“Faço cinema por solidariedade ou por indignação. Esse é da conta da indignação.” Assim o cineasta Silvio Tendler explica as razões que o levaram a realizar A Bolsa ou a Vida, seu longa-metragem mais recente, já disponível na íntegra no canal da Caliban Cinema e Conteúdo no YouTube.
“Estou indignado com tudo o que está acontecendo. Neste mundo contemporâneo e, em particular, no nosso país. Estamos vendo o mundo sendo desmantelado, milhares de pessoas morrendo afogadas no Mediterrâneo, pessoas aprisionadas na fronteira dos EUA… Essas pessoas estão fugindo da fome e da miséria, e estamos indiferentes a isso.”
O filme A Bolsa ou a Vida é parte de uma trilogia. Nasceu depois das privatizações, tema de A Distopia do Capital, e de Dedo na Ferida, sobre o domínio global dos grupos financeiros, ambos financiados com apoio do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) e da Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). “Agora estamos vivendo o problema do Estado Mínimo”, afirma Silvio. “Existe uma proposta governamental de destruir todas as conquistas da sociedade do bem estar social e tudo o que o Estado brasileiro construiu ao longo destes séculos – séculos, porque está na bússola do governo a privatização do Banco do Brasil, que é do tempo do Império, e a dos Correios. Não existe país no mundo que não tenha correios próprios, só no Brasil querem inventar essa moda. Então resolvemos reagir.”
A ideia começou a surgir, de acordo com o cineasta, em uma reunião dentro do Senge RJ, em que se buscava caminhos de reação e ele decidiu fazer o filme. “Então pensei na Bolsa ou a Vida: qual seria a centralidade do desenvolvimento, se o ser humano e a natureza ou o cassino financeiro. Isso foi pensado ainda antes da pandemia.”
O financiamento do projeto contou com contribuições de várias entidades, sindicatos e pessoas físicas, além do Senge RJ e da Fisenge. “Conseguimos montar esse quebra-cabeça. Mas aí chegou a pandemia e ficamos confinados”, lembra Silvio. A restrição, contudo, não impediu a produção. O diretor resolveu usar recursos de videoconferência para as entrevistas e pedir a parceiros imagens de todos os lugares relevantes para o documentário.
“Desse jeito, viajamos o Brasil inteiro e o mundo, fazendo entrevistas por videoconferência e conseguindo construir um trabalho colaborativo”, diz. “Os amigos mandavam as imagens que a gente precisava usar para falar dos problemas que estão no filme, das suas regiões. Estávamos falando da destruição da Amazônia, da mineração na Serra da Moeda, que consome 640 mil litros de água por hora, da destruição de uma região tombada. Fomos colecionando esse material, montando tudo virtualmente e nasceu A Bolsa ou a Vida, que talvez seja o meu trabalho mais interessante, tanto pela forma como foi feito, como pelas teses e pela defesa dos pontos de vista que ele faz.”
A força do filme está em grande medida nos atores sociais que dele participam. Há depoimentos de descendentes dos povos originários, como Márcia Mura, em Rondônia, doutora em História Oral, que apresenta o povo Mura, de Almir Suruí, premiado pela ONU como “Herói da Floresta” em 2013, de Ailton Krenak; de quilombolas, representados pela Givânia, uma das fundadoras da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), de Conceição das Crioulas, em Pernambuco. E também de Joca Fagundes, da Rocinha, no Rio, e de Sol Bueno, cantora, compositora e pesquisadora de música popular, da Serra do Cipó (MG), além de Duda, a entregadora uberizada antifascista, que também é estudante de Arquitetura no Rio de Janeiro e faz o link entre a cidade e os pontos de vista da população que está perdendo seus direitos. Paulo Galo, líder dos entregadores antifascistas, além de entrevista, mostra um rap seu no filme, que também conta com economistas, cineastas, personalidades, como Ladislaui Dowbor, Eduardo Moreira, Celso Amorim, Ken Loach, Jeffrey Sachs, Boaventura de Sousa Santos, etc.
A volta da fome e três lições cubanas
Filme lançado, Silvio Tendler já está trabalhando em novos projetos. Seu próximo filme será sobre a fome. “Já são cerca de 600 mil mortes por conta da covid e desse governo irresponsável. Mas, para além disso, quantas milhares de pessoas morreram de fome, perderam suas casas, suas condições de vida, seus empregos, pelo mesmo governo genocida. O Estado mínimo é a miséria em estado absoluto. Então temos que lutar contra isso.”
Outros projetos do cineasta incluem Uma questão da Justiça (https://www.youtube.com/watch?v=hoZmeAmVLi4), sobre a perseguição jurídica ao militante petista, ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, e também a história do líder trabalhista Leonel Brizola, que teve a legenda do PTB “garfada” por Roberto Jefferson. “Vou contar essa história direitinho. O PTB era pra ser o partido do Brizola, do trabalhismo de Getúlio Vargas e do Jango. Numa manobra, entregaram para a Ivete Vargas, e o Brizola teve que inventar outro partido.”
Silvio Tendler participou do Soberania em Debate no dia 13 de agosto, data do aniversário de Fidel Castro. O cineasta destacou, então, três “lições” que lhe foram ensinadas pelo revolucionário cubano. A primeira veio de uma frase que leu na sala do cineasta Santiago Álvarez, segundo a qual intimidar-se frente à propaganda é como intimidar-se frente aos inimigos. “Ou seja, não tenham medo de falarem mal de você, lute, contra-ataque”, lembra.
A segunda lição viu num filme. Durante um mergulho no mar, Fidel é perseguido por um tubarão; quando aceita que não conseguirá escapar, volta-se para enfrentar o bicho, que afinal foge. “Así se hace con los imperialistas”, ensina. Finalmente, em 1970, quando Cuba tentou fazer a safra dos 10 milhões, que daria independência econômica ao país, percebendo que não alcançariam a meta, Fidel não fez nada, mas continuou tocando o processo e começou a preparar o espírito da população para transformar o revés em vitória.
“São três lições que aprendi com o aniversariante de hoje, e que considero fundamentais para a luta que estamos enfrentando no mundo e no Brasil, contra esse perverso, sádico, que ri da morte dos nossos companheiros e companheiras”, afirma o cineasta, que quer “mudar o mundo pela arte”.
> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).
> Assista na íntegra ao Soberania em Debate com o cineasta Silvio Tendler, entrevistado pelo advogado e cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, coordenadora do SOS Brasil Soberano.