cientista política Jorge Folena, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano

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