Urbanista Ermínia Maricato defende a volta dos CIEPs

Ciep Nelson Rodrigues, em Nova Iguaçu (RJ) – Wikipédia

A urbanista prepara uma proposta para ser levada a Fernando Haddad (PT-SP), candidato ao governo de SP, e à campanha de Lula. Segundo ela, arte e cultura nas periferias podem “salvar uma geração”


Desatar o nó da terra, que se arrasta no país desde o século 19, e democratizar o investimento público, por meio da retomada dos orçamentos participativos, são medidas chaves para superar os principais problemas nacionais. Quem afirma é a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, coordenadora nacional da Rede BrCidades, que se dedica a planejar cidades socialmente justas e ambientalmente viáveis. Ela defende a volta dos equipamentos com recursos integrados para jovens e crianças nas periferias, nos modelos dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) que foram implantados na década de 80 pelo governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, sob inspiração do antropólogo Darcy Ribeiro.

Ermínia atuou no Ministério das Cidades e na Prefeitura de São Paulo, com 40 anos dedicados ao tema. Participa atualmente da elaboração de um plano para ser apresentado ao candidato petista ao governo de São Paulo, Fernando Haddad, e à campanha de Lula à Presidência. “Estamos trabalhando em uma proposta, uma marca de governo, que se chama Salvar uma geração”, diz.

O nome da iniciativa já reflete a premência das ações frente aos impactos da pandemia e da volta do país ao Mapa da Fome. “Temos que salvar essa geração”, explica.

A retomada dos fundamentos dos Cieps, ou dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) da gestão petista dos anos 2000 em São Paulo, significa garantir o básico e ir além, dando oportunidade de desenvolvimento para os jovens, por meio da instalação de equipamentos voltados à arte e educação. “As cidades têm um papel muito grande na redemocratização do país”, afirma a especialista, lembrando que 80% da população estão em áreas urbanas.

O básico, diz ela, é uma casa digna com água, esgoto, iluminação pública, “para as mulheres que chegam do trabalho à noite na periferia”, com drenagem de água fluvial, para “a gente não ver enchente e desmoronamento”. Outra infraestrutura fundamental é a de mobilidade. Transporte rápido, barato, acessível, para poder chegar rapidamente ao hospital, à creche, ao mercado, mesmo que eles não sejam próximos à moradia.

“Ultimamente, contudo, nós temos discutido algo que vai além do básico: o direito à arte, à cultura, ao lazer, ao desenvolvimento da potencialidade das crianças e dos adolescentes”, conta a arquiteta. “E temos feito a defesa de um equipamento nas periferias, que até já fez história, no ciclo de prefeituras democráticas no Brasil, e que ficou famoso no mundo inteiro mas esquecido na agenda nacional.” Esses equipamentos são os Cieps, ou os CEUs, onde as crianças ficavam em horário integral, tinham três refeições, e, além do Ensino Fundamental, prática esportiva, de cultura, de arte, assistência médica (no caso do Rio). Os edifícios dos CEUs incluíam piscina, quadras, salas de vídeo e teatro. Em Fortaleza (CE), eram os Cucas-Centros Unificados de Cultura e Arte; e, em Natal, um caso paradigmático: a Arena Mãe Luiza.

“Acompanhei experiências, nos CEUs, de adolescentes que se salvaram do crime, porque tinham onde ficar, onde desenvolver seu potencial, e se tornaram músicos, esportistas. [O modelo] dá a essa moçada da periferia condições de se desenvolver, e traria outro futuro para o país. Direito à cidade é isso: não ser condenado a ter crime organizado comandando o bairro, sem outra perspectiva. O crime organizado e parte das milícias estão em todas as periferias do Brasil.”

A questão da terra e o controle do dinheiro
As favelas representam cerca de 10% da população brasileira, informa Ermínia. Mas ela observa que a periferia não se restringe à favela. Na verdade, o padrão é o loteamento clandestino de baixa renda, em condições predatórias tanto do ponto de vista social e da saúde das pessoas, como do meio ambiente.

Para mudar esse quadro, a urbanista ressalta a importância do controle dos investimentos públicos e do orçamento participativo. “O dinheiro público é disputado por muitos lobbies. Quando uma prefeitura faz um investimento em determinada área, eleva o preço daquele metro quadrado – e essa é a grande chave do rentismo fundiário imobiliário. Por isso, depois de toda a minha experiência no poder público, fora do poder, na academia, acredito que o controle do dinheiro público é o que precisamos ter; é democratizar o investimento público.”

Crucial, nessa direção, diz Ermínia, é “resolver a questão da terra, que vem lá do século 19, emergencial no país, na área urbana e na rural, que divide a sociedade brasileira”. Ela cita a grande quantidade de terras, mesmo urbanas, atendidas por infraestrutura, mas vazias, ou de imóveis abandonados nos centros históricos da cidade, ao mesmo tempo em que há tanta gente sem moradia. O Brasil hoje contaria cerca de 800 mil pessoas morando ilegalmente, criminalizadas, por falta de alternativa.

Ermínia lembra, contudo, a longa tradição brasileira de grilagem de terra. “É muito contraditório pensar que o MST é condenado, sendo vítima, como toda a população. O país tem abundância de terra e nunca tivemos reforma agrária, mas sim um histórico de apropriação ilegal da terra. Podíamos ser um dos países de maior produção de alimentos para consumo interno e externo, não só de commodities. É urgente superar a questão da terra, essa marca patrimonialista. E isso exige demarcar e levar a sério as terras indígenas, de quilombolas, uma política de produção de alimentos nos arredores das grandes cidades. Não é para produzir no Norte e no Sul, e distribuir para o Brasil inteiro por caminhões. Precisamos de uma política para reduzir esse transporte poluidor, uma política de segurança alimentar nos arredores das cidades. Isso gera renda, permite proteção ao meio ambiente. Sem dúvida nenhuma, a produção de alimentos próxima aos centros urbanos é uma das emergências.”

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, entrevistada pela jornalista Beth Costa e pelo advogado e cientista político Jorge Folena, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano

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