SOBERANIA EM DEBATE

Quinta-feira, às 16h

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A vingança da linha dura militar no projeto Bolsonaro

Quando foi demitido por Geisel, em 1977, Silvio Frota soltou nota acusando o então presidente de “tolerar a infiltração de pelo menos 97 comunistas na administração” e de ter restabelecido relações com a China, “primeiro passo na escalada socialista que pretende dominar o país”, segundo notícia do JB, de 13/10/1977


Vários acontecimentos recentes sinalizam um novo patamar na escalada autoritária na Presidência, que continua contando com o apoio integral das Forças Armadas

Francisco Teixeira*

Precisamos pensar na República. Os últimos acontecimentos — fortalecimento do Governo, aumento da popularidade do PR, novo acordo com as Forças Armadas (FFAA), liquidação dos rastros das milícias/Escritório do Crime, aprofundamento do alinhamento internacional/Aliança Cristã, patinamento da Oposição, etc…– marcam um novo patamar alcançado pelo governo e por seu Projeto de Poder.

Cabe a nós, do Campo Progressista, reavaliar, in totum, nossas análises. Admitir, inclusive, alguns erros. Ao menos, “meus” erros ao pensar a chegada do “novo pessoal” ao poder, entre os quais destaco:

1. Avaliar o Governo Bolsonaro como um “não-Projeto”, definido somente pela recusa do petismo, como se não tivesse sua própria e extensa agenda.

2. A expectativa, ou esperança, de um “Governo Leite Glória” (dissolve, sem bater), alimentada pela grande imprensa, de que o principal inimigo de Bolsonaro é… Bolsonaro.

3. Acreditar que houve, a partir dos entreveros com os generais Santos Cruz, Rocha Paiva (que jamais saiu do governo), Jesus Corrêa ou Santa Rosa, um “racha” entre as FFAA e o Governo Bolsonaro.

Em verdade, o “sentimento profundo” que levou Bolsonaro ao poder continuou sempre enraizado nas FFAA, e a maioria da força manteve-se apoiando o Capitão fielmente. Dos oficiais demitidos, apenas Santos Cruz assumiu uma posição inconformada, e assim mesmo sem eco nenhum na tropa.

Os generais Ramos, Heleno, Mourão, Pujol e Fernando continuaram como garantidores seguros do Bolsonarismo nos diversos campos fundamentais do Governo: privatizações, ultraliberalismo, desnacionalização, alinhamento automático na Política Externa, descaso pela segurança pública (exceto pela ameaça com GLO-Garantia da Lei e da Ordem), liquidação das estruturas de Ciência, Tecnologia e Educação, e controle de Artes e Cultura, com especial discurso anti-ONGs.

A nossa — a minha, pelo menos — busca por “fissuras”, diferenças, formação de “diques” de resistência no campo militar expressa bem mais um espelhismo psicológico do que queríamos na realidade. Não a realidade.

Nada, absolutamente nada falaram os militares contra a destruição das instituições de C&T, em defesa da Soberania Nacional ou das condições de vida da maioria do povo brasileiro.

Da mesma forma, centramos nossa análise não na origem mas no resultante: a “boquinha”.

A Reforma da Previdência Militar, os cargos, as nomeações, TCCs, viagens, o Estado inchado de cargos de confiança e a noção weberiana de burocracia totalmente subvertida – tudo isso são ferramentas, não objetivos.

Não é a causa. Esse é o resultado.

A causa reside num Projeto de Poder que se revela aos poucos, mas anunciado desde bem antes: a destruição da Nova República e de sua Constituição de 1988.

Durante a chamada “Abertura” — iniciada em 1974, passando pelos governos Geisel e Figueiredo, e concluída em 1988 com a promulgação da nova Constituição –, havia em luta três projetos:

1. O reacionário, forjado entre 1977 e 1979 pelo general Sílvio Frota (ministro do Exército de Geisel) e seus seguidores, de manter a República Autoritária e Militarizada ( descrito no seu livro “Ideais Traídos”).

2. O Projeto Golbery-Geisel, de uma República SemiDemocrática, tutelada pelas FFAA, via um pacto “pelo alto”, com as !forças políticas confiáveis”.

3. Um projeto que emerge do empuxo das forças populares, nas ruas (Movimento da Anistia, das Diretas Já), que se apossa do Projeto Golbery-Geisel e o empurra numa direção mais popular e democrática. Acaba sendo “pactuado” pelo Acordo de Minas Gerais entre Sarney, Tancredo, Ulysses, Marco Maciel, Brizola, sem o PT, e que resulta na Nova República.

As forças derrotadas – o Gabinete Sílvio Frota, que apelou inclusive para a violência terrorista na tentativa de evitar a implantação da Nova República, os inconformados, os que negam a história, a ditadura e a tortura, os que querem a revisão do livro didático e tem Ustra como herói — estão hoje no Poder.

O Projeto é claramente derrubar a Nova República e promover a vingança contra os “traidores” do Projeto Golbery-Geisel, como exigiam os jovens capitães do Gabinete Sílvio Frota. Um deles era o então capitão Augusto Heleno.

Foto: General Augusto Heleno

*Francisco Teixeira é professor titular de História Moderna e Contemporânea/UFRJ, professor titular do CPDA/UFRRJ. Prêmio Jabuti 2014.