Viagem de Lula à China aumenta a pressão contra juros altos

Segundo o escritor Val Carvalho, o governo articula apoio internacional, industriais da Fiesp, C&T e políticas públicas para lutar a sua “terceira grande batalha – a da economia”. Trata-se de vencer o impasse concentrado no BC , o “punho do capital financeiro contra a economia”, na definição do analista. 

 

Vencidas a disputa eleitoral contra o fascismo e a tentativa de golpe de Estado no 8 de janeiro, o governo Lula enfrenta agora o capital financeiro na sua “terceira grande batalha – a da economia”, afirma Val Carvalho, escritor (“Couro curtido: memórias de um militante comunista”), assessor parlamentar e analista político. Segundo ele, ao voltar do seu roteiro internacional, o presidente Lula trará acordos e promessas de investimentos, principalmente da China, que devem isolar os defensores dos juros altos e mobilizar apoios políticos e de forças do capital na direção da reindustrialização e do crescimento do país.

“Essa viagem à China representa a verdadeira libertação brasileira, no sentido da reindustrialização do país, que é o projeto real, nacional, que o Lula está buscando, de modo que a economia marche para uma transição energética e ambiental”, avalia Carvalho. Com o apoio chinês, ele espera que cresçam as condições para enfrentar a resistência do Banco Central. “A pressão sobre o BC vai aumentar enormemente com os acordos fechados na China. Os empresários terão investimentos para fazer; não querem rédeas.”

O analista político destaca, nesse sentido, a adesão institucional da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) à proposta de, junto com o Estado e com os setores universitários, de ciência e tecnologia, formar uma articulação para investir em uma indústria de ponta, capaz de exportar não matéria-prima mas valor agregado e conhecimento. Um pouco como o próprio modelo chinês – em que atuam o Estado, o banco público no acesso ao crédito, as grandes indústrias e uma forte presença acadêmica, fomentando C&T e inovação.

“Se esse projeto começar a deslanchar no final do próximo ano, certamente vai enfrentar pressões dos EUA – do Trump ou do Biden –, em 2025; e ele [Lula] virá candidato à reeleição no ano de 2026 para dar continuidade a esse projeto, que não é da esquerda, mas junto ao empresariado paulista. E por isso [Geraldo] Alckmin está ali presente, no Ministério da Indústria e Comércio, que trata desse projeto estratégico de governo”, analisa o escritor.

Val Carvalho observa que nos três governos petistas (dois com Lula, um com Dilma Rousseff, interrompido por golpe de Estado), as políticas industriais não conseguiram alcançar maiores escalas devido aos juros altos. Na década de 1980, ele lembra que as manufaturas nacionais eram mais fortes do que as chinesas, e uma comissão veio da China estudar a experiência brasileira. Um patrimônio que começou a ser desmantelado mais fortemente no governo de Fernando Henrique Cardoso, com seu alinhamento ao Consenso de Washington.

“O Brasil tinha 30% [do PIB] da indústria, hoje não passa de 10%”, compara Carvalho. “O país está vivendo da exportação de matérias-primas e minerais, de forma muito parecida com o Brasil da Primeira República, com oligarquia agrária, indigência e miséria, uma parte rica vivendo no exterior e uma burguesia se agarrando ao mercado financeiro. A vitória de Lula foi uma vitória da soberania popular que busca uma soberania nacional para determinar sua política econômica, o que o mercado financeiro não deixa. “

O impasse da economia brasileira está concentrado no Banco Central, o “punho do capital financeiro contra a economia”, na definição de Carvalho. “Porque, se a economia cresce, acaba a influência ideológica, política e eleitoral que o mercado financeiro tem através dos meios de comunicação de massa, da grande mídia. Ao criticar abertamente os juros, Lula abriu o debate. Hoje temos um dado fundamental: 80% da população defendem que Lula combata os altos juros. Isso é importante.”

Isolamento da oposição
No campo Legislativo,  o bolsonarismo deve sofrer um isolamento decorrente da ação parlamentar radical e de baixa qualidade das suas representações – “a ponto do Lira [deputado Arthur Lira, presidente da Câmara] ter que tomar uma providência, enquadrando esse pessoal” –, analisa o escritor. Esse seria um primeiro isolamento institucional, que favoreceria de certo modo a aprovação dos projetos e as interações com a Câmara por parte do governo, que já mantém boas relações com o Senado.

Na base popular, Carvalho espera que as recentes ofensivas brutais dos grupos neonazistas em escolas, as notícias sobre a violência associada ao discurso armamentista do antigo governo e aos clubes de tiro (CACs) afastem os apoios conquistados pelo bolsonarismo com base na falsa ideia da defesa da família.

Por outro lado, o escritor elogia a ação do ministro Flávio Dino, da Justiça, que está tentando estabelecer limites para as grandes plataformas digitais de distribuição de conteúdo na abordagem das ameaças. “É uma manifestação de soberania nacional: nós temos nossos regulamentos jurídicos, os regulamentos de vocês [das redes sociais] não são superiores aos nossos.”

Outro passo importante na disputa política, ressalta o analista, é o da comunicação. Nesse aspecto, saúda a decisão de Lula de, em breve, começar a se dirigir semanalmente à população, de forma direta, por meio de transmissões ao vivo. E também a possibilidade de o Instituto Conhecimento Livre (ICL), do investidor Eduardo Moreira, ganhar um canal aberto de TV. “É um sonho da esquerda, ter uma TV aberta, um contraponto.” Para Carvalho, é preciso, ainda, aumentar a presença nas redes sociais, para gerar mobilização efetiva. “Vejo essa combinação das coisas; as redes são a rua do século 21.”

Balanço dos cem dias
Enquanto se preparam as condições para a retomada da industrialização, nos primeiros cem dias de gestão, o governo Lula retomou seus projetos e programas sociais, dando condição de vida e enfrentando a fome. “Nesse curto período, o governo realizou 250 ações”, informa Carvalho. “Investiu R$ 112 bilhões em investimentos sociais, retomando obras paradas, por exemplo nas rodovias. Trouxe de volta o Bolsa Família de R$ 600,00 com mais R$ 150,00 por filho até seis anos; a política de valorização do Salário Mínimo; a isenção de Imposto de Renda até R$ 2 mil para maio, chegando até R$ 5 mil no próximo ano. São ganhos materiais para beneficiar a população.”

Na saúde, o país “voltou à civilização”, ressalta Carvalho, com a retomada de campanhas de vacinação nacional. Ele menciona, ainda, os recursos que estão sendo investidos para acabar com as filas do INSS, para cirurgias, consultas, exames; os recursos na Cultura, com a recriação da pasta e dos ministérios da Igualdade Racial, da Mulher, o decreto para fazer valer a lei que prevê distribuição gratuita de absorventes íntimos.

São passos preliminares no trabalho de resgate do Brasil, para derrotar forças da extrema direita que persistem. “Só vamos ganhar isso, fazendo crescer a economia com inclusão social, desenvolvimento, ciência e tecnologia, e crescimento sustentável”, resume  Val  Carvalho.

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com Val Carvalho, escritor, analista político e assessor parlamentar, entrevistado pelo advogado e cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano:

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