Movimentos sociais vão levar suas reivindicações a Brasília

Foto: CMP


Segundo Marcelo Braga, da CMP, a pauta popular será entregue aos ministérios em viagem que marca o começo de uma jornada de mobilizações, que vai até outubro. Os movimentos populares vão à rua disputar o governo.
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Nas próximas semanas, os movimentos sociais vão levar à Esplanada dos Ministérios uma lista extensa de reivindicações. É o início de uma jornada de grandes mobilizações, segundo o educador popular Marcelo Braga, da coordenação da Central de Movimentos Populares e do Fórum Nacional da Reforma Urbana, que também integra o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), reinstalado no dia 1º de março.

O esquenta começa em março, passa pelo Abril Vermelho, com o tradicional acampamento dos povos indígenas em Brasília, que terá a participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de ativistas de reforma urbana e pelo direito à habitação; desemboca em grandes manifestações de Primeiro de Maio – o primeiro após a retomada de um projeto democrático para o país –, e se estende até o Grito dos Excluídos e Excluídas, em sete de setembro, e ao Dia Mundial do Sem Teto, em 4 de outubro. No centro da pauta, o combate à fome. “Quem tem fome não deixa de ser um escravo; você está preso, a fome é um instrumento perverso de dominação da população”, afirma o dirigente.

Também está na agenda a realização de um plebiscito popular para medir o apoio a um “revogaço” das reformas trabalhista e da previdência, organizado pelo CMP, pelo Jubileu Sul, o Grito dos Excluídos e Excluídas, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras entidades. “Vamos fazer uma grande mobilização nacional, para que o povo possa opinar: se devemos revogar ou não essas reformas, uma vez que sabemos como é a força do mercado e da grande mídia”, explica Marcelo. “Queremos dar mais um elemento ao governo para mostrar o que o povo realmente pensa da reforma trabalhista e da previdência, para fortalecer o próprio governo.” [clique para ler a Carta Convocatória para a segunda Plenária Nacional por um Plebiscito Popular]

Na visita aos ministérios serão entregues também os dossiês do Fórum da Reforma Urbana, produzidos durante todos os anos do governo Bolsonaro, com um levantamento do desmonte efetivado nas políticas públicas; além do documento elaborado pela Conferência Popular pelo Direito à Cidade, realizada em 2022. O material reunido pelos movimentos sociais é composto de várias propostas para atuação do governo. Por exemplo, pedem o fortalecimento das estruturas e dos orçamentos das secretarias; ou melhorias para o programa Minha Casa Minha Vida, relacionadas à localização dos imóveis – mais próximos às regiões centrais das cidades – e à qualidade das obras; o aumento da interlocução com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério das Relações Exteriores, etc.

“Luta é o que não vai faltar”, avisa Marcelo. Ele observa que o próprio presidente Lula, em reunião com os movimentos sociais antes da posse, teria destacado a importância de manter as mobilizações. “Lula deu um recado bem direto e sério para os movimentos sociais: eles têm que fazer aquilo que é sua vida e sua história, levantar as suas pautas e bandeiras, ir para a rua. Há uma disputa muito grande, e a nossa força é estar nas ruas, pressionando os ministérios. Esse é o nosso papel. Só assim poderemos dar sustentação a ele [Lula]. Ganhamos o governo federal, mas sabemos o perfil do Congresso Nacional – o oposto.”

Uma lei para os Conselhos
Entre as demandas que o movimento social vai levar à Brasília, as entidades querem que o governo Lula assegure em lei a existência dos conselhos com participação da sociedade civil e dê a eles caráter deliberativo – ou seja, poder para que suas resoluções sejam mandatórias e não apenas recomendações. Marcelo argumenta que um marco legal para os conselhos poderá evitar que sejam desfeitos “numa canetada” , como aconteceu no governo passado. O ativista reconhece o “alívio” que foi a retomada pela gestão atual dessas instâncias participativas, como o próprio Consea – que tem três quintos de participação da sociedade civil –, mas insiste na necessidade de ampliação do seu poder.

Atualmente, há poucos conselhos previstos em lei e com autorização para deliberar medidas – um deles é o Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), que aprovou recentemente a redução dos juros do consignado, contrariando inclusive a posição do Ministério da Fazenda, em decisão que acabou revista pelo governo.

“Os conselhos não podem ser só consultivos como o Consea ou como era o Conselho das Cidades, de que participei por muitos anos, precisam virar deliberativos”, critica Marcelo. Ele reconhece que algumas propostas do Consea foram adotadas pelo governo federal, como a definição de percentual reservado a pequenos agricultores para fornecimento da alimentação escolar. Mas destaca que muitas delas não saem do papel.

Este ano, um dos principais objetivos do Consea será recompor sua estrutura, formada por câmaras temáticas, e rearticular as conferências, em todas as instâncias, para iniciar um trabalho intenso de combate à fome e de promoção de segurança alimentar no país. Ou seja, expandir para todos o acesso à alimentação com qualidade nutricional e segura. “Para isso é fundamental estimular a agricultura familiar, a produção do MST, por exemplo. Uma das questões mais importantes é mostrar que precisamos comer e não podemos viver submetidos à lógica do agronegócio, das commodities”, diz Marcelo.

Para se ter uma ideia do impacto do avanço das commodities para exportação e especulação financeira, o dirigente do CMP informa que, nos últimos anos, a área dedicada à produção de feijão foi reduzida em mais de 45%, substituída por soja ou milho. “Com o acesso ao feijão limitado, os preços aumentam. O mesmo acontece com o arroz. A gente fica refém do uso da terra para commodities. E isso também atinge a questão ambiental, porque parte das queimadas de florestas, mais uma vez, é para produção de soja e outros produtos que são commodities. O Brasil produz cada vez menos alimentos para a população – feijão, arroz, verdura.”

Marcelo alerta, ainda, para o esvaziamento da reserva de grãos do governo para regular o preço dos alimentos. “É triste que, desde o golpe [que afastou a presidenta Dilma Rousseff, em 2016], o Brasil tenha voltado para o Mapa da Fome. É absurdo e perceptível no dia a dia, com famílias na rua, com caixinha de bala, paçoca, vendendo alguma coisa para conseguir um saco de arroz ou feijão.” O retorno do Consea, na sua avaliação, mostra contudo a intenção real do governo de combater esse problema essencial para a construção do país.

Outro problema na pauta do Consea é o excesso de agrotóxicos utilizado nas lavouras e a adoção de sementes transgênicas. Em visita à Bahia, Marcelo ouviu de alguns produtores que uma saca inteira de milho custa menos do que um único e pequeno frasco de sementes transgênicas para produzir esse mesmo milho. Além disso, ele observa que ainda não se sabe a extensão dos efeitos dessas sementes para a saúde das pessoas.

São muitas frentes de luta. Em 2023, o CMP completa 30 anos, e vai realizar seu 7º Congresso nacional, de 26 a 29 de outubro, com o tema  30 anos de lutas e resistência, e o lema: Contra o fascismo, em defesa da democracia, dos direitos e da vida. A entidade teve origem na Articulação dos Movimentos Populares e Sindicais (Anam). Em 1983, a parte sindical se descolou para formação da CUT. E, em 1993, surgiu a CMP.

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com o educador popular Marcelo Braga, da coordenação da Central de Movimentos Populares e integrante do Consea, entrevistado pelo advogado e cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano

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