Sidnei J. Munhoz*
No último sábado, 13 de janeiro, dois Brasis se defrontaram em Maringá (PR). Dessa história é possível se tirar alguma lição para ambos os lados envolvidos na peleja e para o conjunto da sociedade brasileira. Em Maringá, como em centenas de cidades brasileiras, lideranças partidárias, políticas e sindicais associadas ao campo da esquerda marcaram a criação de um comitê da Frente Brasil Popular, em defesa da democracia e do direito de Lula se candidatar a presidente da República, independentemente do resultado da sentença já pré-anunciada pelo TRF4, de Porto Alegre (RS). Esses ativistas defendem o direito de Lula a um julgamento justo e o fim da perseguição pelo juiz maringaense Sérgio Moro, que segundo eles politizou as suas decisões, cerceou o direito à defesa de Lula e o condenou sem qualquer prova aceitável em um tribunal justo. Tinham uma expectativa inicial de aglutinarem cerca de 200 pessoas em um ato simbólico, mas superaram em muito os seus objetivos.
No entanto, nos dias que antecederam ao evento planejado, ao que se sabe, as elites locais, capitaneadas pela ACIM (Associação Comercial e Industrial de Maringá), com o apoio das TVzonas e de outros veículos de comunicação das elites, decidiram confrontar o ato democrático da Frente Brasil Popular. Nessa empreitada, contaram com o apoio de empresários e de agrupamentos de extrema-direita, como o MBL, capitaneado pelo seu vereador local, que enfrenta um processo de cassação pelos seus pares, e os autodenominados Patriotas, que de patriotas não têm nada, pois estão a contribuir para a dilapidação do patrimônio nacional em favor do capital transnacional. Na senda de constranger e se possível impedir os adversários de realizarem o seu evento, espalharam outdoors pela cidade, colocaram carros de som pelas ruas, enfim acionaram uma máquina de propaganda que deve haver custado um bom dinheiro. Tudo isso, para conclamar a população a fazer um outro ato contra Lula e de apoio a Sérgio Moro, defronte à Câmara Municipal, local onde ocorreria o evento em defesa da democracia e de apoio ao ex-presidente Lula. Em outras palavras, buscavam o confronto e o cerceamento da liberdade de expressão do outro agrupamento político.
Com receio de um conflito que poderia ser trágico, os organizadores do ato da Frente Brasil Popular se reuniram com o comando da Polícia Militar e outras autoridades, e pediram garantias de segurança para a realização do seu ato, já previamente marcado. Felizmente, a polícia cumpriu o papel a ela consagrado nas democracias e não houve confronto ou tragédia, apesar da irresponsabilidade e das provocações dos organizadores do ato arrivista.
No ato da Câmara Municipal foi possível aferir a presença de cerca de 600 pessoas, uma vez que quando se atingiu 480 presentes, os responsáveis pela segurança do prédio não mais permitiram a entrada de ninguém e aproximadamente cem pessoas ficaram do lado de fora. Um contingente de cerca de 300 policiais isolou a área da Câmara Municipal da praça da Catedral, onde se concentrou o ato antidemocrático que procurava negar o direito à livre manifestação dos defensores do ex-presidente Lula.
Nesse ato de confrontação participaram representantes das elites, dos setores reacionários das classes médias, sempre tão servis aos interesses do grande capital, uma vez que nem mesmo percebem que estão a defender interesses contrários aos seus. Muitos dos paneleiros pelo impeachment de Dilma perderam o emprego, viram seus trabalhos precarizados pela reforma trabalhista, mas continuam a apoiar a destruição da previdência pública, que, se aprovada, beneficiará grandes corporações que passarão a faturar bilhões com o abocanhamento desse rico mercado. No futuro, terão que explicar aos seus filhos que não entenderam direito o que estava a ocorrer, mas já será tarde demais. O analfabetismo político é uma tragédia.
No ato antidemocrático não faltaram discursos de ódio e mentiras – como a de que os senadores Roberto Requião e Glesi Hoffman haviam chegado a Maringá em um avião da FAB. Essa é um mentira que teve pernas curtas, pois o senadores nem mesmo vieram à cidade. Gleisi, por exemplo, estava em Porto Alegre.
Os organizadores da manifestação anti-Lula prometiam levar 10 mil pessoas para a rua. Uma TV, aquela que já noticiou que uma manifestação colossal pelas diretas em São Paulo era uma comemoração do aniversário da cidade, anunciou que haviam 1.500 pessoas. Um jornal, representante da elite local, seguiu o mesmo caminho, mas quem viu sabe que poderia haver no máximo entre 600 e 700 pessoas na manifestação. Em outras palavras, mesmo com todo o investimento da mídia e do empresariado local, não conseguiram arrebanhar nem dez por cento do público que anunciaram. Os que foram, apesar dos discursos de força e de ódio, logo foram dispersados por uma chuva fina que caiu sobre a cidade.
Assim, os dois Brasis se defrontaram em Maringá, um na casa que deve ser do povo, a Câmara Municipal, a defender a democracia, a liberdade de organização e de expressão, a inclusão social, a tolerância e uma política de desenvolvimento e soberania nacional que atenda aos interesses da maioria da população, em especial a classe trabalhadora. No outro campo, havia o discurso do ódio, da intolerância, a contradição entre um discurso de defesa da pátria e o apoio a políticas que estão a entregar as riquezas do Brasil às grandes corporações internacionais, como é o caso do Pré-Sal. Mais que isso, a intolerância era expressa em imagens espalhadas pela rede, que pregam o ódio e fazem apologia à violência, como essa (foto à dir.) da camisa da Seleção Brasileira (ou da corrupta CBF que tem seus dirigentes processados nos EUA), com uma pistola, munição, bastão, faca e os chamados socos ingleses.
Assim, os movimentos populares de Maringá (uma cidade conservadora, onde cresceu o hoje juiz Sérgio Moro) deram uma lição de democracia e mostraram a disposição de luta para todo o Brasil.
* Sidnei J. Munhoz é historiador, professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá (UEM)