A militância política contra a desigualdade social deve incorporar também a luta por igualdade de direitos entre gêneros e raças, agregar bandeiras para aumentar o movimento, defende o publicitário Spartakus Santiago, que tem cerca de 200 mil seguidores no Facebook (Sparkatus Vlog), além de outros 15 mil no YouTube (canal Sparkatus). Segundo ele, as pautas chamadas identitárias não competem com as agendas tradicionais da esquerda, mas somam no enfrentamento a “quem está lá no topo”.
“As pessoas precisam entender que há vários níveis de opressão”, afirmou, durante entrevista à jornalista Camila Marins, no Soberania em Debate, promovido no último dia 14 pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ) e pela Federação dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). “Não adianta buscar o fim da desigualdade social, se você não entende que existe a desigualdade racial, de gênero, outras lutas, e elas não competem. É uma forma de agregar pessoas à luta.”
Segundo ele, muitos ativistas do movimento negro estão descrentes, porque segmentos de esquerda, em vez de abraçarem essa pauta – até como forma de atrair mais gente que se identifica com esse discurso –, não a levam a sério. “Os movimentos têm que ser inteligentes e responder a esse anseio da população, dessas lutas identitárias, e trazê-las para sua luta, porque é tudo uma luta só, contra a opressão."
Ciberativista, o vlogueiro está aberto a dialogar nas redes, mesmo com aqueles de quem discorda. Quer desconstruir preconceitos e combater a desinformação disseminada pelos “discursos de ódio” que tentam capturar setores sociais conservadores para objetivos eleitorais. Um efeito crítico do desencontro entre os movimentos de esquerda que focam a pauta econômica e as minorias, diz, é a apropriação das pautas de raça e gênero por esses grupos. “O Brasil tem sérios problemas. E alguns grupos preferem criar problemas imaginários para atacar esses monstros fictícios.”
Por exemplo, ele observa que aquilo que se convencionou chamar de ideologia de gênero não existe. Há simplesmente identidade de gênero: “o mundo passando a entender que as pessoas transgênero são humanas, têm direitos, e levando esse conhecimento às escolas para que entendam que esse pessoal tem direito e parem de rir deles.” E como funciona, nesse contexto, o discurso de ódio? “Esses grupos se apropriam do tema e vão para a população mais conservadora, que não entende do que se trata, e criam um monstro para poder ganhar votos. Não atacam problemas reais, não levam propostas. E se apresentam como heróis que vão salvar o país.”
Nesse sentido, Spartakus tenta sistematicamente dialogar nas redes, num esforço de pedagogia política rara no atual contexto das mídias sociais. “O que eu vejo hoje, tanto dos movimentos de esquerda quanto da direita, tanto dos conservadores quanto dos progressistas, é uma tentativa de destruir o adversário”, diz. Para ele, é necessário um trabalho de desconstruir a base de desinformação do sujeito que odeia – “As pessoas foram levadas àquele pensamento por um contexto, que é preciso desconstruir. Caso contrário, não estaremos usando a nossa voz na maior potência, que é tentar se comunicar com o outro.”
Nos seus próprios perfis no Youtube ou no Facebook, o publicitário reconhece que recebe “muito ódio”. Mas não descarta aqueles internautas com quem percebe que há possibilidade de interação e argumentação. “Recebo muitos comentários que são de direta, de quem discorda das cotas, etc. E eu respondo, porque abriu-se ali uma porta para desconstrução. Não sou o dono da verdade, a internet é um diálogo e, na hora que as pessoas se abrem ao diálogo, vou ter a maior paciência para explicar as coisas.” Especialmente, destaca, porque a desinformação não é natural — mas tem sido fomentada na rede por meio de manchetes falsas, que buscam atingir determinados políticos, de modo a favorecer a outros.
“Os políticos viram nisso uma arma política, uma forma de manipular a população. Foi isso que elegeu Donald Trump e também está acontecendo muito no Brasil. As pessoas não checam as notícias. O maior desafio é aprender a usar as redes sociais a nosso favor, não deixar a desinformação se espalhar.”
Lugar de fala e representatividade
Os vídeos de Sparkatus desfazem boatos e falsas polêmicas e também descomplicam conceitos importantes para o movimento social. Por exemplo, o “lugar de fala”, que, ao contrário do que alguns tentam fazer crer, não propõe silenciar os grupos sociais privilegiados, mas assegurar a credibilidade e o respeito de que desfrutam há séculos também aos posicionamentos das populações oprimidas. “O homem rico, branco, fala contra as cotas e esse conhecimento é valorizado. E deixam de ouvir as pessoas que têm o conhecimento prático da realidade, a pessoa negra. O mesmo em relação à questão LGBT, ao feminismo. Lugar da fala é dar espaço para que a minoria fale por si”, explica.
O publicitário lembra, por exemplo, as diferentes reações nas redes às declarações recentes denunciando racismo feitas pela atriz Taís Araújo e pelo ator Bruno Gagliasso. “Uma fala foi questionada, a outra não. Para ver como a fala do negro é questionada na sociedade.”
Outro fundamento relevante destacado por Spartakus é a noção de representatividade. “A gente cobra muito das marcas: não dá para ver filmes, novelas, campanhas de empresas que se dizem ‘gay friendly’ mas não têm LBGT em cena. Hoje em dia, a luta não se restringe à comunicação, as empresas precisam transformar seus discurso em ação.”
Apesar da força das redes sociais, o grande alcance da mídia tradicional torna importante, diz, a pressão para que, por exemplo, as novelas tenham pessoas negras no elenco. “A mesma mídia que fala contra a LGBTfobia, o racismo, faz produções sem essa representatividade”, observa. Na publicidade, área em que atua, o vlogueiro diz que são apenas 3,5% de profissionais negros – uma dupla discriminação, nos próprios postos de trabalho e midiática, na produção comercial dos anúncios.
O exemplo, a visibilidade, a presença efetiva de negros, mulheres, LGBT, em postos de relevância e valorizados são a melhor ação contra a discriminação e o preconceito, na opinião do ativista. “Ninguém ensinou que uma pessoa branca é bonita; é um discurso cultural", diz Spartakus. "As pessoas vão vendo e seguindo as referências. Assim você constrói a imagem do cabelo bonito, aquele cabelo liso, que aparece na TV.” Poder assistir nos meios de comunicação a artistas como Liniker ou Pablo Vittar e perceber que são desejáveis e interessantes é um processo transformador, ressalta. “A estética é muito política.”
Para as eleições de 2018, ele acredita que o mais importante é entender que se está votando em um projeto, e entender "de qual o projeto a gente precisa para o país”. Considerando todos esses níveis de enfrentamento que a busca de igualdade e justiça social envolve.
A pedido de internautas que acompanharam o debate, o vlogger e publicitário indicou livros e canais de referência do YouTube:
Livros
. “A Elite do atraso”, Jessé Souza (Ed. Leya)
. “O que é lugar de fala”, Djamilla Ribeiro (Letramento/Justificando)
Youtubers
. Nátaly Neri
Clique para conferir o Soberania em Debate com Spartakus Santiago na íntegra