Celso Amorim critica “submissão humilhante” das Forças Armadas

“Se não conseguirmos salvar a democracia agora, ela talvez não possa mais ser salva, no futuro. Talvez [seja] num futuro longínquo. Não sei.” A advertência é do ex-chanceler Celso Amorim, para quem o país vive um momento que ele define como crítico, crucial e muito triste. Durante o Soberania em Debate, realizado pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), na última sexta-feira (9), ele denunciou a “submissão humilhante” das Forças Armadas ao presidente Bolsonaro, cujo comportamento ele compara ao de um “imperador romano”. Para barrar o fechamento do regime, Amorim defende a “união de todos” e mobilizações nas ruas.

“Temos que lutar muito agora, porque vivemos um momento crucial. As manifestações são importantes. À medida que se possa fazer isso com segurança, tem que fazer. Não sei o que vai acontecer. Efetivamente, a gente tem que defender a legalidade e a democracia – que acho que estão ameçadas”, diz.

Segundo o diplomata, ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores em governos do PT, mesmo a noção de República está sendo atacada. “Quando o presidente fala ‘o meu Exército’… só um imperador pode falar isso”, explica. “Um imperador do tipo imperador romano – em que ele é o Estado, l’État c’est moi, dos governos absolutistas. Mas em uma República não é assim.”

Nem nos governos militares se chegou a tanto, avalia Amorim. “A gente pode criticar como o Estado estava sendo governado [na ditadura civil-militar], mas não havia essa submissão vergonhosa e humilhante das Forças Armadas a uma pessoa. Claro que é preciso obedecer ao chefe do governo, quando o chefe do governo está dentro da lei. Mas não como uma força pessoal, como se fosse uma guarda pretoriana, ou algo parecido com uma milícia. Sei que eles [os militares] não são; não estou dizendo que são. E acredito que, nas Forças Armadas, há muitos elementos positivos, que têm interesse na defesa do país, estão prontos a se sacrificar por isso, executam muitas tarefas. Mas há um desvio perigoso aí, e esse desvio tem que ser evitado. É tarefa de todos nós trabalharmos para que isso ocorra.”

Segundo o ex-ministro, há militares preocupados e não alinhados ao bolsonarismo. Por exemplo, ele cita o general Santos Cruz, muito crítico a Bolsonaro e ao vice-presidente, Hamilton Mourão. “O próprio vice-presidente, um homem claramente de direita, conservador, viu que, por exemplo, na questão do general Pazuello, deveria ter havido uma punição quando ele participou da motociata”, observou, referindo-se ao ex-ministro da Saúde e atual secretário de Estudos Estratégicos, general de divisão na ativa, Eduardo Pazuello, que discursou ao lado de Bolsonaro no carro de som, durante ato político. O Regulamento Disciplinar e o Estatuto das Forças Armadas proíbem militares da ativa de se posicionarem politicamente em público, mas Pazuello não foi punido.

Apesar de acreditar na existência de vozes dissonantes nos quartéis, Amorim reconhece que o cenário é desfavorável ao equilíbrio dos poderes. “Do governo Geisel (1974-79) para cá, nunca vi uma coisa tão ruim quanto está agora. Em muitos aspectos, respirava-se mais democracia do que hoje, porque a cada dia há uma ameaça: de não ter eleição, de intervenção militar… Estamos vivendo um momento do Brasil muito ruim, muito triste.”

O ex-ministro aponta, nesse sentido, a recente nota oficial assinada pelo Ministério da Defesa e pelos comadantes das três Forças, em tom de ameaça ao senador Omar Aziz (PSD-AM), que criticou o envolvimento de militares nas denúncias de corrupção investigadas pela CPI da Covid-19, conhecida também por CPI do Genocídio, presidida pelo parlamentar. “Como é que pode, atacar e ameaçar um senador, como ele foi atacado? Isso é um retrocesso no Brasil, inacreditável. Se eles [os militares] quisessem dar uma notinha dizendo que não se deve generalizar… Mas ele [Omar Aziz] não generalizou. Se havia essa preocupação, que se colocasse como preocupação, e não como repúdio veemente, cheio de ameaças. É lamentável. Estamos muito mal.”

União de forças e respeito às urnas
Para Amorim, “o povo brasileiro ainda não foi nocauteado, mas está jogado na lona, nas cordas, e está difícil de se recuperar”. O caminho da reação, insiste o ex-ministro, é a “união de todos os democratas”. E também manter a convicção de que é possível barrar a direção autoritária, por meio das instituições, do apoio ao Supremo Tribunal Federal e da defesa das prerrogativas do Legislativo.

“Eu, pessoalmente, fiquei muito contente quando vi o encontro do Lula com o FHC”, diz. Apesar das críticas e diferenças com o ex-presidente tucano, Amorim acredita que Fernando Henrique Cardoso seja um democrata e esteja ciente dos riscos atuais. “Ele está vendo o Brasil ameaçado de coisas gravíssimas.”

O ex-ministro não sabe se a redemocratização plena pode começar com um impeachment, com a interdição do presidente ou com a eleição de 2022. Mas alerta para a manobra de Bolsonaro ao atacar as urnas eletrônicas, antecipando fraude que não existe. “O presidente já está até precificando a derrota dele, antevendo fraude e dizendo que vai até evitar que haja eleições, se ele perceber que serão fraudulentas. É inacreditável. É como ir para um jogo de futebol e dizer: eu sei que esse juiz vai roubar, então não vou jogar e declarar a vitória – com a consequência, nesse caso, muito grave. E envolvendo, quem sabe, as Forças Armadas nessa aventura. Esse é o meu temor maior.”

Para o diplomata, a campanha pelo voto impresso não tem nenhum fundamento filosófico, mas é uma ação objetiva para desestabilizar e desacreditar as eleições. “Não estamos falando de uma abstração, mas de uma coisa concreta, cujo único objetivo é tumultuar a eleição. Se essa discussão fosse na época da Constituinte é outra coisa; não é. Está se realizando em um contexto específico, em que o presidente todo dia fala em fraude. Ele quer alguma coisa para tumultuar. Uma urna que dê uma diferença… é isso que ele quer. É muito importante defender a democracia e lutar pelo Brasil como nós desejamos: mais justo com as mulheres, os negros.”

Assista na íntegra o Soberania em Debate com o ex-chanceler Celso Amorim, entrevistado pelo advogado e cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, coordenadora do SOS Brasil Soberano.

 

> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).

 

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