Em 2022, as “minorias” precisam pautar o novo ciclo, diz Tainá

No alto, os entrevisadores: a jornalista Beth Costa e o advogado Jorge Folena, da coordenação do SOS Brasil Soberano; e as convidadas, Fernanda Martins, do InternetLab, e a vereadora Tainá de Paula (PT-RJ)

As mulheres, e principalmente as mulheres negras, de comunidades de periferias e de favelas serão fundamentais para a reação popular e democrática nas próximas eleições, avalia a vereadora Tainá de Paula (PT-RJ). Ela participou do Soberania em Debate sobre a “Violência contra a mulher na política”, com a cientista social e antropóloga Fernanda K. Martins, coordenadora de pesquisas na área de desigualdades e identidades no InternetLab, centro independente que desenvolve estudos no campo do direito e da tecnologia.

“Se a gente conseguir pegar aquele setor popular que está majoritariamente na periferia e na favela, e aquele setor social que, na minha opinião, pode ser capitaneado ao redor das mulheres, temos um processo de construção muito sólido na sociedade”, afirmou Tainá. “Acho que não tem nenhuma outra grande potência social marcadamente antibolsonaro que possa polarizar, e que não esteja nesse espectro que eu represento.” Nas eleições de 2022, diz a vereadora, “setores tidos como minoria, que, na verdade, participam das grandes maiorias, precisam pautar o próximo ciclo”.

A vereadora Tainá de Souza sintetiza na sua experiência, em grande medida, essa desigualdade estrutural. Ou, nas suas palavras, “a personificação completa da polarização: de um lado, raça, classe, gênero; de outro, eu, negra, de periferia, que afirma sua posição, fala de feminismo”. Ela sofreu no final de maio uma abordagem policial violenta, quando estava em um carro parado no centro.

Não se trata de um movimento fácil, reconhece Tainá. “O Bolsonaro fez uma guerra cultural muito sólida de desqualificação de setores que estavam bem organizados e com pautas claras – o movimento negro, com pautas antirracistas, as mulheres feministas organizadas, conseguindo furar a bolha e construir o ‘ele não’, que tocou outras mulheres, homens aliados, e fez, na verdade, uma grande polarização.” Para a vereadora, o ‘ele não’, manifestação que levou milhares às ruas nas vésperas das eleições de 2018, “foi o que ocasionou o segundo turno”.

Os efeitos da guerra cultural travada pelo bolsonarismo são perceptíveis nas pesquisas relacionadas à desigualdade, analisa Fernanda, do InternetLab. Segundo ela, a violência política contra grupos minoritários aumentou desde que uma mulher chegou ao poder, ou seja, da eleição da ex-presidenta Dilma Rousseff. “Vemos um recrudescimento político, com mais violência para alguns grupos específicos”, explicou.

A instituição de pesquisa fez uma parceria com a revista AzMina para estudar como a violência política na internet afetava a vida das mulheres candidatas. “Qualquer pessoa que atue na política pode ser vítima de violência, mas, nos estudos que temos feito, observamos que alguns grupos, historicamente marginalizados, são mais suscetíveis”, afirmou Fernanda. Entre esses grupos, além das mulheres, ela cita todos os segmentos LGBTQIAPN+. “O que nós temos nas redes sociais são novas formas dessas violências acontecerem, práticas diferentes de uma violência que está fora da internet.”

O InternetLab e a AzMina acompanharam 175 candidatos, entre homens e mulheres, para investigar as diferentes formas violência dirigidas a eles ou elas. Foram selecionados perfis com características distintas – brancos, pretos, indígenas, de vários lugares do país, inclusive mulheres de partidos e ideologias diferentes. “Observamos que, independentemente da atuação ideológica – esquerda ou direita –, as mulheres continuam sendo vítimas de violência”, ressaltou Fernanda.

De acordo com a pesquisadora, as agressões mais comuns às mulheres envolvem questionamentos sobre a moral e a intelectualidade das candidatas, agravadas se forem mães, quando se tornam ainda mais facilmente alvo de ataques. As candidatas negras, devido ao racismo, sofrerão diferentemente das brancas. Já os ataques aos homens, mesmo quando eles são de esquerda, estão sempre relacionados à gestão na política. Exceção para homens trans, negros e idosos, que serão atingidos pelo destaque dessas características. “Vemos na internet a atualização das violências fora da internet, reforçando desigualdades que já estruturam a nossa sociedade.”

Falta uma lei contra a misoginia
Fernanda aponta alguns aspectos que contribuem para o quadro crítico. Por exemplo, o fato de não existir ainda nenhuma lei para tratar a violência política no Brasil, ou, especificamente no caso das redes sociais, os discursos de ódio contra as mulheres. “Temos lei antirracista, e houve o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que essa lei também se aplica à LGBTfobia. Mas não temos o reconhecimento da misoginia como um crime de ódio. Ainda que falar só de leis e criminalização não resolva, ter uma lei que pense sobre esses temas pode ser importante no fortalecimento social, para que não haja essa permissividade e se continue atacando mulheres e grupos historicamente marginalizados.”

Além do aperfeiçoamento e da adequação de uma legislação ordinária, eleitoral, seria necessário buscar a aplicação dos mecanismos legais já existentes, mas pouco utilizados no processo eleitoral, defende a antropóloga. Isso significa, disse Fernanda, criar forças-tarefas e unidades especiais no Judiciário, para lidar com os casos de violência política que acontecem nas eleições, mas não só. Seria importante que atuassem também no exercício do mandato, especialmente com os candidatos LGBT, e ter canais integrados de fiscalização e denúncia. Uma das dificuldades nas últimas eleições, segundo a pesquisadora do InternetLab, foi identificar onde denunciar os ataques, se no TSE ou em delegacia especializada. Na avaliação dela, os canais existem mas estão dispersos. Outra medida relevante envolve a cobrança aos provedores de internet para que haja rapidez nas providências. “É preciso celeridade, porque um ataque coordenado a uma candidata pode bastar para desestabilizar uma campanha”, alertou Fernanda.

Os ataques incluem aqueles vindos do próprio  Estado. “A violência policial é um instrumento de controle”, resumiu a vereadora. “O carro de uma parlamentar num centro urbano, num contexto normal, com quatro pessoas negras, suscita automaticamente um lugar de controle, de recriminação e uma condicionante que é – esses indivíduos não têm o direito universal de se locomoverem na cidade. É o retrato do racismo institucional na polícia, braço operativo do Estado, que se organiza dessa forma.”

A questão seria mais aguda no Rio de Janeiro, estado em que a polícia mais mata, tendo passado por eventos brutais, como a chacina recente do Jacarezinho.  Com todo esse acúmulo, lamenta Tainá, ainda não se consegue aprofundar a abordagem do problema. “Não é à toa que o bolsonarismo surge aqui [no Rio]. É preciso, no curto prazo, pensar em ações concretas, tanto de construção de senso comum, quanto de uma discussão social profunda sobre os direitos que não temos”, afirmou. “No Rio, uns têm direito garantido, outros não; quanto mais branco, mais direitos você tem. Além disso, a violência doméstica está explodindo na pandemia, como temos observado. E as condições de misoginia se alinham com a vulnerabilidade social, com a pobreza e a desigualdade racial. Uma trinca de tragédias.”

Agenda concreta e ampla cobertura social
A vereadora defende um ajuste de contas com o passado colonial e escravista do país, para acabar com o modus operandi de perpetuação da riqueza, lembrando que, atualmente, 76% da população têm alguma dívida. “A gente precisa expiar esse passado. Entender que a taxação de grandes fortunas, regularização fundiária, reforma urbana e agrária, distribuição de riqueza são pontos inegociáveis de uma agenda social brasileira.”

Para ela, o futuro do país depende de cobertura social mais ampla, ao lado do referendo revogatório das reformas trabalhista e previdenciária. Paralemente, deve-se investir em um novo ensino, em uma pedagogia de civismo, uma educação antirracista, antimachista, desde a primeira infância, visando uma conscientização radical. “Uma pedagogia profunda, um letramento e um ensino antirracista, reivindicando uma formação brizolista de integralidade dos saberes. É só o que pode salvar o Brasil. Não é utópico. Grandes nações tiveram que passar por esse processo de reconstrução a partir da educação. Não há outra janela possível.”

O desafio, afirmou a vereadora, é construir para as próximas eleições uma agenda que agregue setores democráticos, com respostas claras ao setor produtivo e financeiro do país, “mas sem arredar pé de uma pauta social”. Nesse sentido, destaca que o contexto para 2022 é bem diferente do anterior: “em 2018, tivemos que dar um passo atrás, para garantir a bandeira ‘Lula Livre’, o que custou caro. Agora, temos candidato, programa, podemos construir uma agenda potente de luta.”

> Assista na íntegra o Soberania em Debate com Tainá de Paula – Violência contra a mulher na política

> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).

 

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