SOBERANIA EM DEBATE

Quinta-feira, às 16h

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Quinta-feira, às 16h

Constituição e Estado Democrático de Direito sob ataque

57º Conune – Foto: divulgação/UNE

Jorge Rubem Folena de Oliveira*

1. Como imaginar a existência de um Estado Democrático de Direito no país em que, em 2018, morreram assassinadas mais de 60 mil pessoas, sendo três quartos delas de negros e pobres? Em que o “auto de resistência” tornou-se um álibi dos agentes do Estado para excluir sua responsabilidade pela morte de jovens nas favelas? No país em que há mais de 32 milhões de pessoas sem trabalho formal, com direitos minimamente reconhecidos? Onde há 13 milhões de desempregados? No país em que se naturaliza o trabalho infantil? Em que pessoas morrem por dengue e outras doenças? No qual uma presidente da República foi destituída de suas funções sem ter cometido qualquer ilícito político ou jurídico? Em que alguém é processado criminalmente por mera convicção da acusação? Onde se é condenado e encarcerado com provas forjadas, num grande conluio?

2. Este país é o Brasil, no qual imaginávamos haver uma Constituição Cidadã (agora vista como mero exercício de retórica política), mas que não foi capaz de assegurar nem garantir os direitos mínimos da verdadeira cidadania republicana.

3. Acredito que os acontecimentos dos últimos anos ocorreram pelo fato de a sociedade brasileira se recusar a examinar com maturidade os diversos erros do seu passado.

4. O oposto do Estado Democrático de Direito é o Estado de Exceção. E o país foi fundado formalmente sob um Estado de Exceção, que perdura até os dias de hoje, mas fazemos de conta que vivemos numa ordem liberal, democrática e republicana, que só existe no papel.

5. A primeira Constituição brasileira, de 1824, nos foi outorgada, imposta. Ironicamente, a República foi fundada por monarquistas, que nos impuseram uma federação que só fortaleceu o mandonismo dos senhores de escravos. Os primeiros governos da República, de Deodoro e Floriano, governaram sob Estado de Sítio. Arthur Bernardes também impôs um Estado de Sítio.

6. Muitos historiadores consideram que o Brasil de verdade iniciou-se a partir de 1930, por um movimento que nos impôs a ditadura de 1937-1945, quando nos outorgaram mais uma Constituição. O que fizemos em 1946? Jogamos para debaixo do tapete os horrores da ditadura, como se nada fossem e não tivessem destruído milhares de pessoas; como num jogo de cabra cega, a sociedade limitou-se a prosseguir, sem maturidade para exigir e realizar o exame da nossa memória, de tantos erros do passado, para buscar no restabelecimento da verdade o caminho para a construção de uma nação plena.

7. Tempos depois, veio outro golpe, que instalou o regime civil-militar de 1964-1985. O que fizemos depois de 1985? Um grande acordo, que manteve a anistia imposta de 1979 e preservou os que participaram e os que se beneficiaram dos arbítrios do regime anterior, tendo durado o pacto até o impedimento da presidente Dilma, em 2016; ou seja, mais um golpe, cujo prosseguimento nos trouxe à tragédia em que estamos.

8. O fato de não ter sido implementada uma justiça de transição faz com que a sociedade de hoje desconheça os graves erros cometidos no passado, e nos deixa à mercê do atoleiro político em que se jogou o país.

9. Quem foram os artífices do golpe político de 2016? Os de sempre. Ou seja, o passado não resolvido, que a todo tempo traz à lembrança os pesadelos, as dores e os abusos da escravidão, que faz com que hoje busquem eliminar qualquer forma de solidariedade, com a imposição de duras reformas para os trabalhadores e os mais pobres.

10. Na última segunda-feira, dia 8 de julho, o Sr. Nelson Jobim (a meu ver, em uma proposta de novo acordão, como o da Anistia de 1979) disse que “os militares foram julgados pela Comissão da Verdade e o PT pela Lava Jato”. Ou seja, deixou evidente que seria a hora de parar e jogar para debaixo do tapete as revelações do The Intercept. Ao longo da semana, aceleraram os trabalhos para a aprovação da reforma da Previdência e a ratificação da reforma trabalhista, pelas quais se mantém o país atrelado à pobreza e sem esperança de futuro, principalmente para os jovens. Desta forma se materializou o desmanche definitivo da Constituição Cidadã, que já tinha perdido sua eficácia com o esdrúxulo impeachment de 2016.

11. Não existe democracia com pobreza extrema. Nem pode haver Estado de Direito em um país tão rico, mas com um povo tão empobrecido em decorrência da injusta distribuição da riqueza.

12. O país convive pacificamente com a crueldade (violência extremada), desde aquela perpetrada em Canudos até os autos de resistência forjados nas favelas das periferias das grandes cidades; dos despejos coletivos – como os de Pinheirinhos, em São Paulo, e da Telemar, no Rio de Janeiro, nos quais se jogam na rua milhares de pessoas, entre crianças, idosos e mulheres; até os massacres de Eldorado do Carajás e os assassinatos dos povos quilombolas e indígenas, que são expropriados das suas terras ancestrais.

13. Neste ponto, gostaria de salientar algumas pautas defendidas e aprovadas pela instituição que represento neste evento. No Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB Nacional), em decisões submetidas ao Plenário, fomos contra o impeachment da presidente Dilma; a emenda constitucional da morte; o Escola Sem Partido; defendemos o direito do presidente Lula participar da eleição de 2018, como determinou o Conselho de Direitos Humanos da ONU; e nos posicionamos, na quase totalidade, contra o “pacote anticrime” do atual governo. Diante de tantos retrocessos e barbaridades, o Instituto dos Advogados Brasileiros tem procurado mostrar que existe uma luz no fim do túnel, que pode nos levar ao caminho para o resgate da democracia e do verdadeiro Estado de Direito.

14. Por fim, gostaria de dizer que, apesar de tudo, enxergo, à frente, a esperança de um futuro melhor: digo isto tendo em vista a luta travada pelos estudantes brasileiros, no mês de maio p.p., quando organizaram duas manifestações de massa expressivas, que revelam uma juventude vanguardista (no exato conceito leninista), que luta por todos e não só por interesses corporativos. Pelas mãos e sonhos de vocês passará a reconstrução efetiva deste grande país.

Muito obrigado!

* Jorge Folena é jurista e cientista político, e integra o Movimento SOS Brasil Soberano e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB Nacional). O discurso foi apresentado no dia 12 de julho, durante o 57º Congresso da UNE, que vai até 14 de julho, em Brasília.