Desprezar a ciência e a tecnologia é entregar a soberania

O ilusionista (c. 1502), Hieronymus Bosch


Jorge Folena*

O Brasil já conta mais de 600 mil mortos pela COVID-19, número que poderia ser ainda pior, não fossem o esforço e dedicação dos integrantes da comunidade científica, em luta constante contra os defensores do obscurantismo e do negacionismo, que têm sido o tempo todo insuflados pelo chefe do (des)governo da maldade.

Na mesma semana em que se registrou esse lamentável número de óbitos, em decorrência da pandemia que assola o país, o (des)governo promoveu o corte de quase noventa por cento do orçamento que seria destinado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

A verba inicialmente prevista para o Ministério seria de R$ 690 milhões, valores já insuficientes para a promoção da soberania e do desenvolvimento tecnológico do país. E, com a redução, seu orçamento caiu para insignificantes R$ 89 milhões, obedecendo à determinação do ministério da Economia, liderado por Paulo Guedes. Guedes é um banqueiro e típico representante da atrasada elite brasileira, e possui milhões depositados em paraíso fiscal, como recentemente informado pelo vazamento dos documentos denominados Pandora Papers.

O que leva um país com mais de 210 milhões de habitantes, com grande capacidade de inteligência, a retroagir no campo da ciência e tecnologia para se restringir ao papel de mero exportador de minerais e alimentos, renunciando ao progresso tecnológico? Ao mesmo tempo em que se dá esta renúncia, nos deparamos com o aumento da miséria e da falta esperança para a juventude, que se encontra em grande parte desempregada e sem possibilidade de prosseguir em busca de uma vida digna.

Sem pesquisa, não há desenvolvimento!

Desde o golpe contra a presidenta Dilma, em 2016, foi imposta uma agenda de cortes no orçamento público, tendo sido aprovada a emenda constitucional da morte (Emenda 95), que reduziu ou encerrou o repasse de recursos a diversos serviços necessários à população e afetou diretamente a ciência e a tecnologia, que, nos últimos vinte anos, vinham crescendo em investimentos, criando novas possibilidades para o desenvolvimento do país e gerando empregos e renda para a população.

O corte de gastos públicos (de dinheiro que pertence ao povo!) promovido pelos governos Temer e Bolsonaro procura também desmontar a estruturação das universidades públicas, que são essenciais para o desenvolvimento de novas tecnologias e inovações, o que representa, sem dúvida, mais um atentado à Constituição, pois impede o progresso e a afirmação da nossa soberania.

O país está diante de um grave dilema, imposto por uma “elite do atraso” e posto em prática pelo atual (des)governo, que trabalha para destruir o Estado, apresentado como se fosse um mal para a sociedade, quando, na verdade, foi constituído para promover o bem-estar de todos.

Sob o pretexto de retirar supostos entraves à economia, o que pretendem realmente é entregar todos os recursos orçamentários aos banqueiros (que nada produzem), em um projeto que não tem dado resultado em nenhum lugar do mundo.

Nos últimos cinco anos, o país empobreceu rapidamente e esgotou a sua capacidade de inteligência; em consequência, muitos cientistas, principalmente os mais jovens, estão saindo do Brasil para buscar oportunidades no exterior.

Em decorrência da diminuição do Estado como estratégia de governo, defendida por Bolsonaro, pelos militares e por Paulo Guedes, já não é mais possível fazer ciência no Brasil.

Desestruturar as universidades, enfraquecer e desacreditar a ciência e desestimular as pesquisas coloca o Brasil na dependência de outros países, que investem fortemente em educação, ciência e tecnologia; isto nada tem de patriótico e representa uma política anti-nação e contra a população.

Na verdade, este comportamento está em total desacordo com a Constituição, que estabelece que “o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação cientifica e tecnológica e a inovação.” A Constituição, sem qualquer vacilo, acrescenta ainda que “a pesquisa tecnológica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.”

Sem dúvida, para garantirmos a soberania do Brasil, temos como grande desafio efetivar a capacitação da população (em particular dos mais jovens), para estimular e permitir o acesso às novas tecnologias, diante de um mundo que se transforma de maneira cada vez mais veloz.

A atuação do (des)governo, seja por opção ideológica ou negacionismo proposital, faz com que os sistemáticos cortes de gastos contra os interesses da população retirem da juventude pobre (que precisa trabalhar cada vez mais cedo) o direito de sonhar com dias melhores.

Diante de toda a destruição que está sendo promovida, é dever dos brasileiros empreender a reconquista do Estado, por meio das forças populares, para devolver o destino e os recursos do país ao povo e reconquistar nossa soberania.

Este é o único caminho para darmos cumprimento ao pacto constitucional, que impõe ao Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico para o bem público e progresso do país.

Caso contrário, retroagiremos cada vez mais ao passado, até os tempos em que o Brasil era um país inteiramente rural e com sua riqueza concentrada nas mãos de poucos senhores de escravos.

Este retrocesso é a caracterização da opção pelo atraso de uma elite que, ao longo das décadas, sempre contou com os militares como seus garantidores, numa atuação institucional equivocada, mostrando-se capazes de tudo para se manterem no poder, e, deste modo, levaram o país a nefastas alianças com o fascismo e à submissão aos interesses dos norte-americanos, em um verdadeiro atentado à soberania nacional.

*Jorge Folena é advogado e cientista político. Integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

Você pode gostar...