Genoino defende uma oposição autônoma

“Temos que criar uma resistência política, porque a oposição de centro-direita não se opõe à extrema- direita no programa econômico nem social; divergem apenas no método de governo”, alerta o ex-deputado federal José Genoino, sobre o governo Bolsonaro, que ele chama de “bonapartismo caricatural”. “Precisamos construir uma oposição democrática e popular autônoma, um programa de enfrentamento, com mais radicalidade, das questões provocadas pela pandemia. E fazer alianças pontuais, quando se colocar o risco do fascismo, da repressão, da provocação e da violência.”

Genoino, que foi constituinte na Assembleia que escreveu a Constitutição de 1988, participou do Soberania em Debate, no último dia 7, ao lado da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e do professor e historiador João Roberto Martins Filho, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com mediação de Francisco Teixeira, professor da UFRJ e UFJF. (Confira o vídeo na íntegra)

O “bonapartismo caricatural”, explica o ex-parlamentar, “é um produto das Forças Armadas: o presidente foi eleito sob sua influência e tem no Exército um elemento central de sustentação”.  Na relação entre governo e militares, obedece a um padrão. “Ele [Bolsonaro] provoca, depois recua; o Exército aparece como poder moderador ou tutelar, com os generais, em off, dizendo a jornalistas que não é bem assim… E desse modo vão se legitimando na opinião pública, com a mídia, enquanto começam as especulações: vai ter golpe?”

Para Genoíno, é totalmente infundada a expectativa de que as Forças Armadas reajam contra as agressões do bolsonarismo aos princípios democráticos. “Devemos deixar de lado algumas ilusões sobre militares nacionalistas, Forças Armadas democráticas”, aconselha. Trata-se de fantasia que, na sua avaliação, acaba “legitimando a ideia de tutela militar, de poder moderador”, atribuído às FFAA.

Outro aspecto crítico da tentativa de tutela é que esbarra em um presidente com “personalidade instável”, que governa “na base de criar crise permanente”, observa o professor João Roberto. Segundo ele, os generais do Exército foram “trazidos à berlinda” e ganharam visibilidade maior do que gostariam originalmente. “Eles acharam que podiam dar uma demonstração de capacidade, ficando em segundo plano, mas o que ocorreu é que o presidente arrasta os militares para o centro do palco”, afirma o historiador. “Os militares ajudaram a criar o presidente e não sabem muito bem o que fazer com ele.”

O professor da UFSCar ensina que, assim como sua versão caricatural — o bolsonarismo –, o bonapartismo histórico, surgido na França entre 1852 e 1870, tinha como característica a relação direta com as massas e o apoio dos militares. Outro fato interessante é que terminou em desastre, com uma inesperada derrota diante do Exército prussiano-alemão.  Napoleão III, contudo, fez pelo menos a grande reforma urbana de Paris. “O que fez Bolsonaro, além de criar problema?”, questiona o historiador.

O risco real da violência
O cenário caótico pode estar começando a corroer o apoio popular — que a deputada Jandira Feghali considera “incompreensível” — dado ao presidente. “Desde o início do atual governo, o país não vive em uma normalidade democrática”, reconhece a parlamentar, líder da Oposição na Câmara. “Fecha-se o ciclo da Nova República, da Constituição. Abre-se um outro, em que a Constituição está em suspenso, todo o tempo sendo testada pelo governo. E as instituições não estão sendo capazes de parar esse cidadão. Ainda não conseguimos acumular forças suficientes.”

Mesmo que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) não esteja disposto, até agora, a deferir algum dos mais de 20 pedidos de impeachment do presidente, Jandira considera difícil para Bolsonaro terminar o mandato. “Não consigo vê-lo acabando o governo, nessa rota de confronto com os Poderes e violação da Constituição.”

O professor da UFSCar não descarta, no entanto, a via boliviana, em que o presidente poderia recorrer às suas bases junto a tenentes e capitães, empresas de segurança, policiais militares nem sempre controlados pelos governadores, até a forças ilegais, como as milícias, com o objetivo de submeter Congresso e STF. Neste modelo, sem que as FFAA intervenham para defender o Estado de Direito.

De fato, no bonapartismo caricatural, aponta Genoino, haveria o risco real “de surgir uma corrente neofascista estimulada por setores arrivistas militantes, com respaldo de empresas de segurança privada, aposentados das FFAA, e eles começarem a fazer provocações, violências contra militantes e partidos de esquerda.” Circunstância que, no entendimento do ex-parlamentar, justificaria a ampliação do arco de alianças do campo progressista em nome da defesa da democracia.

“O futuro do Brasil é difícil de prever”, admite João Roberto. “Temos a ameaça permanente dele [Bolsonaro] usar as Forças Armadas. Não acredito que elas queiram entrar numa aventura, mas, conforme o tamanho da crise, se algum fator fugir ao controle, não sabemos o que pode acontecer. Bem ou mal, os militares consideram este governo como deles, por mais imperfeito que seja.”

Processo de cooptação
O golpe iniciado em 2016 — com a prisão de Lula e a eleição manipulada de 2018 — avança pela destruição das instituições políticas, apoiado em um conjunto de fatores que incluiu o lavajatismo, o negacionismo da ditadura, a subserviência aos EUA e ultraliberalismo. “O Brasil e as instituições políticas atravessam uma crise profunda”, diz Genoino, citando o esgarçamento e a captura política do Ministério Público e do Judiciário, e, em especial, “a maneira como o Congresso legitimou esse cavalo de pau na democracia”. Cavalo de pau que, adverte, sabe-se como começa mas não como termina.

Os dois elementos imediatos no processo de cooptação das FFAA, segundo o ex-deputado, foram o lavajatismo, que despertou o seu “moralismo” histórico; e o resgate do período da ditadura militar, com a negação da Comissão da Verdade. À medida que esses dois elementos atraíram os militares, eles também aceitaram a hegemonia norte-americana, diferentemente da estratégia Sul-Sul dos governos petistas; e, em quarto lugar, aderiram ao programa neoliberal do ajuste e das privatizações.

“Eles [presidente e FFAA] se realizam mutuamente, através de uma tática: vai no limite e volta, provoca e volta…”, descreve Genoino. O exercício da tutela militar torna-se assim caricatural e prosaica, com situações que, seguidamente, rompem a liturgia democrática. “Estamos vivendo uma desvalorização e descaracterização das instituições. O presidente pega um grupo de empresários e vai no STF constranger o outro Poder. E as pessoas aceitam isso. A turma dele bate no jornalista, que é chamado para tomar café…e vai. Uma baixaria política. A democracia perdeu a ritualidade, a compostura.”

À instabilidade política, junta-se agora a covid-19, agravando as perdas de vidas, sem um plano federal de combate à doença. “O grave é que se coloca em risco, no caso da pandemia, a vida dos brasileiros”, resume Genoino. ‘No caso da soberania, estamos voltando à recolonização. Há um compromisso de eliminação de direitos, como foi com a ‘PEC do fim do mundo’, a mudança da CLT e a reforma da Previdência.”

Na opinião de João Roberto, “os problemas gigantescos do país são a destruição da Amazônia e a pandemia, e a crise política impede o governo de agir. Bolsonaro, diz o professor, “não quer fazer nada; quer manter o país em suspenso e se apresentar como solução para o caos.”

Para Genoino, que assessorou Celso Amorim no Ministério da Defesa entre 2011 e 2013, é surpreendente que as FFAA não estejam preocupadas com o desmonte do Itamaraty, nem com a decadência da imagem do país no exterior, onde o Brasil é considerado o pior no combate ao novo coronavirus, visto agora como uma democracia estritamente eleitoral, formal, francamente autoritária. “O softpower brasileiro era muito forte, o país conseguia conversar com todo mundo”, lembra o ex-parlamentar, destacando que o modelo anterior integrava diplomacia civil e militar. “Hoje temos um ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo] dizendo que o vírus é comunista.”

Soberania amesquinhada
Um dos problemas é que os militares desta geração não teriam assimilado plenamente o conceito de soberania, acredita Genoino. “Não é apenas espaço, território. [Soberania] é a capacidade autônoma de decidir sim ou não, de estabelecer condições para que as relações multilaterais possam se dar em clima de respeito. (…) A partir do momento em que se criou o conceito de guerra EUA versus China, e os EUA entraram pesado no país, com a construção do lavajatismo com o Estado profundo americano, a partir de 2008, 2009, trouxeram para dentro das FFAA o conceito de guerra revolucionária, uma leitura tosca de Gramsci. (…) As FFAA amesquinharam a ideia de soberania, com uma visão de ordem interna, pequena.”

O ex-parlamentar ressalta que a soberania nacional é ”defesa da Amazônia, mas também capacidade de dizer sim ou não” em temas como a questão da base militar de Alcântara — cedida pelo governo Bolsonaro aos EUA; da Embraer — vendida à Boeing, que, este mês, cancelou o negócio; do acordo com a França para o satélite geoestacionário, em suspenso, etc. “A agenda da soberania como política pública ampla para reduzir vulnerabilidades do país ficou em segundo plano”, lamenta. “Passou-se a um processo de intervenção política”.

> O Soberania em Debate é uma realização do Movimento SOS Brasil Soberano, iniciativa do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), que tem o objetivo de recolher subsídios para a construção colaborativa de um projeto de desenvolvimento nacional com empregos, soberania e justiça social 

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