Historiadores denunciam a captura das políticas educacionais para o avanço do autoritarismo

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O que têm em comum o projeto “Escola sem partido”, que quer censurar professores em sala de aula, e as agressões xenófobas cometidas por um sujeito em Copacabana contra um refugiado sírio? “É a pegada, a marca do fascismo”, alerta o professor Francisco Teixeira, do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA), da UFRJ/UFRRJ, que lançou a coleção “Políticas Educacionais e Traumas Coletivos”(vol. 1 e 2), com o também professor Maurício Parada, da PUC-RJ, no Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio (Senge-RJ). Os livros mostram como os regimes autoritários, para se consolidarem, precisam interferir nas políticas educacionais. Uma relação que hoje se traduz no país em propostas como as do “Escola sem Partido”, no “denuncismo” contra professores, ou nas reformas no ensino promovidas pelo governo de Michel Temer.

“O ódio é ensinado, programado”, diz Teixeira. E, por isso, ele observa que, não por acaso, o primeiro gesto do atual governo foi a reforma da educação, seu primeiro projeto votado e imposto ao país. “O traço marcante dessa reforma foi a exclusão da História como disciplina obrigatória, porque a História amedronta essas pessoas.” Mas não só. O historiador destaca que a ofensiva autoritária atinge também o próprio espaço educacional, a Filosofia, as Ciências Sociais – “e, pasmem!, até a Biologia, seja pelos conteúdos relacionados ao aparelho reprodutor, seja pelo evolucionismo, atacado pelos adeptos de noções ‘criacionistas’ [que explicam a vida com base em fundamentos religiosos]”.

O ensino da História e a intervenção no campo da educação “são centrais para a construção do autoritarismo político e para a experiência totalitária”, destaca o professor Maurício Parada, da PUC-RJ. Por isso, ele considera crucial o debate sobre a questão do ensino, as relações entre educação e instituições, as possibilidades de construção – ou não – de sociedades democráticas ou autoritárias. “Para pensar o que já fomos e o que ainda seremos – se é que seremos alguma coisa”.

Francisco Teixeira lembra que, no Japão, onde a História também não é disciplina obrigatória nas escolas, é possível encontrar nos livros didáticos dos estudantes a versão fantasiosa de que o país entrou na II Guerra Mundial devido a um ataque dos chineses ao Japão, a 62 km da Ponte Marco Polo, em Pequim. Ele também conta que, nos arquivos da Gestapo, foram descobertas séries de apostilas organizadas pela SS de Hitler, orientando como o antisemitismo deveria ser ensinado em sala de aula.

Já no Brasil, o professor do CPDA da UFRJ/UFRRJ lembra que já existem, só no Paraná, 11 mil professores denunciados e perseguidos pelos conteúdos apresentados em sala, além de muitos outros casos no resto do país, entre eles o da professora Marlene de Fáveri, processada devido a sua orientação feminista por uma aluna militante do Escola sem partido. “Alejo Carpentier [escritor cubano] diz que ‘quem fala tanto em revolução acaba sendo levado a fazê-la’; estudamos tanto o fascismo, e agora sentimos na cara o bafo dele.” Além de violento, capaz de dividir amigos, vizinhos, Teixeira adverte para a extrema simplicidade do pensamento fascista, o que o torna perigosamente popular. “Não se enganem, ele penetra facilmente nas camadas populares, dizendo coisas muito simples, que podem convencer os desavisados. Se a gente não estiver nas ruas para defender os direitos democráticos, o fascismo vai estar e vai vencer. É hora de dizer não ao fascismo.”

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