Com o fim da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), anunciado antecipadamente em portaria do Ministério das Minas e Energia do último dia 7 de abril, as áreas relativas a mais de 200 pedidos para pesquisa e exploração de minério, principalmente ouro, serão colocadas “em disponibilidade” pelo governo federal. O total corresponde aos requerimentos de títulos minerários apresentados após 1984, ano da criação da reserva em uma área total de cerca de 47 mil quilômetros quadrados, no território da fronteira do Amapá com o Pará. Segundo a nova diretriz do MME, os pedidos posteriores a essa data serão indeferidos, e as áreas, consideradas novamente disponíveis.
Para o geólogo e ex-presidente do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Manoel Barreto, esses títulos não deveriam ser “postos em disponibilidade”, mas licitados, com condições próprias, compromissos associados a conteúdo nacional, valores e contrapartidas relevantes pré-estabelecidas. No modelo proposto, a portaria nº 128/2017 do Ministério das Minas e Energia (MME), publicada em 7 de abril, não assegura ganhos para o país compatíveis com o potencial econômico e estratégico da região.
Trata-se de uma sutileza semântica com enorme impacto prático. Barreto explica que as áreas dos títulos colocados em disponibilidade podem voltar a ser requeridas por outras empresas ao Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM). Nestes casos, a autorização vai considerar apenas a ordem de chegada – o tradicional ‘quem pediu primeiro’. E o processo de avaliação é conduzido por uma equipe reduzida, de um a três técnicos.
“Uma área com um potencial tão grande não poderia ser colocada simplesmente em disponibilidade”, critica o geólogo, que também integra o Sindicato dos Engenheiros no Estado da Bahia (Senge-BA). “As análises deveriam ser feitas por comissão de licitação, que reúne pelo menos dez especialistas, especificando obrigações de conteúdo nacional e outras formas de agregar valor às áreas.”
A falta de pesquisas prévias que permitam conhecer e estimar de maneira consistente o potencial da região, bem como determinar uma política pública para sua gestão, é outro problema grave, na opinião de Barreto. “O correto seria avançar no conhecimento, valorar a área, antes de licitá-la ou decidir o que fazer com a reserva. Com a ‘disponibilidade’, o Estado não ganha um tostão.”
Por exemplo, ele cita os procedimentos adotados na Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), do governo do estado, que realiza a pesquisa nas áreas com potencial e só depois faz a licitação para exploração mineral. “Quem ganha, se a mina se torna operacional, paga uma participação de 3% à estatal, como prêmio de oportunidade ou compensação pelo investimento feito.”
Terras indígenas, florestas e garimpeiros
Fora isso, Barreto aponta os muitos problemas a serem enfrentados por quem for investir na Renca, onde há várias terras indígenas (no entorno e dentro da reserva), florestas protegidas, trechos de fronteira, e inúmeros garimpos de ouro já em desenvolvimento, a despeito da proibição. “Foi uma medida estranha; uma portaria para anunciar que vai se acabar com a reserva, o que exige um decreto. Na verdade, parece uma ação de marketing, porque todos têm consciência de que isso vai gerar um imbroglio jurídico para muitos anos.” Segundo dados do Diagnóstico do Setor Mineral de 2010, produzido pelo MME, 69% do território da Renca no Amapá estão dentro de Unidades de Conservação, com apenas 31% livres para a exploração de minérios.
Em entrevista ao Portal do Clube de Engenharia, a engenheira do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), Maria Glícia da Nóbrega Coutinho, diretora de Atividades Institucionais do Clube, também defendeu investimentos em pesquisa para que se conheça melhor o potencial da reserva. Segundo ela, o acesso à região é difícil e sua investigação em escala e profundidade adequadas exige tecnologia e aplicação de conceitos especializados, dirigidos a modelos de mineralizações específicos, em um trabalho de custos altos. “Estes fatos associados à não disponibilidade ou a ausência de repasse de recursos financeiros assegurados pelo decreto de criação da Renca levaram a CPRM a não realizar pesquisa na região. E caracterizam tarefa tipicamente de ação governamental, no contexto global”, diz. “É portanto imperativo uma ação de governo para tentar solucionar os problemas de ordem financeira e legal, de forma que a nova Província Mineral da Renca transforme-se em um polo mínero-metalúrgico, a exemplo de Carajás.”
De acordo com a engenheira, os pedidos de títulos minerários encaminhados ao governo para a região abrangem mais de 90% da área total da reserva, correspondendo a 416 áreas ou requerimentos de pesquisa, sendo 196 deles anteriores ao decreto de constituição da reserva. Deste número, o DNPM outorgou alvarás de pesquisa para apenas 5%, ou seja, 22 áreas. Cerca de 84% dos pedidos de pesquisa (350 áreas) foram requeridas por diversos grupos, incluindo-se a CPRM e Vale.
A portaria nº 128/2017 do MME dispõe sobre os títulos minerários (autorizações de pesquisa, concessões de lavra garimpeira e registros de licença) na área da Renca, e afirma que os requerimentos que se encontram pendentes, apresentados antes da criação da reserva (em 24 de fevereiro d e 1984), serão analisados, e aqueles com data posterior ao decreto, indeferidos. O DNPM, com apoio técnico do CPRM, vai fazer a divisão das áreas em módulos, que serão postos em disponibilidade para pesquisa separadamente ou em grupos. Continuam valendo os títulos minerários outorgados ao CPRM, que já anunciou a intenção de leiloá-los.
Com características geológicas semelhantes às de Carajás, a reserva apresenta maior potencial para mineração de ouro, mas também de titânio e fosfato, cuja pesquisa foi desenvolvida pela Docegeo/Vale.