Defesa da soberania nacional amplia resistência no país

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Por Camila Marins (jornalista da Fisenge)

Soberania como fundamento da democracia brasileira é um dos eixos do manifesto lançado pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, no dia 2 de outubro no Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro. Cerca de 600 pessoas lotaram o auditório, entre parlamentares, sindicalistas, organizações da sociedade civil, artistas e movimentos sociais. Presidida pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), a Frente conta com 18 senadores e 201 deputados federais, além de movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil. Requião fez uma contextualização histórica do processo de industrialização do Brasil, lembrando que, na década de 1980, o país estava em desenvolvimento e produzia, industrialmente, mais que a Tailândia, Malásia e a Coreia do Sul e China. "Hoje, não produzimos nem 15% do que eles produzem”, pontuou o senador, que também destacou o processo do desmonte do Estado social no mundo.

De acordo com Requião, o Estado social é aquele que respeita o trabalho, as mulheres e a natureza, e se subordina aos interesses básicos de um projeto popular e nacional. “Quando a União Soviética cai, o capital, que tinha a hegemonia no processo de comando no mundo, reorganiza seu contra-ataque. Esse contra-ataque do capital e, nesse caso, o capital financeiro, se suporta num tripé: precarização do comando do Estado com supremacia absoluta dos Bancos Centrais e do capital financeiro, a prevalência do capital financeiro no sistema eleitoral com parlamentares e representantes para o Executivo eleitos pelo capital privado, e precarização do trabalho com o convencionado sobre o legislado.”

Alternativas para a retomada
Requião retomou exemplos de crises econômicas instauradas no mundo e suas saídas, que caminham na contramão das políticas implementadas pelo atual governo federal. “A Espanha está há mais de 1 ano e meio sem governo estável, a Catalunha fazendo um plebiscito de sucesso, a Itália deteriorada, com primeiro-ministro derrubado com a proposta de plebiscito para hegemonia absoluta do capital financeiro e o flagelo inacreditável da Grécia. Mesmo diante de tudo isso, Portugal, com um governo socialista e uma ampla aliança, vai no caminho de Keynes [economista britânico], com grandes investimentos públicos, desiste da supressão do Estado e, progressivamente, vai saindo da crise, aumentando salários e reduzindo cargas horárias.”

No Brasil, de acordo com Requião, o governo Temer submete o país ao Consenso de Washington numa nova divisão de trabalho no mundo, transformando o país no celeiro do mundo, como produtor de commodities minerais e agrícolas, abrindo a possibilidade de venda ilimitada de terras para estrangeiros. “Outros países viveram crises semelhantes às nossas. Na Alemanha, diante do Tratado de Versalhes, o economista Hjalmar Schacht inicia o processo de impedir as compras de bens de países que não comprassem da Alemanha, e reduz os juros da dívida. Diante da grita enorme dos rentistas, criou uma moeda não-moeda, MEFO, vinculada ao poderoso setor privado metal-mecânico alemão. Realizou, então, projetos de recuperação da infraestrutura alemã que podiam ser financiados com o recurso, como existem aqui hoje, com excedentes da economia agrícola com juros de 4,5% ano e, em 6 meses, acabou o desemprego na Alemanha. E conta a lenda que acabou a inflação em uma semana. É uma experiência ao contrário do que se faz no Brasil, com congelamento de investimentos públicos por 20 anos e sacrifícios contra o trabalho”, explicou Requião.

O senador também recordou  a experiência norte-americana, durante a recessão, na década de 1930. “Henry Ford era empresário do setor automobilístico e adere às ideias de Taylor [economista], que dizia que produtividade aumentava com especialização do trabalho. Ford coloca as ideias na linha de montagem e todo mercado industrial adere à linha de montagem." Quando o então presidente norte-americano Franklin Roosevelt tentou entregar uma comenda ao empresário, Requião observou que Ford recusou a homenagem. "Afirmou que estariam inviabilizando a retomada do desenvolvimento americano, pois estariam aumentando brutalmente a produção industrial dos EUA num momento recessivo e sem mercado de consumo. Ford, então, propõe a diminuição da carga horária com o aumento dos salários.”

No Brasil, o atual governo federal, sob a justificativa de austeridade diante da crise econômica, além do congelamento de investimentos públicos no país por 20 anos, fez uma reforma trabalhista que deve ampliar a jornada de trabalho com diminuição de salários. Ainda pretende aprovar a reforma da previdência pública e a entrega da Amazônia. Mas, apesar deste cenário, o senador enfatiza que o Brasil tem saídas. “Estamos novamente numa guerra fria geopolítica e não ideológica, colocando o Brasil a reboque do projeto de dominação do capital financeiro. É importante a mobilização, a propaganda e a agitação. A Frente pretende abrir espaço para um projeto nacional que consiga, por meio do convencimento, fazer a mudança e uma revolução na economia. Começamos com um referendo revogatório de todas as medidas, que já tem com 36 assinaturas no Senado. Aqueles que vendem o país serão tratados como receptadores de mercadoria roubada”, finalizou.

Engenharia como saída da crise
O lançamento da Frente contou com a presença de diferentes entidades de engenharia. “O Clube de Engenharia tem a honra de receber parlamentares corajosos que ousam enfrentar o processo de desmonte de conquistas que já datam de oito décadas nos campos econômico, político e social”, apontou o presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, que enfatizou a importância da mobilização nesse processo: “É um retrocesso jamais visto em nossa história que, para ser estancado, deverá mobilizar toda a sociedade brasileira, independentemente de crenças, partidos políticos e classes sociais. É a luta pela sobrevivência do nosso país como nação independente. A hora é essa! E saindo daqui temos de começar a mobilizar e unir as pessoas. Contem com o Clube de Engenharia como trincheira em defesa de nossa sociedade, nossa democracia e nossa soberania”, afirmou.

“O Brasil tem saída e a engenharia brasileira é uma das soluções para a instauração de um outro projeto econômico, balizado pelo investimento público em infraestrutura e serviços essenciais à população”, disse o engenheiro civil e presidente da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), Clovis Nascimento. Com a instauração da Operação Lava Lato, inúmeras empresas de engenharia, alvos de investigação, foram fechadas, causando demissões em massa e paralisação de obras, estaleiros e serviços. “Repudiamos a corrupção e defendemos a responsabilização e punição de todas as pessoas envolvidas. No entanto, o que assistimos, no Brasil, é a criminalização das empresas, motivadas pelo interesse na desnacionalização da economia e na judicialização da política. E esse cenário é inaceitável. A engenharia brasileira é um dos principais motores da economia e de defesa da soberania nacional”, defendeu Clovis.

Já o engenheiro eletricista e presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ), Olímpio Alves dos Santos destacou o projeto SOS Brasil Soberano. “Em conjunto com a Fisenge, o Senge-RJ lançou a iniciativa que tem três pilares fundamentais: engenharia, desenvolvimento e soberania nacional, com o objetivo de promover diálogos sobre as saídas para a atual crise com intelectuais, engenheiros, formadores de opinião, jornalistas e movimentos sociais”, declarou Olímpio, afirmando que vê com muito entusiasmo a Frente Parlamentar, no sentido de ampliar a resistência e a mobilização pela construção de um projeto de país soberano.

Reformas e privatizações
Os parlamentares presentes enfatizaram as reformas e as privatizações propostas pelo governo federal. Nesse sentido, o secretário-geral da Frente e deputado federal Patrus Ananias (PT-MG) informou que vivemos, hoje, duas operações de desmonte. “De um lado, desmontam os direitos e as conquistas sociais, desmonte este manifestado na EC 95 [teto dos investimentos públicos]; e a reforma trabalhista que não é reforma, e sim o fim do direito do trabalho do Brasil. Estão desvinculando o direito do trabalho do ordenamento jurídico, que tem como referência a Constituição. Os recursos da assistência social já foram reduzidos em 98% com R$ 3 bilhões a menos no Bolsa Família e O% para políticas de reforma agrária e agricultura familiar”, ilustrou.

Patrus ainda explicou que não se trata de nacionalismo xenófobo. “Não vamos fechar as portas do Brasil. Que venham investimentos e que o desenvolvimento seja endógeno, a partir de nossas raízes e potencialidades do país”, defendeu, fazendo duras críticas ao processo de privatização. “Existem bens que não são bens de mercado, são bens fundamentais para o exercício da cidadania e do bem viver. Não teríamos feito o ‘Luz para Todos’, que levou energia elétrica a milhares de famílias, sem uma âncora das estatais. Seguiremos lutando contra a privatização do setor elétrico”.

Além da privatização do setor elétrico, o atual governo também realiza leilões do campo de petróleo para o mercado internacional. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) lembrou os 64 anos da Petrobras e os leilões e petróleo. “Falar da Petrobras significa falar de Getúlio Vargas, que criou também o BNDE, que hoje é o BNDES, e também enviou o projeto pela criação da Eletrobras. O debate é o mesmo que temos agora, inclusive na mídia. Depois que Vargas criou a Petrobras, ele também quis dobrar o salário mínimo. Hoje, a Eletrobras está ameaçada pela privatização”, elucidou o deputado, também denunciando a entrega do setor elétrico: “Vamos voltar aos apagões e vai aumentar o preço da energia elétrica. A Chesf, mesmo com uma seca de 5 anos, baixou uma determinação dizendo que mais importante do que a produção é o consumo humano. Se não fosse uma empresa pública, não seria assim”, alertou Lindberdh, lembrando da venda de 66% do campo de Carcará a entrega do campo de Sururu ao mercado estrangeiro e a redução da política de conteúdo local. “O estaleiro de Mauá tinha 6 mil trabalhadores e está reduzido a 200, com setores completamente abandonados”, concluiu.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) trouxe exemplos internacionais de estatização. “O mundo inteiro volta a estatizar a sua água e a sua energia. O mundo faz guerras pelo petróleo e nós estamos entregando o nosso. Querem nos transformar em colônia, mas nós somos uma nação”, garantiu. Segundo Jandira, nacionalismo só combina com democracia e soberania popular. “É preciso que todos reafirmem que não há saída nesse país que não seja pela democracia, pela soberania do voto popular e pelas eleições que devem ser antecipadas nesse país”, conclamou.

A deputada Benedita reforçou que não é possível falar de democracia e de soberania sem falar do “golpe que destituiu uma presidenta legitimamente eleita com mais de 54 milhões de votos. A soberania deste país está abalada nesse momento em que assistimos a venda de nosso país a preço de banana. É cada vez maior o índice de desemprego e de pessoas em situação de rua. Esse governo não quer uma economia inclusiva com desenvolvimento e participação. Ao contrário, estão perdoando as dívidas dos bancos e querem fazer uma reforma da previdência para retirar direitos de idosos e jovens”, denunciou Benedita, que também ressaltou a importância da luta em defesa da soberania estar alinhada ao combate ao racismo e às mortes da juventude negra.

Caminhos da resistência
Ampliar a resistência foi o mote uníssono entre os parlamentares. “Precisamos rearticular a resistência. Com o cenário atual, não temos garantias se haverá eleições em 2018. Estão impondo um programa que não teve crivo nas urnas e nos cabe desobedecer civilmente esse governo com greve geral, resistência nas ruas e ocupar as mesas diretoras do Senado e da Câmara como fizeram as nossas bravas mulheres parlamentares”, propôs Glauber, lembrando a luta dos trabalhadores da Casa da Moeda, que deram uma demonstração de coragem cívica para impedir a privatização.

Nesse sentido, a senadora Gleisi Hoffman (PT-PR) ressaltou a importância da unidade. “Estamos vivendo um retrocesso tão grande com violência atroz, depois de tantas conquistas, inclusive de termos uma das melhores Constituições do mundo. Precisamos nos unir em defesa do Brasil e dos interesses da população brasileira, porque os interesses do sistema financeiro ignoram a economia produtiva e os interesses dos seres humanos”, afirmou. A Constituição brasileira de 1988 vem sofrendo uma série de ataques com o atual governo e, de acordo com o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), vivemos, hoje, um Estado de coisas inconstitucional, desde a invasão na Rocinha [favela do Rio de Janeiro] até a privatização das empresa. “Caberia ao Supremo Tribunal Federal voltar a vigência da nossa Constituição e anular o golpe”, defendeu o deputado, apontando duas outras medidas urgentes: “é preciso rever a concessão das Organizações Globo e realizar um referendo revogatório de todas as medidas”.

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