O recente anúncio do Minha Casa Minha Vida Entidades, em cerimônia no Palácio do Planalto em 10/04, marcou um momento importante para a política de habitação do Governo Lula, criado em 2009. Os recursos serão destinados a 206 entidades da sociedade civil organizada ligadas aos movimentos sociais de luta por moradia nas cidades e nas zonas rurais.
É através do MCMV Entidades, por exemplo, que a Ocupação Vitto Gianotti, em um processo de autogestão, irá reformar o prédio no Santo Cristo, destinado definitivamente às famílias no início do ano.
É nesse contexto que o Soberania em Debate, programa do projeto SOS Brasil Soberano, do Senge RJ, recebeu a socióloga e ex-ministra Inês Magalhães, que desde 2017 atua como consultora sênior em projetos e programas de habitação e desenvolvimento urbano para agências internacionais como o Banco Mundial e ONU-Habitat. Entre 2003 e 2016, Magalhães atuou no Governo Federal, no Ministério das Cidades, como Ministra de Estado, Secretária Nacional de Habitação e Diretora de Políticas para os Assentamentos Precários. Participou da reestruturação do setor habitacional, além do desenho, regulamentação e implementação dos dois principais programas de habitação do período: ” Minha Casa Minha Vida” e “PAC – Programa de Urbanização da Favela”.
Desde 2009, segundo governo Lula, é impossível falar de políticas públicas de habitação no Brasil sem passar pela atuação da Caixa Econômica Federal e pelo programa Minha Casa Minha Vida. Criado para assumir o desafio de um programa de larga escala para habitação, com o Governo Federal no controle dos tempos, padrão das unidades e com objetivo estratégico de criar um nicho de empresas especializadas em construir habitações de interesse social no país. “O mercado imobiliário tem a sua dinâmica, mas precisávamos de empresas que considerassem esse perfil como seu nicho de trabalho e tivessem dimensão nacional”, lembra Inês.
Desde então, financiado em parte com recursos da União e, em grande parcela, pelos recursos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), o programa vem avançando. Só no ano passado, entregou 450 mil unidades, parte delas para famílias que ganham até R$2.600 reais.
Obstáculos vencidos
Um programa habitacional federal de caráter nacional precisa, obrigatoriamente, ser implementado sob a autoridade do pacto federativo: segundo a Constituição Federal, são os municípios os responsáveis por decisões sobre onde construir e em que quantidades. Nesse contexto, melhorar as condições urbanísticas nas quais os projetos são inseridos é sempre um desafio que dialoga diretamente com os planos diretores das cidades.
“Ainda é muito difícil fazer a discussão de onde estarão os pobres nas cidades, de quais áreas iremos demarcar como de interesse social. Em alguns espaços, tivemos a questão dos empreendimentos serem designados para áreas muito periféricas. Para melhorar esse aspecto, no novo MCMV, colocamos a apresentação dos terrenos como condição prévia para a seleção dos empreendimentos. Ele tem que cumprir um conjunto de atributos, como ter equipamentos de educação e saúde a uma determinada distância, se houver comércio no local, pagamos mais caro pelo terreno etc”, conta a gestora.
Mesmo com indicadores claros para que o terreno seja elegível para o MCMV, há casos em que os conjuntos habitacionais foram construídos em áreas mais distantes que o desejável, mas as pesquisas mostram que isso vem melhorando. “Os estudos de mais fôlego mostram que o MCMV talvez não tenha sempre conseguido contribuir para trazer as habitações para mais próximo do centro, mas vem aumentando a oferta de habitações populares em áreas melhor localizadas”, conta a ex-ministra.
Além da própria escolha dos espaços que precisam passar por requisitos e articulações, o programa também entrega o esgotamento e fornecimento de água quando necessário, garantindo que nenhum dos empreendimentos habitacionais foi construído sem soluções para cada um dos componentes do saneamento: água, esgoto, lixo e drenagem. “O desafio é que os estados e municípios incorporem a manutenção das estações e a ampliação da rede de saneamento para todas as regiões da cidade”, conta Inês.
Emprego, renda e inovação
O eixo do financiamento habitacional pela Caixa também tem seus desafios e vem apostando na inovação para vencê-los. “É um orgulho para a Caixa ter uma cartela de investimentos para famílias com R$ 2.600 reais de renda que estão pagando e habitando em moradias que elas escolheram. Mas, para essas famílias, a entrada continua sendo uma dificuldade”, conta Magalhães.
Para enfrentar a questão do acesso para famílias de menor renda, o Ministério das Cidades reformulou as condições de financiamento que são operadas pela Caixa. Os prazos foram prorrogados, os subsídios foram aumentados e as taxas de juros no Norte e Nordeste do país foram diminuídas. Outra novidade foi a criação da linha MCMV Cidades, que estimula estados e municípios a aportarem subsídios para que a parcela de entrada em imóveis diminua, podendo até ser zerada.
Uma terceira inovação citada por Inês é o FGTS Futuro: passou a ser possível incorporar à renda disponível para a autorização do financiamento aquilo que o trabalhador receberia mensalmente em sua conta vinculada ao FGTS. “O limite de comprometimento de renda, quando fazemos uma análise de crédito de uma família, é de 30%. Se ela não alcançar esse índice porque tem alguma dívida, por exemplo, pode usar o que seria depositado no seu FGTS nessa composição. Com isso, uma família que não acessaria um financiamento para dar uma entrada de R$ 150, R$ 200 mil, passa a acessar e a prestação não fica tão pesada na sua renda”, explicou a ex-ministra.
A conversa de Inês Magalhães com a jornalista Beth Costa também passou pela geração de emprego e renda que um projeto do tamanho do MCMV. São cerca de 1.3 milhão de empregos criados ao longo do fluxo do projeto. “Esse é um dos méritos do programa: ele reúne, na sua modalidade financiada pelo Orçamento da União, a garantia do direito à moradia, sem que a família necessariamente pague inteiramente por ele, como as famílias que estão no Bolsa Família. E temos as famílias que pagam de 10 a 15% de sua renda por um período de dez anos. O impacto social é muito importante para a gente”, contou.
A ex-ministra lembrou que a moradia tem um impacto profundo na qualidade de vida das pessoas e, justamente por isso, está em dois terços dos indicadores ODSs. Sem a habitação, destacou Inês, não é possível alcançar as métricas que definem as metas de desenvolvimento sustentável, que dependem diretamente da diminuição das desigualdades.
O programa Soberania em Debate, projeto do SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro (Senge RJ), é transmitido ao vivo pelo YouTube, todas as quintas-feiras, às 16h. A apresentação é da jornalista Beth Costa e do cientista social e advogado Jorge Folena, com assessorias técnica e de imprensa de Felipe Varanda e Lidia Pena, respectivamente. Design e mídias sociais são de Ana Terra. O programa também pode ser assistido pela TVT aos sábados, às 17h e à meia noite de domingo.
Texto: Rodrigo Mariano/Senge RJ
Foto: Palácio do Planalto/Flickr