A especialista em educação que coordenou a Rede de Estudos de Implementação de Políticas Públicas Institucionais até outubro apresenta os desafios para a universalização da educação nas grandes metrópoles e a responsabilidade dos municípios nesse processo
Uma cidade precisa ser humanizada e educadora. Apesar da redundância aparente, há cidades que não são nenhuma das duas coisas. O princípio da ‘cidade educadora’ foi implantado em diversas cidades pelo mundo, com o objetivo de construir cidades com políticas públicas voltadas para a garantia da cidadania e dos direitos de seus cidadãos, com inclusão, emprego, renda, com relações baseadas no diálogo, justiça social e fraternidade. A educação é fundamental para alcançar esses objetivos, podendo, inclusive, alterar um destino que parece fadado ao fracasso, à fome, à miséria, predestinado para populações vulneráveis, mas que pode ser alterado em uma cidade educadora.
Uma cidade educadora é o que a professora Fátima Lima, mestra, doutora e pós-doutora em educação, quer para as cidades do Rio e do Brasil. Entrevistada no Soberania em Debate, parte da série especial ‘Cidades’, no dia 19 de setembro, a especialista fez um diagnóstico da educação nas cidades. Segundo ela, há avanços e gargalos evidentes. Ela aponta que é uma grande conquista brasileira que todos os seus municípios ofereçam educação pública no ensino fundamental 1 e 2, creche e pré-escola. Mas a desigualdade segue marcando fortemente esse sistema educacional.
“Em relação às creches, por exemplo, está estabelecido no Plano Nacional de Educação, que pelo menos 50% das crianças de 0 a 3 anos devem estar em creches. Isso não acontece nem mesmo no Rio de Janeiro, uma cidade que é vitrine do Brasil para o mundo, mas onde não conseguimos assegurar esse direito. E digo isso contando as creches conveniadas, que cresceram muito na cidade. Essa é uma etapa fundamental do ensino. Tenho netos que estão em creches no Rio de Janeiro e a gente sabe que além de não ter o acesso garantido, também temos uma restrição em relação ao horário. Elas deveriam funcionar em horário integral. O que temos é o horário estendido, que garante 7 horas, prejudicando as mães que precisam trabalhar”, apontou a educadora, que é, também, pesquisadora do campo das políticas públicas educacionais e da sociologia da educação.
Outro problema trazido por Fátima ao debate e que, segundo ela, precisa ser enfrentado e combatido com urgência, é a retração das políticas que mantêm o programa de educação de jovens e adultos – EJA. A modalidade de ensino voltada àqueles que, por algum motivo, tiveram a educação básica e média descontinuada e, por isso, não puderam concluir seus estudos na idade adequada.
“Ela vem sendo reduzida em diversos municípios. No Rio, essa retração foi de 30% de matrículas entre 2020 e 2024. Não é pouca coisa. Temos no país 20% dos jovens entre 15 e 29 anos que são chamados de ‘nem nem’, mas eu prefiro chamar de ‘sem sem’, sem escola e sem emprego. Essa é uma opção do executivo. Quando contabilizamos o número de salas de aula, algumas foram fechadas ou transformadas em outros espaços. Temos espaço físico e temos procura, mas há carência de professores. A EJA acaba sendo a modalidade mais precarizada. Na falta de professores para atender o ensino fundamental, retira-se professores da EJA”, explica Lima, que defende que, se não for possível expandir a EJA, que pelo menos haja manutenção das turmas já existentes.
Valorização dos professores
Salas superlotadas, salários reduzidos – muitas vezes, abaixo do piso nacional estabelecido em lei -, profissionais adoecidos física e mentalmente. A transformação de uma cidade para que ela seja educadora não acontecerá sem a valorização dos professores. O caminho, segundo Fátima, passa pela ampliação dos concursos públicos.
“É preciso assegurar condições adequadas de trabalho, mas seguimos fechando quadras de esporte, laboratórios, salas de leitura, reduzindo a qualidade do trabalho para os professores e do aprendizado para os alunos. Também precisamos, em grandes municípios, como o Rio de Janeiro, de mais concursos públicos. Estamos em uma toada de contratações precarizadas, que não geram vínculos com a escola. São contratos temporários, às vezes volantes, que precisam andar de escola em escola. Sabemos que existe a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas é possível assegurar salários considerando 60% do orçamento. Na cidade do Rio, não chega a 50% dele. Ou seja, é opção política”, destacou.
No papo com a jornalista Beth Costa, Fátima ainda tratou dos feminicídios e do poder das elites agrárias sobre os temas nacionais, destacando o caráter pedagógico do enfrentamento a elas. Confira a entrevista no YouTube do SOS Brasil Soberano.
O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo.
Rodrigo Mariano/Senge RJ | Foto: Geovana Albuquerque/Agência Brasília