Para cientista político, Datafolha reflete o efeito “Bolsonaro calado”


Leonardo Avritzer, professor da UFMG, acredita que o aumento na aprovação do presidente decorre do seu recuo nos ataques às instituições. Mas os impactos do fim da pandemia tornam o cenário imprevisível.

“Bolsonaro calado tem mais 5% de apoio do que o Bolsonaro que fala; é isso que a pesquisa [Datafolha, da última sexta-feira (14)] está mostrando”, avalia o cientista político Leonardo Avritzer, professor da UFMG. Para ele, os dados indicam, principalmente, que a nova postura do presidente, menos falastrona e provocadora, interrompeu a queda da sua popularidade. Mas, até 2022 , diz, o fim da pandemia e a retomada das atividades políticas podem afetar tanto o cenário, que não é possível antecipar resultados.

“Este é um momento de inflexão. Pouco ou nada se pode dizer sobre o governo Bolsonaro, nem se vai terminar seu mandato, o que parecia menos provável há alguns meses”, diz Avritzer, que participou, com o advogado e cientista político Jorge Folena, do Soberania em Debate do dia 14, promovido pelo Movimento SOS Brasil Soberano, ação patrocinada pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). “Existe uma certa estabilização, principalmente no apoio a ele no Congresso Nacional, devido à maneira como Bolsonaro se associou ao Centrão. Mas não sabemos qual o impacto da volta do Congresso Nacional, do fim da pandemia e do fim do auxílio emergencial sobre a popularidade do presidente.”

Bolsonaro, na verdade, mudou de comportamento nos últimos 60 dias, destaca o cientista político. “A estratégia era sair às ruas, questionar as políticas de contenção da pandemia, insultar todas as outras instituições da República, especialmente o STF. E ele parou com isso”, explica. Sua aliança com o Centrão e a chegada do auxílio emergencial aos segmentos de baixa renda também contribuíram para o bolsonarismo recuperar um pouco do apoio perdido.

“No momento que o Bolsonaro parou de deteriorar o clima político, obteve um ambiente mais favorável, porque as outras forças políticas não foram capazes de se mobilizar”, acredita o pesquisador. “Grandes manifestações de rua, organização no Congresso Nacional, manifestações em Brasília, em frente ao Congresso ou ao STF… essas são formas clássicas de ação no Brasil que precisam acontecer para que a gente pense numa reação mais organizada das forças progressistas.”

Comparando as situações de Bolsonaro e Collor, que sofreu impeachment em 1992, Avritzer aponta dois movimentos relevantes, que contribuíram para a derrubada do então presidente: a derrota da sua base nas eleições estaduais de 1991, que promoveram forte renovação no Congresso, e a mobilização social. “A pandemia não é muito propícia a manifestações populares, ainda que algumas tenham ocorrido no Brasil, especialmente de torcidas organizadas, as chamadas antifas, no Rio e em SP principalmente. Mas ainda é muito pouco. Bolsonaro não terá sua popularidade afetada a não ser com manifestações massivas, que ainda não estão sendo possíveis. Tenho curiosidade com o que vai acontecer no país, quando voltar a haver manifestações populares. Acho que vão ser grandes, importantes e vão criar um clima.” No caso das eleições municipais, se não permitem mudanças no Parlamento, poderão gerar um voto de rejeição ao presidente, diz.

Mesmo sem mobilizações em escala, as forças progressistas tiveram atuação expressiva nas redes sociais, afirma Avritzer. No seu livro “Política e Antipolítica” (Todavia, 2020), ele compara o cenário de 2019, quando os bolsonaristas ganhavam de mais ou menos 5 a 1 nas redes, prevalecendo nos debates durante 250 dias, com o quadro deste ano, em que o placar se inverteu. “Bolsonaro e os filhos perdem discussão nas redes sociais quase todos os dias”, analisa.

Vencer nas redes, contudo, é importante mas não é o bastante, alerta o cientista político. E o que falta às forças progressistas? “Essa capacidade de articular conjuntamente redes sociais, manifestações públicas, atos em Brasília, Congresso Nacional – essa teia que pode dar uma movimentação diferente à conjuntura e colocar o bolsonarismo na defensiva. Ele está um pouco na defensiva, principalmente a partir das ações da do STF em maio e junho, algumas operações da Polícia Federal, a retirada de perfis de bolsonaristas do gabinete do ódio das redes. Mas não foi suficiente para colocá-lo na retaguarda em alguns lugares. E o bolsonarismo reagiu bem a esse refluxo de ações no STF e começou a se organizar em regiões no interior do Brasil.”

Auxílio emergencial
O auxílio emergencial, apesar de aprovado no Congresso contra o próprio governo, que queria pagar apenas R$ 200,00 e não os R$ 600,00 a R$ 1.200,00 conquistados pela oposição, conseguiu também estancar em parte a queda da popularidade do Bolsonaro, diz Avritzer. Inclusive no Nordeste, onde o presidente tem a sua maior rejeição.

Em grande medida, o cientista político atribui a captura do crédito pelo auxílio a dois componentes básicos para entender a conjuntura política nacional: a mídia, em particular a Rede Globo, e a influência das redes sociais, com a difusão enviesada de conteúdo a uma grande parte da população que tem baixo nível de informação. Ele destaca, no entanto, a existência de uma oposição essencial entre o bolsonarismo e os interesses das camadas pobres do país.

“Existe essa apropriação do auxílio emergencial, mas o governo Bolsonaro, por definição, não é para os setores mais pobres da população”, explica Avritzer. “A maior parte das suas políticas não beneficia essa população: a maneira como ele ataca a universidade e o ensino público, como ele tentou desaparelhar o SUS…temos uma série de limitações que mostram que há uma incompatibilidade. A grande compatibilidade do governo Bolsonaro é com uma população de classe média alta das regiões Sul e Sudeste. É importante olhar para o auxílio emergencial, mas a gente não deve sobrevalorizá-lo.” Nem à pesquisa do Datafolha, que, segundo Avritzer, tem limitações de amostragem, privilegiando usuários de celular e pouco representativa na zona rural.

O professor da UFMG afirma que é preciso “relativizar” os dados do Datafolha. Ele observa que, antes desta pesquisa, Bolsonaro era o presidente mais mal avaliado da redemocratização, pior até que o Collor nos primeiro e segundo anos de governo. “É verdade que a sua aprovação subiu 5 pontos, foi a 37. Mas apenas o Collor foi pior na avaliação do segundo governo, o que não me parece um grande feito. Lula, Dilma, FHC foram melhor avaliados com o mesmo tempo de governo.”

Com o Centrão, o presidente passou a ser menos criticado no Congresso Nacional, que, por conta da pandemia, também não está se reunindo, o que atenuaria o peso da oposição, acrescenta o cientista político. Além disso, ainda que muito ruim, o governo conta o apoio consolidado do grande empresariado, dos setores evangélicos, e dos “homens brancos da região Sul do país”. Os grandes setores que apoiam Bolsonaro, independentemente do sucesso das suas políticas de destruição, ou mesmo por causa delas, explica Avritzer.

Os principais deslocamentos na base bolsonarista envolvem a saída de segmentos de classe média, e a adesão da região Norte. Nas eleições e até o ano passado, os homens, a classe média, a região Sul, eram mais bolsonaristas; e os mais antibolsonaristas eram os segmentos mais pobres, as mulheres, o Norte. “No Datafolha, isso mudou: quem mais rejeitou o Bolsonaro foram setores de classe média, da região Sudeste, com alta escolaridade”, diz o cientista político. “Esse setor não está mais com Bolsonaro. Principalmente na região Sudeste. Na região Sul, perdeu apoio também, mas em proporção menor. E apareceram apoios em outros extratos, especialmente no segmento de até dois Salários Mínimos, que recebeu o auxílio emergencial.”

Nesse sentido, a separação do lavajatismo, liderado pelo ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro, do bolsonarismo “é importante e vai ter muita consequência, especialmente no momento que a pandemia acabar”, diz. A saída de Moro do governo tira grupos de apoio do Sul e do Sudeste, da classe média e entre as elites judiciárias.

“O bolsonarismo tem problemas sérios numa reeleição, se não tiver com ele esses setores do tenentismo togado, da Rede Globo e de uma certa mídia e de um certo empresariado de centro conservador. Dificilmente você ganha eleição no Brasil pela centro-direita sem esses setores. A esquerda, se voltar ao poder, será sem eles. Mas a direita precisa deles. Esta é uma questão central, colocada para os próximos meses ou para o ano que vem.”

Impeachment, processo penal, cassação
Todas as possibilidades legais de interromper o governo Bolsonaro dependem, na análise do cientista político, de um queda mais acentuada da sua popularidade e da retomada das manifestações populares contra o governo. Ele cita as três vias de remoção de presidente existentes no sistema político brasileiro: impeachment; indiciamento pelo Procurador-Geral da República em processo criminal do STF, com autorização do Congresso Nacional; ou cassação da chapa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Mas nenhuma delas para um presidente com 37% de aprovação, e por isso essa pesquisa é preocupante”, diz. “Temos diversas vias mas todas dependem do desenvolvimento da luta política no Brasil.”

O impeachment requer uma decisão pessoal do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que já recebeu dezenas de pedidos de impedimento e, até agora, tem feito o que o professor da UFMG chama de “jogo estranho”: “Se a gente for ver a entrevista dele [Maia] há cerca de dez dias, no jornal O Globo, ele dizia que tinha muita convicção dos crimes da ex-presidente Dilma, e que o Bolsonaro até agora não tinha cometido nenhum crime. Provavelmente, ele nunca leu a Lei de Impeachment – lei nº 1079, de 1950, criada porque ficou claro que Getúlio Vargas voltaria ao poder pelo voto. É uma lei muito atípica, que, basicamente, dá ao Congresso Nacional um conjunto de possibilidades para tirar o presidente.”

Avritzer cita o cientista político Conrado Ubner, que calculou 17 infrações previstas na Lei do Impeachment já cometidas por Bolsonaro. “Desde insultar autoridades internacionais, ele fez isso com a primeira-dama da França [Brigitte Macron], até infringir o Código Penal, no que diz respeito a desrespeitar medidas sanitárias na pandemia. E poderíamos pensar em muitos outros motivos. Talvez quem escreveu a lei não tenha pensado em [alguém] contaminar outros brasileiros com a covid-19, e eventualmente [Bolsonaro] também poderia ser processado por isso.” Não fosse a barreira de Rodrigo Maia: “O problema é o presidente da Câmara, que não quer fazer o jogo da democracia, mas o jogo do acordos interoligárquicos. Ele não vai aceitar o pedido de impeachment, a não ser que a popularidade de Bolsonaro caia radicalmente, que não é o que vimos na pesquisa do Datafolha.”

O outro caminho para tirar o presidente, a via criminal, pareceu bastante promissora, diz o professor da UFMG, principalmente em abril e maio, com uma série de ações de Celso de Mello, ministro do STF, a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado Flávio Bolsonaro. Mas, a PGR precisaria aceitar o indiciamento, o que também seria difícil, uma vez que o procurador Augusto Aras é aliado do presidente.

Para Avritzer, a cassação da chapa seria, em tese, a via mais fácil, mas a que sofre maior pressão da opinião pública. “Temos Luís Roberto Barroso na Presidência do TSE. E ele parece uma pessoa que mede muito a temperatura… E vai medir a temperatura da opinião pública.”

O sucesso da esquerda, nos próximos lances, depende, então, da sua luta política. “A esquerda, para enfrentar as forças da direita, não conseguiu ainda se reorganizar”, avalia o professor da UFMG, citando as tentativas frustradas de construção de uma frente democrática. A oposição, na sua opinião, precisa “voltar a ter um projeto político que tenha capacidade de disputar a hegemonia política no país.”

> O Soberania em Debate faz parte da agenda do Movimento SOS Brasil Soberano, que é uma realização do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). Por meio de eventos, debates e produção de conteúdos temáticos, a iniciativa tem o objetivo de recolher subsídios para colaborar na construção de um projeto de desenvolvimento nacional com empregos, soberania e justiça social.

 

Para assistir o Soberania em Debate com o cientista político Leonardo Avritzer, da UFMG, na íntegra:

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