Coletivo prepara juventude negra para disputar eleições

“2022 é o ano dos sonhos, um ano marcante para nós dizermos o que queremos e sonhamos, enquanto utopia e sociedade”, afirma Dara Sant’Anna, coordenadora do Enegrecer – Coletivo Nacional de Juventude Negra. A eleição presidencial, na sua avaliação, é a oportunidade de derrubar o que chama de “programa máximo de morte”, em prática no Brasil desde 2016, quando um golpe de Estado afastou Dilma Rousseff do governo.

Militante do Movimento Negro Unificado e da Marcha Mundial das Mulheres, artista plástica e poetisa, Dara espera que a população brasileira eleja o ex-presidente Lula e uma forte bancada progressista para implementar uma política de Estado, que acabe como Teto de Gastos e retome investimentos em saúde, educação e assistência social. Ela também defende um programa que amplie vagas e cotas raciais na educação e em outros espaços institucionais – por exemplo, no Itamaraty e no Judiciário –, fomente o emprego, envolva pequenas e médias empresas na construção de habitações populares, fortaleça a economia solidária e as ações nos territórios, combata os crimes ambientais, respeite a demarcação das terras indígenas.

O trabalho do Enegrecer é articular, organizar e preparar politicamente jovens negros e negras para ocuparem espaços de poder no Legislativo, no Executivo e na sociedade civil, influenciando políticas públicas com ações antirracistas e decoloniais. Em 2020, cinco vereadoras eleitas eram militantes da entidade, algumas tendo inclusive ocupado postos na coordenação nacional do coletivo, de um total de 30 que participaram da disputa. Este ano, a expectativa é superar este número na disputa.

“A gente vê que já há um modo Enegrecer de construir e organizar a política; quadros que têm compromisso com a classe trabalhadora e com os movimentos sociais”, comemora Dara, que também assessora o trabalho legislativo da vereadora Tainá de Paula (PT-RJ). “A ideia é ter mais quadros no próximo período, tanto no Legislativo quanto no Executivo. Estamos formando quadros, gestores, pensadores.”

O Enegrecer completa 15 anos em maio, presente em 13 estados. Surgiu em 2007 como um braço do movimento estudantil, desdobramento da Diretoria de Combate ao Racismo da UNE, que, em 2015, chegou a realizar um Encontro de Estudantes Negras, Negros e Cotistas da UNE (ENUNE), com 1,3 mil participantes. Nas palavras de Dara, o coletivo é um espaço de articulação e formação política antirrascista, anticapitalista, antipatriarcal, não lesbofóbico e não homofóbico. Oferece cursos pré-vestibulares, preparatórios para provas do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), rodas de rima, Hip Hop, grupos de cultura.

Para romper efetivamente com o racismo no país, Dara destaca a necessidade de uma ação educacional antirracista e decolonial intensa, envolvendo um processo de reparação, com investimentos, entre outras iniciativas, em museus da história africana e ameríndia, que contêm a trajetória de luta e resistência desses povos.

“São narrativas que precisam ser resgatadas e encaradas como cultura brasileira, valorizadas na mesma medida que valorizamos a herança europeia”, diz Dara. “Não dá mais para um curso de formação de historiadores no Brasil ter três, quatro matérias de história medieval e só uma optativa sobre história da África. Se você forma um professor assim, não tem como cobrar dele as leis 10.639 e 11.645 [que regulamentam a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino de temáticas da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena], que vai falar sobre a história dos povos originários no país. Tudo isso precisa passar por uma reforma de como a gente vai pensar a organização do Estado brasileiro e os próximos períodos de nossa história. A violência sobre o povo negro é histórica e precisa ser combatida com conhecimento, única forma da gente romper com ela.”

No enfrentamento dessa violência, a ocupação de lugares de representação por negros e negras é fundamental para a construção, entre outras ações urgentes, de “uma política de segurança pública que não seja de morte, mas de defesa da vida”. Isso significa promover segurança para todos, ressalta a dirigente do Enegrecer: “Isso é falar, por exemplo, de iluminação de praças e ruas, ou da ocupação de grandes espaços abandonados. Porque um terreno abandonado não é só um risco para a segurança, principalmente no que tange às mulheres – quando passam por um terreno baldio com medo de estupro…–, mas também porque o Brasil tem dengue, proliferação de insetos e ratos, além de um grande déficit habitacional.”

Na proposta de Dara, essas áreas, uma vez cuidadas pelo Poder Público, poderiam virar moradias ou espaços de cultura ou de economia solidária, com feiras para fornecedores locais de alimentos ou outros produtos. “O que resolve a crise é a economia solidária. Isso é segurança pública”, resume.

Da mesma forma, ela observa que a região se torna mais segura se há investimento na escola ou no espaço do seu entorno, mobilizando professores da própria área, numa política de valorização efetiva dos territórios. “Se colocarmos lá na escola um ar-condicionado, o pai, a comunidade, todos vão querer estar na escola. Aqueles professores que conseguem morar na Zona Sul não vão querer se deslocar para a Baixada ou para o Complexo do Alemão. Mas se você chama professores que são do Complexo, instala ar-condicionado, abre a sala para a comunidade fazer suas reuniões, a escola vai ser um polo de construção para o bem da comunidade. É assim que precisamos investir e pensar no orçamento. Vamos fazer das escolas pólos de distribuição de sementes, para que todas as pessoas possam estar na escola e ter sua horta em casa. Vamos fazer hortas comunitárias nos terrenos das escolas, nas praças, fazer as crianças plantarem o que comem. Isso é transformação social, educação ambiental.”

Outro eixo chave para o enfrentamento dos problemas sociais brasileiros, ressalta Dara, são os programas de pesquisa e extensão universitária. “Por que não temos uma universidade federal no território de favela?”, questiona. “Precisamos investir nisso. A saída está onde a gente pisa, a gente pedir açúcar ao vizinho e descobrir que ele está com fome há muito tempo. Transformação social vem em pequenos gestos, gentilezas de construção diária.”

> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)

> Confira o Soberania em Debate com Dandara Sant’Anna, coordenadora do Coletivo Nacional da Juventude Negra – Enegrecer, entrevistada pela jornalista Beth Costa e pelo advogado e cientista político Jorge Folena, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano

 

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