No dia 23 de agosto entra em cartaz nos cinemas o longa-metragem “Missão 115”, novo filme de Silvio Da-Rin (Hércules 56). Missão 115 foi o nome dado pelos agentes do DOI-CODI, órgão de repressão do Exército, à operação que pretendia explodir o palco do Riocentro, onde 20 mil pessoas assistiam ao show pelo Primeiro de Maio de 1981. O filme, contudo, segundo seu diretor, vai além da investigação histórica, ao estabelecer pontos de contato entre o episódio ocorrido durante a ditadura civil-militar e a conjuntura atual – entre eles a manipulação dos procedimentos da Justiça em prol de interesses políticos. Por exemplo, no Inquérito Policial-Militar (IPM) que escamoteou fatos para proteger os autores da tentativa de atentado no Riocentro, ou no processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, sem crime de responsabilidade comprovado.
“Não é um filme sobre o passado, sobre um evento ocorrido há quase 40 anos. Aborda o modo como o Exército lidou com o IPM, marcado por aspectos que o comprometiam desde a origem, e também trata das Comissões da Verdade, passando, ainda, pelo impeachment de Dilma Rousseff”, conta Da-Rin.
O roteiro se estrutura em três partes. A primeira, intitulada “o grupo secreto”, apresenta a formação de um coletivo de agentes civis e militares da repressão, organizado para cometer atentados contra a anistia e a abertura democrática. Segue-se “o acidente”, com as explicações dadas pelo Exército para o acidente de trabalho – explosão da bomba no colo de um militar, dentro de um carro estacionado no Riocentro –, tentando incriminar grupos de esquerda, e os detalhes apurados do episódio. Finalmente, a terceira parte trata da “impunidade”, que abre a narrativa para um conjunto de temas correlatos. Nesse sentido, as pontes com o presente, diz Da-Rin, permeiam todo o filme, colocando questões como as limitações da Lei da Anistia, que, na sua opinião, está obsoleta; o trabalho das Comissões da Verdade e “o suposto desaparecimento dos órgãos de segurança das Forças Armadas”.
São mais de 20 entrevistas, inclusive com o ex-policial civil Claudio Antonio Guerra, um dos 15 agentes que foram ao Riocentro na noite daquele 30 de abril, distribuídos em grupos com missões distintas.“Um fator importante que me levou a dar um passo à frente na iniciativa concreta de fazer o filme foi o livro com a extensa entrevista do Claudio Guerra (“Memórias de uma guerra suja”), que era da polícia civil capixaba, cooptado pelo DOI-Codi e pelo coronel Freddie Perdigão Pereira, então chefe do SNI, e depois virou pastor evangélico. Ele confessa ter dado fim a muitos corpos, usando a fornalha de uma usina de açúcar em Campos; que pegava os corpos da Casa da Morte (casa usada para torturas e assassinatos, em Petrópolis); conta o que fizeram com Rubem Paiva, Zuzu Angel, muita coisa.”
“Missão 115” também reúne depoimentos de testemunhas oculares, jornalistas, historiadores, integrantes da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão Estadual, além de relatos relacionados a outros ataques da linha dura militar realizados na mesma época. Foram cerca de cem atentados não resolvidos entre 1980 e 1981, de acordo com o Dicionário Histórico-Biográfico do CPDOC/FGV, citando acusação feita na época pelo deputado Ulysses Guimarães. Um deles, em abril de 1981, apenas poucos dias antes do show do Riocentro, destruiu a gráfica do jornal Tribuna da Imprensa, do jornalista Hélio Fernandes, um dos entrevistados no filme. Outro é o advogado Eduardo Seabra Fagundes, que presidia a OAB em 27 de agosto de 1980, quando um bomba explodiu na sede da Ordem, no Rio, matando Lyda Monteiro da Silva, secretária do conselho federal da entidade.
Microfilmes do Cenimar
Da-Rin também localizou o jornalista Leonel Rocha, que havia descoberto uma caixa com milhares de microfilmes do Cenimar, o Centro de Informações da Marinha, um órgão de repressão e de informação equivalente ao DOI-CODI, do Exército, ou ao CISA, da Aeronáutica. “São centenas de folhas de prontuários que o jornalista imprimiu e doou para a Comissão Nacional da Verdade, provavelmente o maior volume de informação vinda de uma fonte única. Infelizmente não consta de forma destacada no resultado da Comissão, que não enfrentou o problema na proporção que ele possibilitava, em termos de descoberta. Esse material é importante e revelador.”
Os militares nunca foram responsabilizados pelos atentados contra a abertura, embora tenham ocorrido depois da data de promulgação da Lei da Anistia, em 1979, destaca Da-Rin. A bomba do Riocentro, explodindo antes da hora, matou o sargento Guilherme do Rosário, que a levava no colo, e feriu o Capitão (atualmente Coronel) Wilson Machado, que estava ao volante do Puma. Em 2014, a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal do Rio, aceitou a denúncia do Ministério Público Federal contra cinco militares (os generais Newton Cruz, Nilton Cerqueira, Edson Sá Rocha, vulgo "Dr. Silvio", o coronel Wilson Luiz Chaves Machado, vulgo "Dr. Marcos", e o major Divany Carvalho Barros, vulgo "Dr. Aureo", todos reformados), além do ex-delegado Claudio Guerra, responsabilizando-os pelo atentado, considerado crime contra a humanidade e por isso imprescritível. A Justiça negou o argumento, e a denúncia, mais uma vez, não foi adiante.
Direita de massa
Apesar da democratização, Da-Rin observa que o Brasil nunca deixou de ser um país “bastante conservador”, com uma direita que, mais recentemente, ganhou o espaço das ruas. “A direita está mais assanhada. Temos hoje o que o Chile já tem há muito tempo: uma direita de massa. Ou seja, lideranças, movimentos que recebem recursos do exterior e atuam de modo articulado muito fortemente na internet, e fazem intervenções diversas na cena pública.”
Para o diretor, o fato de um general da reserva como Hamilton Mourão, presidente do Clube Militar, ter sido convidado para o posto de vice-presidente numa chapa candidata à Presidência é uma demonstração clara de que a direita quer seu espaço na cena política. “E o próprio golpe de 2016 representa essa base social”, diz. “Foi a percepção de que havia uma base social e o trabalho para expandí-la que permitiram o golpe no Executivo dado pelo Judiciário, pelo Legislativo e pela mídia. Forças que conseguiram tirar uma presidente que não tinha cometido crime algum”.
A presença da direita no quadro político, assim como no Chile, é uma questão que está colocada na vida política brasileira e não vai ser dissolvida, na opinião de Da-Rin. “A direita não vai voltar pra dentro do armário. Conquistou espaços midiáticos, organizações. Não vai regredir. É um problema com o qual vamos ter que lidar.”
Pré-estreias e lançamento
“Missão 115” terá duas sessões de pré-estreia, seguidas de debates, mediados pelo diretor, Silvio Da-Rin:
- Dia 21, no NET Rio, às 20h30. Participarão do debate o procurador Antonio Cabral, que apresentou denúncia contra os responsáveis pelo atentado no Riocentro, e Chico Otavio, jornalista de O Globo que ganhou um Prêmio Esso em 1999 com reportagem sobre o caso Riocentro.
- Dia 23, no Reserva Cultural de Niterói, também às 20h30. O debate, a partir das 22h, será com a advogada Rosa Cardoso, que integrou a Comissão Nacional da Verdade e presidiu a Comissão Estadual, e Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF)
- A partir de 23 de agosto, o filme entra em cartaz no Rio de Janeiro, em Niterói, Brasília e Porto Alegre.