O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ), o Movimento SOS Brasil Soberano e a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) querem que a Petrobras divulgue a íntegra traduzida para o português do acordo firmado com o Departamento de Justiça norte-americano que permite ao Brasil aplicar no país os cerca de R$ 2,5 bilhões de multas devidos pela estatal. Para Carol Proner, professora de Direito da UFRJ e integrante da ABJD, o fato de o documento só estar disponível em inglês é simbólico da subordinação do seu conteúdo aos interesses dos EUA.
“É uma questão de soberania nacional”, afirmou, durante o Soberania em Debate, no último dia 14 de março, promovido pelo Movimento SOS Brasil Soberano, mantido pelo Senge-RJ e pela Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). “Toda a sociedade brasileira, incluindo sindicatos, movimento social e parlamentares, precisa conhecer em profundidade os termos do documento e os seus vários aspectos que poderiam configurar crime de lesa-pátria. Por exemplo, a obrigação de a Petrobras fornecer aos EUA, como contrapartida, informações estratégicas sobre patentes, tecnologias e finanças.”
A ABJD encaminhou à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, um pedido de esclarecimento para 14 questões, envolvendo tanto o acordo entre a Petrobras e as autoridades dos EUA, quanto o outro acordo, derivado do primeiro, entre a estatal e a força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná. Este segundo contrato, pelo qual o MPF/PR pretendia administrar os recursos da estatal mantidos no Brasil, foi suspenso na sexta-feira (15) por liminar do Supremo Tribunal Federal (STF).
Com relação ao acordo Petrobras/EUA, a ABJD pergunta, por exemplo, se o recolhimento dos valores não deveria ser feito em favor do Tesouro Nacional; ou se houve tratativas entre o MPF e o governo norte-americano. Questiona, ainda, se o Ministério das Relações Exteriores ou outro órgão do Poder Executivo brasileiro e do governo norte-americano participaram das negociações. E quer o detalhamento das contrapartidas oferecidas pelo país aos EUA.
A Procuradoria-Geral, contudo, pediu ao STF a anulação apenas do contrato para gestão dos recursos pelo MPF/PR, assinado pela Petrobras e pelo representante da força-tarefa da operação Lava Jato, Deltan Dallagnol. Pelo acerto, o valor devido ao Brasil seria depositado em uma conta a juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, vinculada a um fundo patrimonial, administrado por uma fundação de direito privado a ser criada. Do total, equivalente a 80% das penalidades (US$ 682,5 milhões, ou cerca de R$ 2,9 bilhões), metade seria destinada a “projetos, iniciativas e desenvolvimento institucional de entidades e redes de entidades idôneas, educativas ou não, que reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção”, por conta da Fundação, e o restante, reservado para ressarcimento a investidores.
A liminar do STF suspendendo a operação determina que os valores depositados pela estatal sejam bloqueados e mantidos em uma conta designada pela Justiça. Segundo o ministro Alexandre de Moraes, a fundação idealizada pela Lava Jato não consta do contrato original entre a estatal e os EUA. “Em princípio, parece ter ocorrido ilegal desvirtuamento na execução do acordo realizado entre a Petrobras e o Department of Justice (DoJ)/Securities and Exchange Commision (SEC)”, escreveu na decisão.
Carol ressalta, no entanto, que o próprio acordo com os EUA precisa ser anulado. Além do acesso privilegiado a informações sobre os negócios da Petrobras, o texto impõe fornecimento de dados sobre indivíduos em caso de investigação de fraudes, e até a aprovação prévia pelo Departamento de Justiça de releases para a imprensa sobre a cooperação:
“A Empresa concorda que, se qualquer subsidiária direta ou indireta, afiliada de sua propriedade ou sob seu controle de alguma forma emitir um comunicado de imprensa ou realizar qualquer conferência de imprensa relacionada com este Acordo, deve primeiro consultar a Seção de Fraudes (Fraud Section) e o Escritório (United States Attorney’s Office for the Eastern District of Virginia) para a) determinar se o texto do release ou os posicionamentos propostos são verdadeiros e consistentes (…); b) se a Seção de Fraude e o Escritório têm alguma objeção ao release”, conforme consta do texto original. O prazo de duração do acordo é de três anos, podendo ser estendido por mais um ano, a critério dos EUA.
Parlamentares e sindicalistas temem que as prerrogativas inéditas concedidas pela Petrobras a um país estrangeiro representem um precedente perigoso para o Brasil. A partir deste acordo, obrigações similares poderiam ser impostas em outros segmentos estratégicos para a segurança e para a soberania nacional.
Confira no link do Jornal GGN, de Luis Nassif, a íntegra dos acordos