Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Rio de Janeiro, a agressão à advogada Valéria Lúcia dos Santos, que foi algemada por um policial militar na última segunda-feira (10), durante exercício da profissão no Juizado Especial de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, é um reflexo do avanço da violência e do uso da força no Judiciário e na sociedade em geral.
A OAB-RJ vai representar junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a juíza leiga Ethel de Vasconcelos, que determinou a prisão da bacharel, levada para a 59ª DP (Caxias) e liberada após intervenção da Ordem, e também responsabilizar legalmente os policiais militares que a prenderam. Fará, ainda, ato público de Desagravo, na porta do JEC Caxias, no próximo dia 17 (segunda-feira), às 15h.
“Nem mesmo na ditadura militar se viu um advogado ou advogada, no exercício da profissão, presa numa sala de audiência”, afirmou o presidente da comissão de prerrogativa da OAB-RJ, Luciano Bandeira, em coletiva à imprensa. “É uma afronta ao Estado de Direito.” Ele destacou que há legislação federal que veda a prisão de advogado no exercício da profissão – exceção apenas para crimes inafiançáveis em em flagrante.
Na avaliação de Marcus Vinicius Cordeiro, secretário-geral da OAB-RJ, não se trata de ato isolado, mas do avanço de uma cultura de força. “A arbitrariedade tremenda cometida contra a advogada pode revelar, e certamente é um reflexo do grau de intolerância e arbitrariedade que nós estamos vivendo na sociedade – e no Poder Judiciário em especial. Isso é muito grave. A juíza leiga – leiga de tudo, inclusive da Lei – se sentiu com autoridade para tirar um profissional da sala e chamar a Polícia Militar. Se isso foi naquele recinto, cheio de pessoas com consciência crítica, a gente imagina o que acontece pelo Estado afora, em qualquer lugar, com esse tipo de solução de violência e de força. É o que se está pondo e que preocupa à Ordem. As soluções estão sendo encaminhadas para serem sempre de força. Isso nós não toleramos, seja no Judiciário, seja na sociedade em geral.”
Emitiram notas de protesto às atitudes da juíza leiga que comandava a audiência e de solidariedade à advogada, a OAB-RJ, OAB Duque de Caxias, a Comissão Nacional da Mulher Advogada, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por meio de seu Núcleo Contra a Desigualdade Racial, da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Mulher e da Coordenação de Defesa Criminal, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), o Movimento Negro Unificado (MNU) e a Frente de Juristas Negras e Negros do Rio de Janeiro (Fejunn-RJ).
O desrespeito às prerrogativas profissionais da advogada foi identificado por muitas entidades como manifestação de racismo – uma vez que Valéria Lúcia dos Santos é negra –, e de machismo. Efeito, ainda, da fratura das garantias constitucionais no país, onde referências acríticas a torturas na ditadura militar e o elogio à força bruta vão ganhando espaços nos noticiários.
“Precisamos dar um basta ao arbítrio e ao autoritarismo que se alastram na sociedade, atingindo diretamente a advocacia por ser ela protagonista na luta pelo respeito aos direitos e garantias individuais do povo brasileiro”, afirma a nota do IAB. “O episódio revela grave e inadmissível desrespeito à advocacia, merecendo resposta firme e enérgica, para que este tipo de conduta não se generalize ou venha a se repetir por parte de quem quer que seja”, diz ainda. “O inexplicável uso ilegal de algemas confirma a tendência da criminalização da classe, com intensificação de atitudes de desvalorização e desqualificação dos advogados e advogadas. Além da violação das prerrogativas que nos são asseguradas, o ato sugere também discriminação de gênero e raça. O IAB entende que não basta repelir o ato cometido e preconiza a adoção de medidas efetivas no sentido de responsabilizar as autoridades judiciárias e os agentes públicos envolvidos.”
Nesse sentido, as comissões de prerrogativas do CFOAB, OAB-RJ e OAB Duque de Caxias anunciaram que tomarão as seguintes medidas:
a) Representação por abuso de autoridade contra todas as autoridades envolvidas;
b) Representação disciplinar perante as corregedorias, contra todas as autoridades envolvidas;
c) Averiguação da conduta ética-disciplinar perante a OAB, em relação a Juíza Leiga;
d) Encaminhamento de desagravo público em favor da Dra. Valéria Lúcia dos Santos;
e) Assistência integral na ação indenizatória, em face dos danos morais sofridos, caso venha a ser proposta.
f) Solicitação formal de providências às corregedorias envolvidas no sentido de que não se repitam atos semelhantes.
“Não há como não nos manifestarmos enquanto uma Frente que busca inserir no meio jurídico o recorte étnico racial necessário para pensar o Direito de forma ampla e igualitária”, diz nota da Fejunn-RJ. “Deste modo, nos solidarizamos com a Dra. Valéria, compreendendo que à luz da história, negros e negras são tratados de maneira violenta pelo Estado. Não basta ser Doutora, operadora do Direito. O Estado de maneira eficaz ousa nos colocar no lugar o qual pretende que estejamos por todo o sempre. O Supremo Tribunal Federal por meio da Sumula Vinculante n.º 11 regulou a utilização excepcional das algemas. No caso do fato ocorrido com a Dra. Valéria, ainda assim, em momento algum se enquadra na hipótese prevista no referido verbete, ainda mais sem a presença de um delegado da OAB. Repudiamos o uso das algemas e o tratamento da Dra. Valéria Santos, em pleno exercício na profissão. O episódio de hoje mais uma vez demonstra a importância da FEJUNN – RJ existir. Demonstra a fragilidade que vivemos enquanto negros e negras, para além dos dados estatísticos do cárcere e da letalidade, também no exercício de nossa profissão, com o agravante pelo fato ter ocorrido no meio jurídico. Queremos justiça, o exercício do Direito, a dignidade para alcançarmos uma sociedade livre, justa e verdadeiramente democrática.”
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por meio de seu Núcleo Contra a Desigualdade Racial, da Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Mulher e da Coordenação de Defesa Criminal, considerou a detenção da advogada “ilegal, arbitrária, desproporcional e vexatória”. Diz ainda a nota que “a utilização abusiva da força contra a profissional, que além de colocada no chão da sala de audiências foi algemada, representa afronta ao entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (verbete nº. 11 da sua Súmula de Jurisprudência Vinculante), bem como às prerrogativas inerentes ao exercício da advocacia, garantidas pela Lei nº. 8.906/94. Manifestamos nossa solidariedade à vítima e colocamos à disposição os Núcleos especializados para responsabilização dos funcionários do Estado envolvidos nas arbitrariedades, bem como para buscar a devida reparação pelos danos à sua dignidade. Lamentamos ainda que o padrão de violações sistemáticas de direitos perpetradas por agentes públicos encarregados da aplicação da lei e do exercício da jurisdição permaneçam profundamente influenciados por marcadores de gênero e raça.”
Confira as notas na íntegra:
https://www.iabnacional.org.br/noticias/nota-do-iab-sobre-agressao-a-advogada-em-duque-de-caxias-rj
https://www.oab.org.br/noticia/56642/nota-oficial-sobre-o-grave-atentado-as-prerrogativas-profissionais-durante-audiencia-em-duque-de-caxias-rj
https://www.oab.org.br/noticia/56643/nota-de-repudio-da-comissao-nacional-da-mulher-advogada
https://www.facebook.com/FejunnRJ-451388428568574/