A esquerda deve ir às ruas enquanto governo está frágil

Breno Altman é entrevistado pelo advogado Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, da coordenação do SOS Brasil Soberano

Para o jornalista Breno Altman, editor do portal Opera Mundi, o Brasil ingressou em um período determinante para o seu futuro político. A esquerda deve aproveitar a relativa fragilidade de Bolsonaro para aumentar até o limite a pressão das ruas, de modo a consolidar seu protagonismo na disputa política, acumular forças para a eleição ou até para derrubar o governo.

“A batalha que se trava hoje, e até a conclusão do processo eleitoral de 2022, é uma batalha de vida ou morte contra o neofascismo”, afirmou, durante o Soberania em Debate, realizado na última sexta-feira (4) pelo SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). “Esse é e será um embate altamente polarizado, até que se defina um vencedor. Estamos vivendo uma batalha histórica. Ou ganha a esquerda, e perde o Estado policial, o neofascismo, o neoliberalismo; ou ganha o Bolsonaro, e nós viveremos um período de sombras e chumbo, que pode durar não pouco tempo. Não há nenhuma outra saída a não ser ir para a rua.”

O Estado policial da Colômbia, marcado por ações paramilitares e assassinatos de lideranças de esquerda, seria, segundo Breno, o ideal de Bolsonaro para o Brasil. “Tenho convicção de que o modelo na cabeça do Bolsonaro e dos seus sicários é o Estado colombiano. Essa aparência institucional, onde tudo parece funcionar conforme a norma da democracia liberal, mas com um Estado policial, uma ditadura encoberta por pano de seda. Esse é o modelo perfeito: uma ditadura que não é chamada de ditadura; que cumpre um rito institucional, mas que é comandada pela lógica do neofascismo, da violência aberta da burguesia financeira, da narcoburguesia, da burguesia agrária, contra o povo.”

Para se ter uma ideia, entre 1986 e 1992, cerca de 5 mil militantes do Partido Comunista foram assassinados na Colômbia, apesar de o partido estar formalmente na legalidade. “Isso significa algo como dez vezes o que a ditadura brasileira matou em 21 anos”, calcula Breno. “Se levarmos em conta a população da Colômbia, é um número aterrorizante. A Colômbia matou mais sob um Estado ‘democrático’ formalmente, do que a ditadura argentina; mais que a soma das ditaduras no continente. E sempre com eleição, liberdade partidária. A ditadura perfeita: mantém essa fachada democrática e é um Estado policial miliciano, para usar um termo brasileiro – lá o termo é paramilitar.”

Janela de oportunidade
Se o governo bolsonarista se inspira na violência colombiana, Breno defende que a oposição também o faça, mas tomando como modelo os manifestantes que há xxx dias enfrentam a repressão, com uma pauta de reivindicações sociais. “Temos de ‘colombinizar’ o país, seguir o exemplo colombiano, com uma escalada de mobilização popular contra Bolsonaro e contra o Estado policial. Este é o desafio atual da esquerda: uma potente mobilização social.”

As contradições que resultaram em relativa instabilidade para Bolsonaro não devem durar para sempre, e é possível que o governo se fortaleça a médio prazo, alerta o jornalista. Em um semestre, a pandemia deve arrefecer e a economia, mostrar sinais de melhora devido ao chamado “boom” das commodities, que, mesmo com concentração de riqueza, poderá gerar uma falsa impressão de recuperação. Por isso, não se deve perder tempo.

O editor do Opera Mundi observa que, embora as eleições na Colômbia sejam em abril do ano que vem, seis meses antes das eleições do Brasil, “a população decidiu derrotar politicamente a direita agora, antes que ela tenha condição de se reagrupar”. Compara a estratégia a uma luta de boxe: “Quando você ataca seu oponente? Quando ele está baqueado, relativamente vulnerável. É aí que você ataca para nocauteá-lo. Estou absolutamente convencido de que o caminho inaugurado pelo 29M [manifestação contra o governo que levou milhares às ruas no dia 29 de maio] é o centro da nossa política.”

Sem isso, diz Breno, o Brasil seguirá no aprofundamento totalitário. “A Colômbia é uma versão aperfeiçoada do que é um Estado policial, que, no Brasil, está em construção.” O uso da obsoleta Lei de Segurança Nacional para perseguir opositores sinaliza nessa direção. “São mais de cem casos de acionamento da LSN contra dirigentes políticos”, afirma. “Quando a pessoa passa a ter cem pessoas investigadas pela LSN, um documento praticamente moribundo, é um sinal de avanço do autoritarismo. Quando a polícia de Pernambuco acha que pode reprimir a bel prazer uma manifestação pacífica, sem ordem superior do governador, é avanço do Estado policial. Estamos vivendo esse processo.”

Na opinião de Breno, Bolsonaro “joga todas as suas fichas na reeleição, que seria um aval para consolidar a ruptura do que resta de normalidade institucional e estabelecer um Estado policial e, se necessário, uma ditadura aberta, com base em medidas de emergência”.

Guinada para as ruas
Na Colômbia, o acordo de paz com as Farc, que completa cinco anos este ano, teria permitido a guinada estratégica que viabilizou a reação popular, explica o jornalista. No Brasil, segundo ele, foi a volta de Lula ao jogo político, com a anulação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de suas sentenças.

Sem a narrativa que utilizava as Farc para criminalizar a esquerda, foi possível atrair segmentos médios aos movimentos de protesto das forças populares, incentivadas pelo fracasso do projeto neoliberal. “Quando ocorre o acordo de paz, produto do evidente esvaziamento da estratégia de luta guerrilheira, sai de cena esse elemento da direita colombiana. E o que assistimos foi uma transição das camadas médias para a oposição ao governo.” Ou seja, esses segmentos se sentiram confortáveis para firmar um pacto com as organizações tradicionais: sindicatos, partidos de esquerda e movimentos sociais.

“Essa coalização entre as organizações e as camadas médias, especialmente a juventude, está na base dessas grandes mobilizações em Bogotá, em Calí, por todo o pais”, explica Breno. “Mesmo no campo, o fim da guerra com a Farcs gerou a emergência de movimentos sociais poderosos que não estavam mais amedrontados pela situação de combate armado permanente. De toda maneira, desnudou-se o Estado colombiano. Aquele discurso de que as Farc eram responsáveis pela violência foi desmascarado.” De fato, desde 2016, quando foi assinado o acordo e se inicia o período de “paz”, 1.200 lideranças sociais e mais de 300 ex-guerrilheiros foram assassinados na Colômbia, informa o jornalista.

Dessa confluência entre o fracasso do neoliberalismo na Colômbia, o aprofundamento da concentração de renda e riqueza, e o empobrecimento das camadas médias colombianas, de um lado, e o desnudamento do sistema político, de outro, acelerado pela pandemia, surgiu essa rebelião em duas ondas, explica o editor do Opera Mundi. “Uma rebelião pré-pandemia, em 2019, e a sua retomada agora. A Colômbia vive uma situação pré-insurrecional. É uma combinação de manifestações, com greve geral e enfrentamento com o Exército.”

8 de março e 29 de maio
No Brasil, diz Breno, “as manifestações só tiveram a potência do 29 de maio, porque tivemos o 8 de março, quando as sentenças do Lula foram anuladas e ele recuperou seus direitos políticos”. Segundo ele, o fato jurídico recolocou a polarização dominante da vida política brasileira entre esquerda e extrema direita, no plano institucional, e provocou uma mudança importante no estado de ânimo popular. “Antes, ninguém conseguia ver uma saída.”

Nessa disputa, contudo, o jornalista acredita que será necessário enfrentar a questão militar, transversal a toda a história política brasileira. “O Exército é uma das maiores mentiras da história brasileira. E ele tem que ser desmascarado”, defende. Isso significa, diz, mais do que a revogação do artigo 142 da Constituição, que formalizou a tutela das Forças Armadas, permitindo sua convocação para defesa da ordem constitucional por qualquer um dos três poderes.

“Nós temos que desmoralizar as Forças Armadas, se quisermos reformá-las, fazer o que a Argentina fez depois da ditadura.” Segundo Breno, as FFAA, em especial o Exército – que lidera as demais –, têm escapado impune de seus crimes desde a Guerra do Paraguai, a repressão a Canudos, o Estado Novo, a ditadura militar, e, agora, da pandemia, que caminha para cerca de 500 mil mortos. “Eles são um câncer no país, embora haja militares honrados.”

Nesse sentido, Breno reconhece que Bolsonaro foi apenas a via institucional para a volta ao governo dos militares, que podem substituí-lo sem deixar o poder. “Podem descartar o Bolsonaro… virá outro e mais outro e mais outro… Temos uma questão militar que tem que ser enfrentada.”

> Assista na íntegra o Soberania em Debate com Breno Altman – “O povo na rua enfrenta o neoliberalismo: Colômbia e 29M”


> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).

 

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