MST leva a luta pela terra à arena parlamentar


O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, perto de completar 40 anos, presente em 24 estados e com 450 mil famílias assentadas ligadas à entidade, vai pela primeira vez disputar eleições com quadros próprios — para o Congresso e para casas legislativas estaduais. Também elaborou propostas concretas para problemas urgentes, que serão defendidas no parlamento e apresentadas a candidatos em todas as instâncias. Segundo a cientista social Kelli Mafort, da Coordenação Nacional do MST, é imprescindível avançar na reforma agrária, proteger os territórios contra a especulação do grande capital, assegurar a produção de alimentos saudáveis, fomentar a agroecologia e  prover recursos para políticas sociais no campo, para o país retomar sua trajetória de desenvolvimento com soberania.

> Na próxima sexta-feira (6), Marina Santos (PT-RJ), dirigente do MST e pré-candidata a deputada estadual, estará no Soberania em Debate, ao lado da jornalista Camila Marins (PT-RJ), pré-candidata a deputada federal.  

A primeira proposta do MST de destaque, diz Kelli, “é um grande zoneamento da produção de alimentos no país – comida de verdade, sem veneno.” A agricultura familiar é responsável por 70% de tudo que se come no Brasil, estima a dirigente, mas o setor é o que tem menos terra e subsídios. “O Plano Safra sempre apoia o agronegócio com grande contingente de recursos, e a agricultura familiar sofre muitíssimo pela falta de políticas públicas para fortalecer os que produzem comida”, critica.

A agroecologia e a agricultura familiar são cruciais para acabar com a fome, explica Kelli, porque o agronegócio produz principalmente commodities para exportação e tem atraído cada vez mais investimentos especulativos de fundos financeiros. O resultado são aumentos nos preços dos alimentos e mais ameaças ao meio ambiente.

“Se a gente deixar por conta da sanha do agronegócio, eles vão sempre buscar formas de se valorizar ou aplicar o seu dinheiro”, diz. “Há as grandes empresas trasnacionais, os latifundiários brasileiros e os fundos financeiros que começam a se voltar com muita força para a agricultura. Por exemplo, o Black Rock, um grande fundo financeiro que é o principal investidor em agricultura.”

De acordo com Kelli, esses fundos têm cerca de U$ 9 trilhões para investir. “A gente precisa ficar muito preocupada com isso; imaginar que cada pedacinho de uma grande empresa tem lá uma cota desses fundos que querem especular e se valorizar. Eles não têm nada a ver com agricultura. O agronegócio não entende nada de agricultura. A gente precisa ter uma política de Estado que proteja a produção de alimentos.”

Para disputar com esses gigantes do capital, o MST incentiva as adesões ao Finapop, programa de financiamento popular estruturado pelo economista Eduardo Moreira, em que todo o montante captado é aplicado em cooperativas que produzem alimentos sem agrotóxico, em terrenos oriundos de reforma agrária e com respeito ambiental.

Não há como o agronegócio se expandir, sem pressionar a produção de alimentos, ressalta a cientista social. Embora o agronegócio não produza comida, mas commodities – quatro ou cinco produtos voltados para a exportação –, o setor controla a indústria de alimentos. Ou seja, “especulam com um alimento que não produzem”, diz.

Especulação e preços altos
Kelli cita, por exemplo, o caso do arroz. “O agronegócio não produz arroz, não tem grandes plantações; quem produz arroz é a agricultura familiar. A indústria de alimentos compra essa produção dos pequenos e, em situações como essa, de desvalorização cambial, em que o dólar está nas alturas, a indústria prefere colocar o arroz para exportação, receber em dólar e deixar acontecer a alta dos preços nos alimentos. É muito importante perceber que o agronegócio está especulando em cima de algo que é vital, que são os alimentos.”

Além disso, a fronteira agrícola e mineral avança sobre áreas sensíveis, como o Matopiba (expressão para indicar a região de produção agropecuária dos estados do Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia). Na avaliação de Kelli, o território “virou um mundo de soja, mas avança sobre o bioma do Cerrado, extremamente importante para abastecer corpos d’água, como a Bacia do Paraná, da qual dependem o Sul e o Sudeste”. A soja, com uma raiz curta, impede a renovação equilibrada do terreno, e provoca escassez de água, entre outros problemas.

Além do interesse financeiro, diz a dirigente do MST, o movimento enfrenta as tentativas de cooptação da militância e as pressões sobre os territórios de assentamento de reforma agrária e dos povos indígenas. “Por que o Bolsonaro vem com tanta força na pauta de mineração? Porque ele quer dividir o movimento indígena. Quer fazer titulação de reforma agrária, porque quer a privatização da reforma agrária para o agro. Esses territórios precisam ser espaços sem veneno, sem transgênicos e de produção de comida, não de commodities. Não pode ter veneno, nem soja, em assentamento. Precisa ser política de Estado, porque precisamos proteger esses territórios e essas populações da pressão, que é muito grande.”

Com sua dimensão continental, o Brasil tem grande responsabilidade ambiental mas está “no olho do furacão”, nas palavras de Kelli. “Haverá muita pressão para mercado de carbono, para compensações e para o avanço da produção de commodities.”Por isso, faz parte das prioridades propostas pelo MST “frear a o pacote de destruição: o desmatamento”, o que também implica estabelecer limites para o agronegócio.

“É terrível perder nossas florestas”, diz Kelli. “E cada vez que passa o ‘correntão’ e destrói florestas, a gente também está abrindo uma caixa de Pandora: existem milhões de vírus em equilíbrio na natureza; quando se destrói uma biodiversidade, libera-se esses vírus. E ambientes com baixa densidade populacional, terras grandes como as dos fazendões do agronegócio, do monocultivo, são favoráveis ao desenvolvimento de muitas doenças infecciosas e ao transbordamento de vírus para seres humanos. Regular o agronegócio é também uma questão sanitária para o Brasil e o mundo. Não é só política fundiária, mas de sobrevivência na Terra e de não normalizar a convivência com pandemias.”

Em outra frente, a dirigente do MST aponta a necessidade de políticas que atuem diretamente na melhoria da qualidade de vida da população. Defende, nesse sentido, iniciativas que deem protagonismo à juventude, em especial às mulheres jovens. Por exemplo, em projetos governamentais com elementos básicos, como a universalização da banda larga no interior do país. “O acesso à rede é extremamente precário, e o que vai [na rede] é um pacote de dados de fake news, pelo WhatsApp. O agronegócio está falando da Internet das Coisas, da agricultura 4.0… e não temos internet nas escolas.”

A dirigente lamenta que, muitas vezes, as políticas de Estado priorizem o contexto urbano, desconsiderando a realidade rural. Por exemplo, nas campanhas que abordam a violência contra as mulheres, enfatizando o disque-denúncia do número 180, não observam que, em muitas localidades, o telefone não tem sinal. “É preciso levar em conta a realidade no campo para pensar nas políticas públicas. Principalmente essas que têm caráter social, que podem proteger crianças, adolescentes, jovens, mulheres, idosos, que tendem a ser mais vulnerabilizados no contexto rural.”

Investimentos em educação também são imprescindíveis para dar aos jovens a opção de ficar no campo, afirma Kelli. “Isso está relacionado à questão econômica e também ao tema educacional. Se não há os níveis de escolarização – de ensino médio, graduação – no campo, essa juventude vai migrar e muitas vezes não vai voltar. Já temos o inchaço das cidades. Então precisamos ter políticas para assegurar a quem viva no campo condições dignas.”

Atualmente, o MST conta com 1,5 mil escolas, da educação infantil à graduação universitária, como no assentamento Contestado, no município da Lapa, no Paraná. Por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, que vem sendo sucateado pelo atual governo, o MST promoveu, em 20 anos, a escolarização de 200 mil trabalhadores e trabalhadoras sem terra. “Isso é bastante importante, porque dá uma escolha, caso o jovem queira permanecer no campo. Mas, claro, precisa estar vinculado a trabalho e renda.”

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com a cientista social Kelli Mafort, da Coordenação Nacional do MST,  entrevistada pela jornalista Beth Costa e pelo advogado e cientista político Jorge Folena, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano

 

 

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