Francisco Teixeira*
Salvador, 1688. Um cometa pairava desde várias noites sobre o céu da Cidade do Salvador, apontado com temor pelo povo como uma “estrela feia e barbada”. Vaticinava o Mal, que, conforme o Padre Antônio Vieira, enfim chegara nos navios negreiros d’África: peste. As pessoas morriam mais do que podiam ser sepultadas. A maioria dos que tinham sesmarias, posses e heréus fugia da Cidade para o Recôncavo – mas, a Peste, a febre, com tosses e sangues, caminhava com as gentes! As ordens, os monges, as freiras e os fiéis percorriam as ladeiras com a imagem de São Francisco de Xavier, o catequizador, para pedir perdão pelos muitos pecados; a tropa amotinada percorria a Cidade com o Vice-Rey em palanquim moribundo.
As naus desviavam do porto sujo, o açúcar perdia-se e as roças abandonadas não produziam mais a mandioca. Com a peste veio a fome.
Todo o sistema social da Bahia ruía…
A ordem colonial só foi restabelecida em 1690, com uma poderosa frota reinol. Morreu um terço da Bahia.
Esse é um capítulo da minha tese de doutorado (“Crises de Fome e Peste em Salvador da Bahia, FU Berlin/ UFF, 1990”).
Guardadas as proporções do final do século XVII e do início do século XXI, o impacto de uma epidemia (quase uma pandemia global hoje, 22/02/2020), implica uma profunda reflexão: o que estamos fazendo, de fato, perante a ameaça do Covid-19?
No momento em que vemos gigantes econômicos, políticos, tecnológicos e financeiros tremerem, como no caso da China Popular, é surpreendente a passividade das autoridades brasileiras.
Cabe desde logo despartidarizar o momento. É sério e grave demais.
O Brasil, por seu tamanho e fragilidade de infraestrutura sanitária e médica, não pode se dar ao descuido de permitir um “broto” descontrolado do Covid-19 entre nós.
Países ricos, relativamente pequenos e desenvolvidos, como a Itália e a Coreia do Sul, estão perplexos. Grandes cidades, núcleos econômicos como Milão , estão paralisados. A União Europeia está mobilizada em ajuda, a Itália criou um gabinete de crise e baixou vários decretos (decreto mesmo, na democracia parlamentar!) de controle e prevenção. Mesmo assim o Covid-19 se alastra.
A Espanha acaba de ser tocada.
O Brasil não tem as condições da Itália, seus recursos, meios, corpo médico, rede hospital e muito menos a rede de vizinhos interessados.
Trump, da índia, mobilizou os Estados Unidos.
A China aposta recursos, tecnologia e seu poder autoritário no controle do Covid-19.
A União Europeia está em choque econômico. Em 48 horas, cerca de US$ 500 bilhões se retiraram da economia real e se entesouraram em ouro.
As bolsas desabaram.
Algo parecido no Brasil poderia derrubar a economia do país por ao menos um ano, parar os portos e detonar o PIB.
Cabe mostrar ação, preventiva, segura, firme, ter alguém no leme!
Cabe a imediata prevenção e profilaxia. Nada ou pouco ajudará deixarmos nos envolver pela sereia do recurso terapêutico. Não no país que não controla a dengue e onde retorna o sarampo como ameaça às nossas crianças.
A hora que escorre é da prevenção.
Cabe criar de imediato um gabinete de crise com os ministérios afins e um GSI dinâmico, despolitizado, jovem, técnico, que possa falar com todos, começando com os pesquisadores de ponta do país , em instituições como a Fiocruz, o Instituto Adolfo Lutz, o Emílio Ribas, e aquelas indicadas pelo CNPq, pela Fapesp e afins, e convocar as autoridades estaduais.
Ficamos à beira da estrada no desastre da Amazônia, no derrame do óleo no Atlântico, como antes em Mariana e Brumadinho.
Agora é sério demais para esperar para a ver ou para deixar homens despreparados de outras épocas travarem batalhas antigas.
O Brasil e seu povo estão em risco.
* Francisco Carlos Teixeira é historiador, e coordenador do Movimento SOS Brasil Soberano. Prêmio jabuti 2014.