SOBERANIA EM DEBATE

Quinta-feira, às 16h

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“Virar a página” do 08 de janeiro sem punir militares envolvidos alimentará a tutela das Forças Armadas sobre a República Brasileira

 

“É preciso organização e pressão popular para que o Governo chegue a qualquer parte. Ele tem que dar certo, porque a alternativa é muito ruim. E isso depende da ação de todos nós”. O alerta é do historiador Francisco Carlos Teixeira, convidado do Soberania em Debate de 05 de outubro, que tratou da punição – ou da não punição – dos militares que colaboraram, por ação ou omissão, da tentativa frustrada de Golpe de Estado de 08 de janeiro.

Na história do Brasil, os capítulos que trazem golpes contra a democracia não são poucos. Em duas das últimas três ocasiões em que foram usados como ferramenta de subversão da vontade popular expressa pelo voto – a instituição da ditadura em março de 1964, o golpe parlamentar que destituiu a presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016 e a tentativa de derrubada do Governo Lula em 08 de agosto -, as Forças Armadas foram protagonistas.

Essa tutela militar aos poderes constitucionais, segundo diversos historiadores, se mantém intacta graças à conciliação pactuada para a transição democrática na década de 1980: os crimes não julgados de 21 anos de Ditadura Militar se transformaram em ovos de serpentes que seguem sendo chocados desde então e, por muito pouco, não eclodiram no início de 2023. “Dentro da transição pactuada, chegou-se à conclusão que não se deveria questionar a anistia, abrir auditorias da dívida externa ou processos por sequestro, tortura, ocultamento de cadáveres ou corrupção. Este conjunto de coisas é que pavimentam hoje uma visão idílica da ditadura em comparação com a democracia”, destaca Teixeira.

Virar ou não virar a página?

Enquanto os golpistas civis presos pela invasão da Praça dos Três Poderes recebem penas entre 12 e 17 anos de prisão pelos crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, avançam as investigações sobre a participação dos militares no ocorrido. O que veio à luz até agora aponta para uma participação ativa do alto Comando das Forças Armadas no planejamento do golpe frustrado. O que não está certo, ainda, é se esses militares serão punidos ou se repetiremos a conciliação, deixanndo para trás mais um capítulo inconcluso da história do país.

Nem mesmo dentro do Governo que sofreu a agressão há consenso. “O Gabinete de Segurança Institucional – primeiro com o general Gonçalves Dias e, agora, com o general Amaro -, o ministério da Defesa e o chanceler Mauro Vieira, por motivos totalmente superficiais, estão em uma pressa muito grande para virar essa página. Eles usam uma expressão o tempo todo: virar a página da história”, destaca o professor. “Em outro grupo, temos o ministro da Justiça Flávio Dino e Ricardo Capelli no GSI, a Advocacia Geral da União, com Jorge Messias e o Supremo Tribunal Federal, com o próprio Alexandre de Moraes, buscando levar a frente o processo, mas encontrando dificuldades”, explica Teixeira.

Agentes ativos do golpe

Entre os vazamentos seletivos das delações do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid, está a reunião do então presidente com a cúpula das Forças Armadas para a discussão de detalhes de um golpe para mantê-lo no poder após a derrota nas urnas. Segundo Cid, tenente-coronel do Exército, o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha, foi o único a embarcar no plano do golpe. O comandante do Exército, general Tomás Paiva, teria se recusado a participar e alertado o então presidente: “Se o senhor for em frente com isso, serei obrigado a prendê-lo”. Para Francisco Carlos Teixeira, que conviveu de perto com alguns desses atores no ministério da Defesa e na Escola de Guerra Naval, a delação não tem credibilidade.

“O que os vazamentos seletivos da delação de Cid mostram é que o tenente-coronel continua protegido pelo antigo alto Comando e pelos comandantes militares do Exército. Eles aparecem como legalistas, e sabemos que não era o caso”, destaca Teixeira. O professor aponta os fatos que comprovam que, na prática, a participação do exército foi bastante evidente: diversos militares de alta patente estavam nos “acampamentos patrióticos” e, quando foi emitida a ordem de prisão dos golpistas, o general Júlio Cesar de Arruda, então comandante do Exército, colocou blindados contra a Polícia Militar do Distrito Federal e Polícia Federal. Já o comandante da Guarda Presidencial, coronel Paulo Jorge Fernandes da Hora, aparece em vídeo apontando entre os detidos no Palácio do Planalto aqueles que não deveriam ser presos. “Esse é nosso”, afirmava para os PMs, retirando determinadas pessoas do grupo de golpistas.

Sem anistia

“Neste momento, é importantíssimo para o rompimento da prática da tutela militar sobre a República, que os militares sejam julgados por seus atos. A confiança da população nas Forças Armadas desabou. Em três meses, caiu cinco pontos. Os militares foram expostos com o uso abusivo de recursos públicos. Se resolvermos virar esta página sem punições, perderemos a oportunidade e confirmaremos a tutela militar sobre a República”, aponta o professor.

Para que a página não seja virada, segundo Teixeira, é preciso superar a narrativa apresentada por Mauro Cid e reafirmada pelas Forças Armadas. “Arruda, Freire e Cid, principalmente, são oficiais das Forças Especiais, que trabalham com o conceito de guerra psicológica adversa, de espalhar versões para desorientar as pessoas. Eles usam a tática o tempo todo e instrumentalizam a imprensa para espalhar essas informações como verdadeiras. É preciso ter muito cuidado com isso”, aponta.

Exemplo da tentativa de moldar a opinião pública, segundo Teixeira, foi a entrevista do General Tomás Paiva, Comandante do Exército, em setembro. Na ocasião, ele descartou a capacidade da Marinha em participar de um golpe: “Que tropas ele (Garnier) tinha pra essa aventura maluca?”, indagou. Teixeira lembra que Garnier comandava o corpo de Fuzileiros Navais, com 18 mil homens treinados, armados e com uma gigantesca base em Brasília. “Claramente, a declaração do general Tomás é um elemento dessa guerra adversa, psicológica, que a imprensa engoliu por seu desconhecimento das forças militares. Não podemos nos deixar levar por essas informações”, alerta Teixeira.

Assista o programa completo do Soberania em Debate com Francisco Carlos Teixeira no canal do SOS Brasil Soberano no YouTube.