Estrella quer consulta popular para salvar a Petrobras


“Destruíram a Petrobras”, afirma o geólogo Guilherme Estrella, ex-diretor de Exploração e Pesquisa da estatal, responsável pela descoberta da gigantesca reserva de petróleo na camada pré-sal. Ele defende a revogação de todas as medidas que fraturaram a capacidade estratégica da estatal, desde o golpe de 2016, que afastou a ex-presidenta Dilma Rousseff. “A Petrobras não é mais a Petrobras, e aceitar a Petrobras como está [agora] é um absurdo. Temos que reverter isso tudo.”

Segundo Estrella, é necessário fazer uma consulta popular sobre o papel da empresa, e desfazer as operações que resultaram no esfacelamento do seu modelo de atuação – do poço ao poste, realizadas no quadro de “ilegitimidade e ilegalidade” do atual governo. Aos que consideram a revogação das medidas uma ruptura, ele argumenta que “quem rompeu foram eles”.

Na sua opinião, “é como dizer que o governo Pétain era legítimo.” O Estado francês formalmente liderado pelo marechal Philippe Pétain, entre 1940 e 1942, era, na verdade, comandado pela Alemanha nazista, num dos episódios de subordinação mais indignos da Segunda Guerra Mundial.

Durante o Soberania em Debate realizado pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) no dia 23 de julho (veja aqui), o geólogo destacou o extenso processo de esvaziamento e destruição a que foi submetida a Petrobras, desde o governo de Michel Temer, que desonerou importações, com perdas graves para o projeto brasileiro de industrialização. Antes disso, a gestão de Fernando Henrique Cardoso já havia aberto o capital da empresa na bolsa de Nova York, circunstância que seria a brecha pela qual a SEC (Secure Exchange Comission) e o Departamento de Justiça dos EUA iriam se associar à operação Lava Jato.

A descoberta do pré-sal, o marco regulatório que dava à Petrobras o papel de operadora única e a política de conteúdo local foram demais para o interesse internacional, e precipitaram, na avaliação de Estrella, os ataques à democracia brasileira. Uma das primeiras medidas contra a política soberana elaborada para o pré-sal foi tirar da Petrobras o lugar de operadora única – projeto apresentado pelo senador tucano José Serra (PSDB-SP), no início de 2016, num prenúncio do que viria. “Vem então este governo, transforma a Petrobras num banco, com grande dependência dos fundos financeiros internacionais, o BlackRock o principal deles, e se complementa essa verdadeira virada de mesa anticonstitucional”, critica o geólogo.

Na sequência, Estrella destaca a operação Lava Jato, que a pretexto de combater a corrupção, “tinha na sua essência o Departamento de Justiça e os interesses norte-americanos”. O geólogo cita o estudo da economista Juliane Furno, doutora em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, que apontou a “destruição” das empresas brasileiras de engenharia que tinham competitividade internacional, como uma das principais características da operação Lava Jato. Entre outras maneiras, ao negligenciar a separação entre Pessoa Jurídica e Pessoa Física, um princípio básico do direito comercial, criminalizando e desmoralizando as empresas.

“Acabar com as empresas da engenharia brasileira era um objetivo da Lava Jato”, lembra o ex-diretor da Petrobras. “Enquanto os Estados Unidos, na crise de 98, protegeram as empresas deles, botaram dinheiro, não deixaram as empresas falirem, aqui o Departamento de Justiça obrigou aquele grupo de funcionários públicos brasileiros, encarregados regiamente de fazer Justiça no Brasil, a serem funcionários relapsos, para cometer crimes antibrasileiros, e estão soltos até hoje. Prenderam o homem que seria eleito o presidente da República sem provas, como está comprovado, a mando de governos estrangeiros…e isso continua aí, estamos vivendo isso.”

Mais recentemente, outro “absurdo inaceitável”, nas palavras de Estrella, são as ameaças feitas pelo general Braga Netto, ministro da Defesa, de que não haveria eleição em 2022 sem voto impresso. “E atrás disso está esse Brasil gigantesco. O que vamos fazer?”, questiona.

Nesse sentido, ele menciona Gilberto Bercovici , professor de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP, que desenvolveu trabalho sobre o tema em parceria com Felipe Coutinho, presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), e o senador Roberto Requião (sem partido), que já teriam apontado que “tudo que foi feito, comprovadamente por ações ilegais e transformadas em fraude jurídica e eleitoral, tudo isso tira a legitimidade jurídica e ética deste governo”.

Desse modo, porque desmontou-se a capacidade do país na área de energia, ativo estratégico para a soberania nacional – um compromisso constitucional –, Estrella acredita que há base legal para reverter as ações contra a estatal tomadas pelo governo. “Está na Constituição que todo o poder emana do povo, indiretamente, através de seus representantes, e diretamente, através de consulta popular. Temos que fazer a consulta e chamar o povo brasileiro a opinar. Vamos buscar isso de volta.”

O geólogo lembra que, quando atuava no Iraque, pela Petrobras, e descobriram o campo de Majnoon, um dos maiores do mundo, o governo chamou a empresa, renegociou os termos contratuais e tomou o poço de volta. Ou seja, compreendeu-se, com razão, que uma reserva daquele porte não poderia ficar em poder de uma empresa estrangeira, ainda que fosse uma estatal de país amigo.

“Se a Petrobras não voltar a ser a Petrobras, uma empresa estatal, integrada – com exploração, produção, refino, distribuição, gasodutos, termoeletricidade, e presente em todo o território nacional –, não é mais a Petrobras. Se nós aceitarmos isso – que é só uma parte desse conjunto de medidas antibrasileiras, escravizadoras do povo brasileiro, que já estão sendo operadas, como a privatização da Eletrobras, dos Correios, a entrega da economia brasileira, de um país gigantesco, aos interesses dos sistemas financeiros, dos grandes fundos transnacionais –, é a perda da nossa soberania. É nos candidatarmos a gerenciar uma colônia. Isso não é aceitável. Temos responsabilidade com nossos filhos e netos. Não podemos deixar para eles uma colônia, sem poder algum de gerir um país desse tamanho, com tantas riquezas e um povo com, talvez, uma das piores distribuições de renda. Em consumo de energia, com o pré-sal inclusive, o Brasil está em 30º lugar per capita; e somos o segundo maior produtor de alimentos do mundo, com 20 milhões de famintos. Isso não é aceitável. Temos que reverter tudo. Não tem outro jeito.”

> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).

> Assista na íntegra ao Soberania em Debate com o geólogo Guilherme Estrella, entrevistado pelo advogado e cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, coordenadora do SOS Brasil Soberano.

 

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