Crescimento virá de investimentos novos, diz Pochmann

Foto: WikiImage/Pixabay

Para o economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto Lula, o arcabouço fiscal é importante para barrar tentativas de impeachment, mas a recuperação da economia virá da articulação de capitais internos e externos. Para isso, é preciso baixar “drasticamente” os juros, diz. 

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O crescimento brasileiro deve resultar da articulação governamental para atrair investimentos internos e externos, acredita o economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto Lula. Na sua avaliação, o novo arcabouço fiscal, uma vez aprovado, representará um ganho importante em relação ao teto de gastos, especialmente por tirá-lo do texto constitucional e impedir pretextos fiscais para impeachment, mas também traz restrições ao gasto público.  E nesse movimento de trazer capitais produtivos, ele considera que deveriam cair “drasticamente” as taxas  de juros definidas pelo Banco Central, cujo Comitê de Política Monetária (Copom), responsável pela taxa Selic, reúne-se nos próximos dias 20 e 21 de junho.

“Há uma discrepância muito grande entre a posição do Banco Central e as oportunidades do Brasil, com uma inflação cadente”, critica o economista. Segundo ele, a desaceleração da inflação – o IPCA de maio ficou em 0,23%, ou 3,94% em doze meses, bem abaixo das estimativas do mercado financeiro – , “revela, de um lado, o comportamento de queda dos preços formados fora – commodities como petróleo e gás –, e, ao mesmo tempo, uma melhora na oferta de produtos agrícolas, de alimentação, em comparação com a inflação passada.”

Na indústria, contudo, ele aponta o “restabelecimento dos gargalos anteriores”, depois de uma rápida recuperação pós-pandemia, mas sem capacidade ainda de atender à demanda . “As taxas de juros tinham que ser reduzidas drasticamente”, defende. “Mas o governo passado aprovou a ideia, a partir de uma iniciativa do parlamento, de um BC autônomo, que não tem que responder ao povo, ao voto, mas a um grupo muito seleto que é basicamente daqueles que operam o dinheiro no país.”

Arcabouço fiscal
O novo arcabouço fiscal, ou Regime Fiscal Sustentável (PLP 93/2023), que substitui o teto de gastos por um mecanismo baseado no equilíbrio entre arrecadação e despesas do governo, na opinião de Pochmann, será importante principalmente para afastar pretextos fiscais para um pedido de impeachment do presidente Lula. E também por tirar a limitação orçamentária de dentro da Constituição.

“Entendo que, a despeito dos problemas, [o arcabouço fiscal] tem o mérito de, ao ser aprovado no parlamento, afastar o risco de impeachment pela questão fiscal”, afirma o economista. “A presidenta Dilma foi afastada pelas pedaladas. Do ponto de vista da política, há uma necessidade de apoiar as novas regras, que validam o que o Lula falou na campanha – que ele era contra o teto de gastos constitucional. Continuamos a ter um teto mas com flexibilidade, que pode ser alterado por um projeto de lei, sem necessidade de mudar a Constituição. ”

Ele lembra que, em meio à transição “dificílima” de governo, no final do ano passado, Lula priorizou o enfrentamento da recessão que estava contratada pela proposta orçamentária de R$ 150 bilhões, valor ainda menor do que o de 2022, e também o atendimento de programas sociais, num ambiente em que o Brasil já estava há dez anos sem crescimento. A Emenda Constitucional da transição suspendeu o teto de gastos, sob a condição de que, até agosto, novas regras viessem substituí-lo. “Esse é o contexto: o governo tentando driblar a recessão”, explica Pochmann. “Foi fundamental essa ação antes da posse, num diálogo com o parlamento. Garantiu recursos para a população mais frágil, mas ficou a necessidade de estabelecer regras fiscais.”

Parlamentarismo sem partido
O arcabouço não foi feito para favorecer ou impedir o crescimento, ressalta Pochman. “Mas para evitar o risco de um impeachment, um constrangimento ao governo. Há um embate entre o que o parlamento quer fazer, do ponto de vista orçamentário, e a tentativa de resgatar o orçamento para o Poder Executivo.” Ou seja, para viabilizar o funcionamento dos ministérios e dos programas prioritários do governo.

“Abandonamos aquilo que foi a grande construção do ciclo político da Nova República, a experiência do presidencialismo de coalização”, explica o economista. “Os presidentes eram eleitos, mas não tinham maioria no parlamento. A forma pela qual o presidente eleito construía sua maioria no parlamento era a partir da atração de pessoas e partidos que tinham se posicionado na oposição.Desde o golpe parlamentar de 2016, acabou essa figura do presidencialismo de coalização. Estamos diante de um parlamentarismo sem partido. O poder do parlamento é muito maior; só tem paralelo no período do Império.”

Industrialização e crescimento
Se o fim do teto de gastos não destrava o desenvolvimento, nem por isso o crescimento está perdido, acredita Pochmann. “Essa questão não está só ligada ao orçamento. No governo de Juscelino Kubitschek, uma parte da expansão foi orçamentária, mas a outra foi possível graças à articulação de investimentos internos, externos e de estatais. Por isso, entendo o esforço de Lula para participar de foros internacionais e para atrair recursos de investimentos, seja na temática da reindustrialização, neo industrialização, economia verde.”

Além da intensa agenda de missões internacionais que o Brasil vem cumprindo, para articular novos investimentos, Pochmann observa que existem cerca de R$ 8 trilhões depositados no sistema financeiro nacional, “acomodado por taxas de juros muito elevadas”, e a possibilidade de recorrer a reservas internacionais.

Com relação aos investimentos estrangeiros, o economista destaca o deslocamento da atividade econômica para o Oriente. “O Brasil concentrou suas atividades no Atlântico, e estamos vendo a importância crescente do Pacífico para o qual o Brasil não tem saída. Então vamos precisar de um conjunto grande investimentos que viabilizem a superação das nossas carências. Temos uma matriz assentada no uso do combustível fóssil. Estive na China e percebi o esforço que estão fazendo para enfrentar a crise climática.” Esforços que incluem, segundo Pochmann, a eletrificação do sistema de transporte – carros, caminhões, ônibus ´– e expansão das ferrovias.

Nesse sentido, ele volta a citar o governo JK, que expandiu a rede rodoviária mas também construiu 11,5 mil km de ferrovias. “É possível fazer ferrovia no Brasil, trens de alta velocidade”, diz. E, como JK, destaca Pochmann, o governo Lula também está tentando negociar condicionalidades, ou contrapartidas, aos investimentos. “Lembro do JK de novo: as montadoras vieram condicionadas a produzir nacionalmente, não trazer as autopeças, que foram constituídas no país, e não importar insumos  que as estatais produziam, como siderurgia. Tudo isso é possível, e entendo que Lula está incumbido dessa preocupação: ter o capitalismo com investimento externo mas associado aos interesses nacionais.” Isso inclui, aponta ele, a indústria naval, com conteúdo local, estratégica para o país.

Em 2023, o Brasil deve ainda ter um crescimento menor do que em 2022, reconhece o economista. Mas a expectativa é ter um desempenho melhor em 2024, ano de eleições municipais. “Pode produzir resultados importantes do ponto de vista da esquerda, o que nos abriria um horizonte para um campo progressista muito mais forte. Isso se faz de forma gradual.” O presidente está manejando o contexto político da polarização evitando fortalecer posições extremas, avalia Pochmann.

“Lula tem sido convergente com a forma que a realidade se apresenta. Não encaminhou nenhuma opção a presidência da Câmara ou do Senado, não se posicionou em torno de uma pauta progressiva radical, como na época do Jango. Frases como ‘reforma agrária na lei ou na marra’ precisa ter uma sociedade organizada para que o ‘na marra’ seja realizado. Se não, acontece uma reação conservadora muito mais forte. Entendo que o presidente avalia que a sociedade está dividida e que a oposição tem base muito forte. O Lula quer uma reorganização da sociedade mas isso não é feito do dia para a noite”, afirmou.

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com o economista Marcio Pochmann, entrevistados pela  jornalista Beth Costa, da coordenação do SOS Brasil Soberano:

 

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