Descarbonização poderá ser critério em compras do SUS

Além de aumentar a produção local, as metas do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis) preveem processos mais limpos. O Ceis cobre medicamentos, equipamentos, serviços e, mais recentemente, também TI e conectividade, diz Marco Nascimento,  secretário executivo do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz.

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O governo está articulando vários ministérios, segmentos produtivos e políticas públicas para fazer do Sistema Único de Saúde (SUS), por sua enorme escala e impacto social, o grande vetor de desenvolvimento do país, com sustentabilidade ambiental. Além da meta de produzir localmente, em dez anos, 70% das compras do SUS, o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis) pretende descarbonizar essa produção, afirma Marco Nascimento, secretário executivo do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, uma das 16 entidades que formam o Grupo Executivo do Ceis (GECeis).

Ameta da descarbonização da capacidade produtiva da saúde, segundo ele, poderá gerar um movimento amplo na indústria e no governo na direção de processos mais limpos. A ideia é acrescentar um indicador de sustentabilidade nas compras e nas tecnologias a serem desenvolvidas para o SUS, que passa a dar uma contribuição central para a descarbonização da atuação do Estado brasileiro. A descarbonização é a redução em níveis significativos de emissões de gás carbônico e demais gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, uma das medidas chaves para combater o aquecimento global e promover a transição energética.

“Nossa perspectiva é a da saúde, associada ao desenvolvimento”, explica Nascimento. “O Ceis aponta para uma grande oportunidade de desenvolvimento econômico, tecnológico – e social, claro, porque a garantia da saúde é o eixo ético principal.” Fundamentalmente, o objetivo é diminuir as vulnerabilidades do SUS para garantir acesso à saúde para o cidadão brasileiro, mas não há por que não aproveitar as oportunidades para fomentar a industrialização, a inovação tecnológica e a afirmação da soberania nacional.

“Como consequência de se ter que gastar muito dinheiro em saúde, esse gasto pode ser direcionado às necessidades do próprio país e não para geração de emprego e renda fora, como majoritariamente vem acontecendo na nossa história”, defende o especialista.

A Constituição Federal estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Ou seja, qualquer pessoa, se passar mal, precisa ser atendida por um hospital público. Esse atendimento, contudo, argumenta Nascimento, depende de uma extensa base material, que está expressa nos subsistemas que formam o Ceis: o de base química e biotecnológica, o de base mecânica, eletrônica e de materiais; o de serviços, relacionado ao próprio atendimento; e, acrescentado recentemente, o que trata de tecnologia da informação e conectividade, e permeia todos os demais. “Temos uma dependência de tecnologia intensiva em capacidade de processamento e TI, que precisamos absorver no paradigma da saúde pública”, alerta.

Conquistar autonomia na produção de equipamentos, fármacos, insumos e vacinas é um fundamento da soberania e da segurança do país, e uma necessidade também para as contas públicas. Um dos principais argumentos do Ministério da Saúde para a difusão do modelo proposto pelo Ceis é a balança comercial crescentemente deficitária no setor, afirma o secretário executivo do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz. Segundo ele, a saúde tem um índice de importação de quase 80%, considerando insumos em geral, com um orçamento anual em compras externas de cerca de R$ 20 bilhões, valor bem próximo ao do orçamento geral do ministério. A meta do Ceis é produzir localmente, até 2030, 70% de todas as compras do SUS.

“Com a criação da institucionalidade do SUS e a Lei, em 1990, que o consolida, temos a ampliação de fato do acesso à saúde para o cidadão a partir dos anos 2000. E aí o déficit da balança comercial da saúde começa a abrir uma boca de jacaré, com aumento de importações, que aponta para um quadro de insustentabilidade no longo prazo. É a partir daí que ganha mais tração a necessidade de uma política industrial que permita reduzir a dependência dos importados, justificando o investimento nesse marco conceitual, e aproveitando para que essa produção gere conhecimento, inovação, tecnologia, emprego, renda, bem estar, no Brasil.”

Uma política com essa envergadura exige “uma capacidade de articulação institucional muito poderosa”, ressalta Nascimento. Para isso foi criado o Grupo Executivo do Ceis (GECeis), de formação multi-institucional, com 16 representantes, de governo, empresas públicas e privadas, e coordenação do Ministério da Saúde. A função do GECeis é direcionar esse grande arranjo institucional à pauta da saúde, para alcançar as metas de aumento da produção local e descarbonização, com foco no SUS. “O grande objetivo é um SUS sólido, garantindo suas premissas de saúde integral, universal e gratuita”.

O GECeis havia sido extinto pelo governo Bolsonaro, em 2019, “o que foi particularmente trágico”, lembra o especialista, devido à pandemia, em 2020, que encontrou a área da saúde sem nenhuma coordenação nacional. “O grupo é um fórum de discussão de políticas, mas também um fórum de articulação dessas instituições para solucionar problemas de saúde do Brasil”, observa.

Produção local
Para ter autonomia, soberania, menor dependência de importações, o ideal, avalia Nascimento, seria o Brasil ter produção local em todos os subsistemas do Ceis. Mas ele admite que essa é uma meta arrojada e implica convencer gestores públicos, que lidam com orçamentos apertados, a aceitarem pagar mais nas suas compras, pelo menos a curto prazo, de modo a viabilizar a segurança e a competitividade do fornecimento a médio e longo prazo.

“Qual é o centro da questão? Uma necessidade de compra do tamanho do SUS é suficiente para garantir competitividade e sustentabilidade para qualquer indústria do mundo. Em vez de comprar apenas da Alemanha, acriticamente, por que não tentar direcionar isso aqui para dentro? A adoção dessa ideia não é simples. Um gestor público estadual ou municipal tem um determinado orçamento para comprar medicamentos. Ele vai no mais barato, e está certo. A não ser que venha uma instância e explique a ele, que haja uma coesão, um pensamento forte o suficiente para deixar claro que, no longo prazo, aquele investimento estruturado, aquela compra sendo feita sempre com os mesmos fornecedores, por aquele preço, vai levá-lo a uma condição de refém daquele único fornecedor global. É preciso que seja absorvida a compreensão de que talvez custe um pouco mais caro investir na produção local desses insumos, mas isso vai levar a uma maior autonomia no futuro.”

Nascimento frisa que o Brasil já produziu marcapasso e teve várias iniciativas de fortalecimento do seu complexo farmacêutico, médico, entre outros, que foram paulatinamente desmanteladas pelo poder das corporações multinacionais. Com o protagonismo das vacinas e a financeirização do capitalismo global, há o risco de apenas poucos produtores atraírem investimentos para suas plantas fabris. “Precisamos de uma articulação muito forte para trazer isso para cá, aderindo à linha estratégica de um governo”, diz.

Com a missão de atender a uma população de 200 milhões de pessoas, o SUS poderá viabilizar todas essas ações, inclusive com qualificação intensiva de profissionais e dando suporte à atuação dos médicos em regiões remotas – locais ou trazidos pelo programa Mais Médicos. “O SUS é o maior serviço de acesso universal à saúde no mundo, e eu reputo como a maior conquista civilizatória, moderna, do Brasil”, destaca Marco Nascimento.

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com o secretário executivo do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Marco Nascimento, entrevistado pelo advogado e cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, da coordenação do SOS Brasil Soberano:

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