Política da Petrobras transfere renda dos pobres para acionistas


“Estamos tendo hoje uma brutal transferência de renda da classe mais humilde da sociedade para os acionistas da Petrobras”, afirma José Maria Rangel, ex-coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), durante Soberania em Debate com o tema “O que há por trás dos aumentos dos combustíveis”, realizado pelo SOS Brasil Soberano, um movimento do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).

Ele observa que, desde 2019, a empresa lucrou R$ 91 bilhões e distribuiu R$ 56 bilhões aos seus acionistas, sendo R$ 41 bilhões só este ano. “Tudo isso às custas do aumento dos derivados e, obviamente, da entrega do patrimônio nacional, como assistimos na venda de vários ativos da Petrobras a preço de banana”.

José Maria foi do Conselho de Administração da Petrobras, eleito para representar os trabalhadores, entre abril de 2013 e 2014. Desde aquele período, com o PT no governo, diz, os conselheiros minoritários, que são indicados pelo mercado, já faziam pressão para que a estatal tivesse uma política de preços alinhados ao mercado internacional, a chamada PPI_Paridade de Preços Internacionais, para aumentar seus dividendos.

O dirigente e os demais conselheiros resistiram a adotar uma política que não levasse em conta os impactos dos preços dos combustíveis, dos derivados, na vida das pessoas. Por isso, lembra José Maria, fizeram um realinhamento nos valores, mas em um processo que assegurou previsibilidade, avaliando durante quatro meses fatores como a produção nacional, o câmbio, a variação do preço do barril e o lucro da empresa. Em 2016, com o golpe, Michel Temer dá posse a Pedro Parente na empresa, que lança afinal a PPI: os reajustes dos combustíveis passam a considerar a variação internacional do barril do petróleo, a cotação do dólar e o custo de transporte, além da margem lucro.

“Eu era coordenador da FUP e avisamos, na época, que essa política traria sérios prejuízos para a sociedade brasileira, principalmente para a população”, diz o ex-conselheiro. “Se estamos com uma inflação de mais de 10% [em 12 meses], o principal agente para que essa inflação suba é o preço dos derivados,que arrasta, por exemplo, o preço dos alimentos, porque o transporte no Brasil é 99% malha rodoviária; o combustível sobe, o frete sobe, sobe o alimento. Isso está fazendo com que a inflação entre numa disparada, penalizando mais o pobre.” Para se ter uma ideia, o dólar valia R$ 3,20; Hoje, o barril vale US$ 83, o dólar, R$ 5,50

Os principais beneficiados por esse modelo são os acionistas e grandes importadores, destaca o ex-coordenador da FUP, que atuou por mais de 30 anos como petroleiro. Antes do golpe de 2016, diz, o Brasil contava 42 importadores de derivados, número que subiu para mais de 200. Embora a lei 9.478 defina a Petrobras como responsável por abastecer o mercado interno, na gestão atual, a empresa, segundo José Maria, “reduz propositalmente a sua capacidade de processamento nas refinarias, que já operaram a quase 98%, para aumentar a importação – e aumentando a importação, tem que dar garantia aos importadores de que aqui ela vai acompanhar o preço internacional.”

Por isso, explica José Maria, o preço do combustível salta de R$ 2,98 a gasolina, e um botijão de gás a R$ 44,00, para um botijão de gás a mais de R$ 100,00, e a gasolina a R$ 7,00 o litro. “Precisa dar a esses importadores e aos pretensos compradores das oito refinarias da Petrobras que estão à venda da Petrobras, a garantia de que aqui serão praticados preços internacionais, para que eles possam ter lucro.”

O ex-coordenador da FUP também critica a PEC 32/20, da Reforma Administrativa, que, nas suas palavras, é a “continuidade do desmonte do Estado brasileiro”. “E eu pergunto, quem é que precisa de investimento público? É a população mais pobre, que precisa de serviço público, do servidor público, do professor, do médico, quem mais precisa daqueles que estão sempre prontos a atendê-los”, diz. Na sua avaliação, somada à PEC do Teto [que restringe os investimentos públicos], a PEC 32 consolida um Estado de privilégios para poucos, e de escassez generalizada para a população.

Outro efeito das políticas de desmonte, alerta o ex-coordenador da FUP, é o fim dos investimentos em ciência e tecnologia. Ele lembra que a Petrobras cancelou até seu patrocínio ao Projeto Tamar, de proteção das tartarugas marinhas. “A Petrobras foi a empresa de petróleo que mais investiu em pesquisa e desenvolvimento no mundo. Se nós somarmos as sete maiores empresas do Brasil, em 2013, tudo o que elas investiram em pesquisa e desenvolvimento não chegava perto do que a Petrobras investia em desenvolvimento. O nosso centro de pesquisa sempre foi referência mundial na na área.” A política deste governo, contudo, “é destruição total, entrega total no patrimônio público do nosso país.”

Eleições e retomada 
A política energética, segundo José Maria, estará no centro do debate das eleições presidenciais de 2022. Tanto no que diz respeito à questão do petróleo e o seu rebatimento no preço dos combustíveis, como à questão do setor elétrico. “Estamos às portas de um novo apagão ou de um novo racionamento por barbeiragem do atual governo. E com bandeira vermelha, por uma irresponsabilidade do Governo Federal, que não poupou o nosso reservatório de água quando deveria. Então esses temas vão ser centrais no debate eleitoral do próximo ano.”

Nesse sentido, uma proposta de retomada do desenvolvimento e da soberania nacional envolveria necessariamente o setor de óleo e gás e a própria Petrobras, defende. Ele cita, nessa direção, documento da FUP entregue ao ex-presidente Lula, defendendo a empresa 100% pública, voltada para o fomento de uma energia mais limpa, e dona da sua capacidade de refino.

Mas reverter os estragos promovidos pelo governo atual, viabilizados pela Operação Lava-Jato, não será fácil, reconhece José Maria. Ele destaca, nesse esforço, a importância de ampliar o campo progressista no Legislativo. “Não basta eleger o Lula, temos que eleger uma Câmara de Deputados e senadores comprometidos com o nosso projeto de desenvolvimento de país”, alerta, apontando mudanças estratégicas que exigiriam aval do Congresso, como a derrubada do Teto de Gastos ou a autonomia do Banco Central, por exemplo.

“O que está acontecendo no Brasil é que nós estamos vivendo a luta de classe, onde a classe dominante quer massacrar a todos nós trabalhadores e trabalhadoras. Como diz o [jornalista] Mino Carta, é a casa grande querendo sufocar a senzala E se a gente não entender isso, a nossa participação no processo eleitoral de 2022 vai ficar comprometida. E quando eu falo participação eleitoral, eu não estou falando para esperar chegar lá não. Precisamos fazer essa participação efetiva, conversar com as pessoas e convencê-las de que essa eleição vai ser decisiva para nossas vidas. É importante que as pessoas saibam disso.”

> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Assista na íntegra ao Soberania em Debate com José Maria Rangel, ex-coordenador da Federação Única dos Petroleiros,  entrevistado no dia 8 de outubro pelo advogado e cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, coordenadores do SOS Brasil Soberano

 

 

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