Jorge Folena*
A Constituição do Brasil estabelece que todos os processos deverão ter uma duração razoável, pois até os leigos sabem que justiça que tarda não é justiça. Ocorre que já se passaram mais de dois anos, metade do mandato de Bolsonaro e Mourão, sem que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgue se ocorreu abuso de poder econômico por parte da referida chapa, que disputou a eleição presidencial de 2018, em particular quanto à contratação do serviço de disparo de notícias falsas (direcionadas para imensas listas de números de telefones celulares), que marcaram aquela disputa.
Tendo em vista tudo o que se sabe hoje sobre os diversos conluios e fraudes processuais praticadas pela Operação Lava Jato de Sergio Moro, que muito favoreceram a vitória da chapa Bolsonaro/Mourão naquela eleição, o Poder Judiciário brasileiro tem o dever de dar uma resposta à sociedade brasileira, diante do gigantesco caos em que o país foi lançado a partir de 1º de janeiro de 2019.
O Brasil de Bolsonaro e Mourão não apresenta qualquer garantia à ordem democrática e jurídica. Ao contrário, flerta com o golpismo e o autoritarismo. Além disso, o país está paralisado devido à ausência de uma eficaz política econômica, social, ambiental, sanitária e humanitária.
Em consequência, o mundo fechou as portas para o Brasil, que foi totalmente incompetente para cuidar da sua população durante a pandemia, deixando as pessoas morrerem aos milhares em decorrência do coronavírus e, recentemente, por falta de oxigênio. Os mais de 230 mil mortos representam a total indiferença do governo e do seu ministro da Saúde, um general da ativa que se revela incapaz de comandar a batalha contra a Covid-19, sendo o país considerado a pior nação do mundo no combate à doença.
A falta oxigênio tem matado aos milhares na região Norte; a ausência de vacinas disponíveis para atender aos brasileiros e a nova mutação do vírus identificada na Amazônia assustam a todos. Além disso, a miséria retornou sem piedade para milhões de desempregados e precarizados.
Enquanto isto, os militares tentam proteger o general ministro da Saúde, acusado da prática de graves crimes contra a humanidade, pois muitas pessoas morreram em decorrência de omissão de socorro, de forma cruel, por asfixia, por não terem como respirar.
Igualmente, o presidente, ex-capitão da reserva do Exército, busca livrar-se das graves acusações, o que é difícil de aceitar, pois “um manda, o outro obedece”, como Pazuello explicitou anteriormente. Para ficarem tranquilos, todos eles esperam que a Polícia Federal pegue leve nas investigações e, quem sabe, transfira a responsabilidade para o Governo do Amazonas e a Prefeitura de Manaus.
Diante do fracasso que até o momento vigora no país, o último pedido de impeachment foi apresentado, desta vez por líderes religiosos, diante do grave risco humanitário que representa Bolsonaro. Igualmente, grupos de pessoas e instituições diversas voltaram a exigir o afastamento imediato do ocupante da Presidência da República, diante do seu total despreparo para continuar no cargo e por ter conduzido o país ao fracasso, ao desmonte das instituições e à entrega de seus recursos para o capital internacional.
O impedimento é importante para que se possa julgar os crimes de responsabilidade de que é acusado o presidente. E também é necessária a investigação criminal contra Pazuello e o chefe do governo, a fim de apurar a responsabilidade de ambos na morte dos milhares de brasileiros durante a pandemia da Covid-19.
Porém, o mais urgente, hoje, é o Tribunal Superior Eleitoral julgar todas as ações que pedem a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão, para que, na hipótese de ser reconhecida a procedência de qualquer uma delas, os ocupantes da Presidência e da Vice-Presidência sejam afastados imediatamente de suas funções, o que acarretaria a marcação, pelo Congresso Nacional, de novas eleições, com a finalidade de se completar o exercício final do mandato em 31 de dezembro de 2022.
Na eventualidade da cassação da referida chapa, o novo presidente, de transição, terá o papel fundamental de pôr término à escalada fascista no Brasil e restabelecer a ordem institucional e a liturgia do cargo (centenas de vezes quebrada por Bolsonaro, conforme o comentário chulo disparado por ele, ao ser questionado pelos gastos exorbitantes com leite condensado, chiclete etc.). Também terá a responsabilidade de preservar a soberania nacional e iniciar políticas econômicas para estimular, de verdade, a criação de empregos e ativação da economia, que está completamente paralisada por incompetência do atual governo.
Além disso, deverá o novo representante iniciar os debates para um novo pacto político e social, a partir de janeiro de 2023, com a finalidade de refundar o Estado Brasileiro, uma vez que a Nova República foi destruída pelo golpe de 2016, que resgatou o passado não resolvido da última ditadura e deu fôlego à aventureira corrida dos militares rumo à ocupação de cargos civis, sem terem renunciado às suas funções, culminando no fracasso completo representado por Pazuello à frente do Ministério da Saúde, num dos momentos mais graves e difíceis já enfrentados pelo país e pelos brasileiros, e, por fim, punir todos os males causados pela Lava Jato de Sergio Moro e companhia.
* Jorge Folena é doutor em Ciência Política pelo Iuperj, com pós-doutorado pelo CPDA da UFRRJ, e mestrado em Direito pela UFRJ. Também é diretor de Direitos Humanos da Casa da América Latina. Além de diretor do IAB, integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.