Conscientizar a população da importância de restituir no país a democracia plena e os benefícios sociais derivados do desenvolvimento econômico são a chave para unir a oposição contra o governo Bolsonaro, na avaliação dos debatedores do Café com Política, encontro realizado pelo Movimento SOS Brasil Soberano, no dia 18 de novembro, no Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).
“Temos muitas frentes de batalhas, mas precisamos destacar as que mais nos preocupam neste momento”, afirmou deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), para quem os partidos devem evitar a armadilha das disputas dentro do campo progressistas para a futura eleição presidencial. “Para dar organicidade ao campo da oposição, é preciso não antecipar o palco de 2022. Temos lutas para fazer agora, imediatas, grandes lutas políticas.” No centro desse enfrentamento e da construção de frentes, diz a parlamentar, está a “questão democrática”, para garantir o Estado de Direito no País.
Além da deputada, participaram do encontro a jurista Carol Proner, doutora em Direito Internacional e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), e o jornalista Fernando Brito, do blog Tijolaço, com mediação do historiador Francisco Teixeira e do presidente do Senge RJ, Olímpio Alves dos Santos.
Jandira ressalta que, “com toda a legitimidade dos partidos para terem cada um o seu candidato [para as eleições presidenciais de 2022]”, a hora é de não “olhar o próprio umbigo”. Nesse sentido, Carol Proner chama a atenção para os golpes latino-americanos (leia aqui). “As esquerdas latino-americanas ficam pensando no calendário eleitoral, quando está provado que eleição não assegura mandato”.
O presidente do Senge RJ, Olímpio dos Santos, destaca a urgência de buscar saídas. “Temos a dissolução do PSL, partido do presidente Bolsonaro, a CPI das Fakenews, a expansão das milícias, desemprego, desalento e vários indícios que associam pessoas muito próximas ao presidente do crime que matou a vereadora Marielle Franco, do Psol, e seu motorista, Anderson Gomes. Não sei se estamos em uma anarcorrepública, em uma República de milicianos, ou de idiotas, ou tudo isso junto.”
Na opinião do dirigente sindical, “talvez o arranjo político em que vivemos há mais de um século não seja mais capaz de dar solução para o quadro atual; não seja capaz de construir uma nação com mais igualdade e soberania”.
Para Jandira, a desigualdade é “a marca do Brasil, a grande marca da sociedade brasileira, assentada sobre a escravidão, presente nas questões de classe e de gênero de forma estrutural”. Por isso, um dos temas centrais o Congresso, acredita, trata da reforma tributária. “Queremos a tributação das grandes fortunas, das altas rendas, das heranças e grandes patrimônios. A reforma tributária progressiva é um instrumento fundamental de combate à desigualdade.”
Outro aspecto prioritário, afirma a parlamentar, é a comunicação, envolvendo acesso a dados e a questão da privacidade – com as ameaças à manipulação da informação trazidas por aplicativos como o Whatsapp ou sistemas de analytics, como os utilizados por Steve Bannon nos EUA. “Importante saber como vamos enfrentar as próximas eleições. Precisamos impedir, pelo menos, o disparo em massa de mensagens, em processos semelhantes aos do telemarketing, e garantir direito de resposta para as mensagens com informações falsas. Se não, cairemos na mesma armadilha da eleição de 2018.”
A questão econômica e social
Ao mesmo tempo, a luta contra o governo Bolsonaro, na opinião do historiador Francisco Teixeira, deve incorporar os “conteúdos sociais”. Ou seja, combater as políticas “que não já não são nem liberais, mas ultraliberais, que atingem classes trabalhadoras e médias, representando perda de direitos tremendamente dolorosa para a sociedade brasileira”.
Aponta, nesse sentido, a existência de cerca de 12 milhões de desempregados, 5 milhões de desalentados, 20 milhões na informalidade e no subemprego. Um total que é ainda maior, se multiplicado por 4.5, referente aos dependentes e demais integrantes do núcleo familiar de cada trabalhador.O argumento de base para as políticas fiscalistas do governo fundadas na redução de direitos não se sustenta, alertam os debatedores. “Há uma imensa mentira sobre o endividamento do país — não temos dívida em moeda forte, estrangeira, mas em real, que controlamos, com credores do grande capital, nacionais, com os quais podemos negociar e encontrar meios de transformar em investimento, fazer auditagem, alongar o perfil da dívida, convertê-la em letra”, diz Francisco Teixeira. “São mil alternativas. Não há razão para transformar essa dívida em elemento central da economia brasileira – é um ato antipatriótico, antipopular e contra a soberania brasileira.”
O jornalista Fernando Brito concorda com a relevância da pauta econômica para recuperar representatividade política. “Não dá para pensar em oposição política sem fazer oposição ao projeto econômico-social, que marca a grande diferença entre projetos populares e os liberais”, defende. Ele observa que mesmo os liberais que consideram o governo Bolsonaro “um desastre”, apoiam o seu programa para a economia. “Mas nós dizemos que o governo é um desastre e que o estrago econômico pode ser permanente. Depois de entregue a Embraer, tomá-la de volta é quase impossível. O mesmo no caso dos poços de petróleo. As praças de litígio são todas em Nova York, nos EUA.”
Para Brito, a saída do Brasil só se dará “pela capacidade do Estado de fazer rodar a manivela da economia, e o país voltar a funcionar”. A República, segundo ele, depende, também, da restituição da normalidade democrática – entre outras medidas, com a decisão do STF que confirmou a presunção de inocência. Necessário, ainda, afirma, que se conscientize “o povo brasileiro de que não é resultado do que fizeram o Lula e o PT o desastre em que o pais se encontra”.
O não-programa da extrema direita
Na trajetória histórica até a radicalização do pensamento conservador, o jornalista Fernando Brito lembra o período dos governos de Margaret Thatcher (primeira-ministra britânica, de 1979 a 1990) ou de Ronald Reagan (presidente dos EUA entre 1981 e 1989), quando se deu a desfiguração dos partidos sociais-democratas da Europa e de Israel, cedendo ao pensamento único do liberalismo. “Os partidos comunistas praticamente desapareceram e os sociais-democratas não voltaram a ter expressão popular. Foi quando surgiram os primeiros partidos de extrema direita, mas que eram então colocados numa espécie de gueto na política”, lembra.
O que aconteceu, explica o editor do Tijolaço, foi que esse processo de transformação política na Europa liberou forças extremamente conservadoras. “No Brasil, [essas forças] tiveram característica especial: fortaleceram-se a partir de uma malha de interesses que se expressava no Judiciário, e estabeleceram uma luta muito desigual. Como vou travar uma luta com quem tem o poder de condenar e, como se viu com o Lula, de prender? O Judiciário tem todos esses poderes e nem se apresenta como partido político.”
Nesse sentido, Brito avalia que Bolsonaro seja um efeito “inevitável da transformação das instituições judiciárias e para-judiciárias em máquinas de poder”. Um processo que, observa o jornalista, “nasceu junto com o desespero da direita em perder mais uma eleição, em 2014. E encontrou nas forças de esquerda a concessão, a perda dos seus modos de governar, como sendo a moeda pela qual a direita respeitaria o processo democrático. No entanto, quanto mais se alimenta a matilha, mais feroz ela fica.”
Essa diluição, na avaliação de Brito, provocou na população a perda de referências do que cada grupo político representava. O vácuo político, então, a direita ocupou com palavras-de-ordem fáceis e atemporais, como as do combate à corrupção ou à criminalidade.
“A crise é combustível da direita; a única tarefa que a direita tem que desempenhar é a quebra da normalidade política – ela não tem proposta, programa de investimento, de industrialização, de criação de infraestrutura; o seu único programa é cortar direitos. Como a chance política e eleitoral de um projeto desse tipo é perto de zero, então são necessários alguns valores com que manipular a população: religião, combate à corrupção e criminalidade passam a ser uma espécie de programa eleitoral das forças de direita, na falta de um programa de governo.”