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Quinta-feira, às 16h

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Casuísmo de Fachin contra Lula: a Constituição rasgada, de novo

George Grosz, detalhe

Jorge Folena*

Meu saudoso professor na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, Nelson Maciel Pinheiro Filho, sempre dizia: “no Brasil, a classe dominante não dorme!”.

Mais uma vez, essa afirmação fica evidente, diante do teor da decisão do ministro Edson Fachin nos autos do Habeas Corpus 193.726/PR, em que transferiu a competência para o julgamento do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba (antes sob a titularidade do ex-juiz Federal Sérgio Moro) para a Justiça Federal do Distrito Federal.

Porque a decisão de Fachin é milimétrica e pode ter objetivo certo; qual seja, a continuação do caminho traçado pela classe dominante brasileira em 17 de fevereiro de 2016, por meio do mesmo Supremo Tribunal Federal, que, naquela oportunidade, pelos votos de Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e do próprio Edson Fachin, pôs fim à  presunção de inocência com o julgamento na segunda instância.

Foi essa mudança surpreendente na jurisprudência do STF que possibilitou que Lula fosse julgado a toque de caixa, sentenciado e preso. Deste modo, arquitetaram a sua inelegibilidade tendo em vista a eleição de 2018, o que de fato ocorreu, e como alertamos que poderia ocorrer, no livro  “Constituição Rasgada: anatomia do golpe” (Senge-RJ/2016).

No último final de semana, foi anunciada pesquisa de opinião na qual Lula apareceu como principal candidato à eleição presidencial de 2022, o que demonstra a insatisfação crescente com Bolsonaro, que não cessa de dar sua contribuição para a continuação das milhares de mortes por Covid-19 e pela destruição política e econômica do país.

Por isso, a classe dominante não pode dormir, até porque os seus protegidos da Lava Jato (Sérgio Moro, Dallagnol, Cármen Lúcia etc.) estão cada dia mais desmoralizados, diante do vazamento de conversas nas quais arquitetaram estratégias nada republicanas.

A declaração de suspeição de Sérgio Moro seria o enterro definitivo da Lava Jato e fortaleceria de vez o ex-presidente Lula, que sempre manifestou que foi perseguido e injustiçado pelo ex-juiz federal e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

Mas a classe dominante, para evitar a derrocada do seu plano de sustentação, conspirou, mais uma vez, contra a democracia e a ordem jurídica, como sempre fez. Agora pelas mãos de Fachin, que, em sua decisão, declarou: “… a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”.

Desta forma, além de proteger Moro, Dallagnol & cia., e seus colegas do STF envolvidos com a Lava Jato, Fachin plantou uma casca de banana, de modo a permitir que Lula seja novamente julgado e condenado por outro juiz federal, agora do Distrito Federal, o qual poderá valer-se das provas pretensamente produzidas no Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Tudo isto, com certeza, tem por objetivo, mais uma vez, promover um célere julgamento de Lula, em primeiro e segundo grau, antes da eleição de 2022, para torná-lo inelegível pela Lei da Ficha Limpa, a exemplo do que fizeram em 2018.

Entendo que, independentemente dos questionamentos que poderão ser apresentados pela combativa defesa do ex-presidente Lula, Fachin não deveria ter inserido na sua decisão a “possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”, pois toda a instrução processual, como a análise de documentos, a determinação de escutas telefônicas, quebras de sigilos bancários, realização de perícias, tomadas de depoimento de testemunhas e depoimentos do réu foram praticados por juiz incompetente, como reconhecido na decisão proferida no Habeas Corpus 193.726/PR.

Logo, todos os atos do processo (e não apenas as decisões judiciais) também são nulos, uma vez que a Constituição estabelece que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. (artigo 5º, LII) Então, se Edson Fachin entendeu que o juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba era incompetente, não deveria Sua Excelência, em sua decisão, ter feito qualquer referência a uma “possibilidade de convalidação dos atos instrutórios”, a serem aproveitados pelo novo juízo responsável pelo julgamento do caso, pois o ex-presidente Lula não foi apenas sentenciado, mas processado por juízo incompetente.

Sendo assim, toda a instrução probatória deverá ser novamente realizada perante o novo juiz do caso; o qual poderá, inclusive, não aceitar as denúncias e mandar arquivá-las, numa projeção mais otimista para a democracia brasileira.

Porém, tudo o que tem sido feito contra o ex-presidente Luís Inácio da Silva tem ocorrido frontalmente contra a ordem democrática e jurídica. Por isso, a casca de banana plantada por Fachin deixa bastante claro que a classe dominante não dorme no Brasil e, sendo assim, por ora, não temos quase nada a comemorar!

* Jorge Folena é doutor em Ciência Política pelo Iuperj, com pós-doutorado pelo CPDA da UFRRJ, e mestrado em Direito pela UFRJ. Também é diretor de Direitos Humanos da Casa da América Latina. Além de diretor do IAB, integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).