Artigo: Intervencionismo e reacionarismo


Sérgio Muylaert*

Mais do que oportuno é percorrer as páginas de um livro indispensável  — “O reacionarismo militar na Terra de Santa Cruz”, de José Wilson da Silva, cuja atualidade confere a todos os que se interessam pela exatidão dos fatos marcantes da história militar desde os primórdios da proclamada República. A luz desses fundamentos, o nosso objeto é inquirir tais fatos que, ora, cercam algumas das controvérsias e atritos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ao primeiro sucede a comoção de enfrentar os demais poderes. Ao elevar o tom para aplicar regras inconstitucionais, de modo temerário, vê-se a conduzir pelos autoritários caminhos do voluntarismo. Se o intuito não é exacerbar a natureza subjetivista da animosidade, seus efeitos induzem a rupturas que se ampliam sobre o necessário equilíbrio institucional.

Um gravame sobressai dos meios descontentes e dos setores militares, próximos ao poder. Cuida-se, em especial, das disputas, recentemente submetidas ao órgão máximo do judiciário (Supremo Tribunal Federal), enquanto outras repercutem, ainda, junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Questões óbvias conforme as regras constitucionais. Nada obstante, alas militarizadas, de estreita coligação do Executivo, atinam para consequências nocivas, a partir do decisório liminar, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6457, proferido pelo vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux, cujo processo exclui “qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao presidente da República”.

Por outro lado, está em análise o comparecimento de testemunhas, para depor a respeito de supostas interferências pelo Planalto na Policia Federal, entre as quais, nomes de alguns militares postados no governo. No inquérito instaurado junto ao STF, a cargo do ministro Celso de Mello, não cabe aos que reverberam para avançar “manobras de intimidação”, tampouco, sofisticadas operações e mecanismos internos, cujas raízes se expõem diante dos demais segmentos sociais, em sinal de respeito devido à ordem jurídica. Em face desses episódios, o estudo de José Wilson da Silva está a recomendar profunda reconstrução da memória nacional sobre o reacionarismo militar – como prefere o autor –, cujo mote resgata substancioso conteúdo de um tema radicado desde as profundezas do solo brasileiro.

Muitos episódios permanecem obscuros, por indisposição de vontade política, dos quais não se deve excluir o sinistro e vergonhoso movimento conspiratório, para efetivar os atos que desandaram o país, a partir de 1964, subjugado pelas armas. A toda evidência, a contextualização procede. Em apertada síntese, a obra de J. W. da Silva é uma valiosíssima narrativa de sua própria história, encoberta por outras narrativas heroicas, das inúmeras campanhas nacionalistas. Entre elas, a memorável conquista do petróleo, e tantas mais, voltadas para as reformas de base. Tais objetivos, contudo, não integram os projetos e as aspirações prioritárias das hostes militares hegemônicas. Jamais pertenceram.

O que se possa reafirmar desse fabuloso autor gaúcho, cuja trajetória de vida militar vem dos longes, desde o ingresso na arma de Engenharia, é que ele merecidamente obteve a enorme visibilidade a partir dos combates nas trincheiras nacionalistas. Tudo, porém, será grafado com letras minúsculas, diante de sua estatura moral. Daí, exilado político, de 1964 a 1971, seus confrontos e experimentos, mais que expressarem relevantes exemplos, resumem a vontade férrea de seus propósitos honrados.

Seguramente, a partir do vasto repertório bibliográfico, nada terá passado ao largo do visor crítico, declarante de uma insurgência que dignifica o militar. O senso retilíneo, patriótico e nacionalista perdura em seu peito, com idêntica profundidade, à beira dos seus 90 anos. Diante da incomparável honradez do autor de “O reacionarismo militar”, devo bem mais do que o registro da obra, por anotar ideias fertilizantes e caras ao filósofo Bento Spinoza (1632-1676), para quem o entendimento se lança em favor de considerar que “a verdade é a pedra de toque de si própria e da falsidade”, ou, senão, para estimar que o “homem livre que vive entre ignorantes procura evitar tanto quanto possível os seus favores”.

* Sergio Muylaert é advogado e escritor. Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros; ex-procurador-geral da Universidade de Brasília; foi vice-presidente da Comissão Nacional de Anistia do Ministério da Justiça; fundador e presidente da Associação Americana de Juristas (Brasília).

Você pode gostar...