Eleições Diretas e Constituinte: a Nova República é um cadáver que deve ser sepultado

Pedro Muñoz*

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No domingo, dia 28 de maio, milhares de cariocas estiveram em Copacabana para exigir, uma vez mais, a renúncia do presidente Michel Temer. Mas o objetivo principal é conformar um grito contundente por eleições diretas. No entanto, não devemos nos iludir. Eleição direta apenas para presidente não resolverá o problema. Pelo contrário, poderá agravar a crise. Qualquer resultado desagradará fatalmente um setor expressivo da sociedade.

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Além disso, falar em eleições diretas presidenciais ou gerais, sem uma constituinte, mostra-se uma alucinação. A Nova República é um cadáver que deve ser sepultado. Assim como Quincas Berro d’Água, personagem fictício de Jorge Amado que circulava pelas ruas de Salvador mesmo depois de morto, a Nova República de 1985/1988 também está por aí. Não precisa respirar por aparelhos, como o Governo Michel Temer, pois já teve falência múltipla dos órgãos.

A Nova República não nos traz qualquer dose de humor ou riso, como Quincas. Ela apenas fede e persiste como alucinação, especialmente na cabeça dos dirigentes dos grandes partidos, que vivem em um mundo à parte, ilhado do resto do país. Mas esse mundo não lembra em nada a ilha da Utopia de Thomas More. Pelo contrário. Nele, reina a cegueira, a arrogância e a hipocrisia. Governaram de costas para o povo e só ouvem a voz das ruas quando é conveniente. E não é de hoje.

Nos anos 1930, Sérgio Buarque de Hollanda diagnosticou: “a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”. E continua sendo. A coisa pública segue misturada aos interesses privados, ferindo o princípio republicano. A elite governante, por meio dos principais partidos, julga-se a verdadeira detentora do poder. Vê o povo brasileiro como uma massa ignorante, que não deve participar da vida pública. Essa arrogância ficou nítida ao fim do pleito de 2014 e na defesa do fim do voto obrigatório (que, na prática, não é obrigatório).

Na república-cadáver, o povo não está suficientemente empoderado. Em nossa cultura política, desde Vargas, os direitos sociais e políticos foram dados e tutelados. A soberania popular no Brasil tem data marcada (calendário eleitoral) e não se manifesta  no dia-a-dia. Hoje, a Constituição de 1988 nos aprisiona em uma ordem jurídica incapaz de resolver a crise política e institucional.

Urge, então, refundar a República e repactuar o país. Para isso, faz-se necessária uma Assembleia Constituinte e uma nova carta constitucional – conforme já defendeu o ex-ministro Celso Amorim no lançamento do manifesto “Projeto Brasil Nação”, encabeçado pelo professor Luiz Carlos Bresser-Pereira. Aqueles que se opõem à Constituinte, o fazem por pura conveniência.

A esquerda está enfraquecida e parte dela vê com desconfiança a Constituinte, temendo retrocessos. A direta não tem interesse em mudanças profundas. Ela formou maioria e está no poder, mesmo sem ter sido eleita. Suspenderam a democracia, quando chegaram ao governo. Enquanto lutam pelo poder, os grandes partidos reforçam a polaridade que divide o país, fazendo-o sangrar. O risco do lulismo e anti-lulismo é nos levar à comoção social e à violência, como no getulismo e anti-getulismo dos anos 50.

Mas, na história, há precedentes que podem nos apontar caminhos para a repactuação da nação. Em 1945, foi convocada uma Assembleia Nacional Constituinte que, ao final dos trabalhos, ocupou as cadeiras do Congresso Federal. Após a Constituinte, foi convocada a eleição presidencial e iniciada uma nova experiência republicana.

Podemos, no entanto, fazer escolhas diferentes e optar pelo parlamentarismo ou pelo semi-presidencialismo, como na Alemanha. O mais importante é refundar a República para trazer de volta a democracia e a normalidade das instituições. E, fundamentalmente, constituir um povo empoderado, que sempre seja chamado a decidir e a desfazer qualquer futura crise política. Para tudo isso, é necessária a via pacífica. Pressionar por acordo suprapartidário e representativo. Ao povo, cabe ir às ruas e à luta!

*Doutor em História das Ciências (FIOCRUZ/Freie Universität Berlin) e professor do Departamento de História da PUC-Rio

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